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Que Portugal para o futuro?

Em antecipação do livro "67 Vozes Por Portugal - A Grande Oportunidade", a publicar pela LeYa/Oficina do Livro, leia o contributo de João Duque, Professor Catedrático de Finanças no ISEG – Universidade de Lisboa.

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Uma vez mais, a resposta tem de vir de fora. Nós não seremos capazes de mudar porque perdemos a dinâmica, a vontade e a liderança de mudança. E ainda por cima ficámos cativos de uma população que está envelhecida e que por isso é avessa ao risco e à mudança.

Sejamos realistas e sinceros. Que mudança podemos esperar em Portugal se não, unicamente, as que forem promovidas por choques externos e muito fortes?


Pensemos nas mais recentes mudanças de Portugal no passado recente e vejamos como todas elas tiveram um catalisador externo.


Com a exceção do golpe militar de 25 de Abril de 1974, todas as mudanças significativas em Portugal tiveram como força motriz variáveis externas aliadas a desejos e ambição interna. A adesão de Portugal à CEE e, mais tarde ao euro, transformaram Portugal à custa de enormes pressões externas. A legislação mudou "por causa da CEE". O ímpeto fontista de Cavaco Silva e dos seus governos deu-se porque houve financiamento externo. A dívida pública e o défice público baixaram no período anterior à adesão ao euro por causa dos critérios de convergência e inclusão no pelotão da frente dessa adesão. O excessivo endividamento posterior, a segunda fase fontista pós-25 de Abril, de Sócrates, deu-se como resultado de uma política monetária de sucesso, com condições criadas e promovidas por terceiros (o BCE com o respaldo dos grandes Estados da União Europeia). As recentes alterações mais estruturais para abertura da economia portuguesa deram-se por causa da troika. E até o sucesso das exportações portuguesas de serviços de turismo ou de investimento imobiliário dos últimos anos se deram, porque nos descobriram como mercado de eleição. De descobridores passámos a descobertos. Deixámos que fossem os outros a ditar o nosso futuro.


Hoje, Portugal é um país à espera que o mudem. Ocasionalmente, há um político que quer mudá-lo, embora, se consegue alguma coisa é sempre à custa de ajuda externa. Mas tem de mostrar um desejo de mudança inabalável para lhe darem a mão e os meios e a justificação para implementar a mudança.


Nos últimos anos, os políticos perderam o ímpeto da mudança. Os governos de António Costa gabam-se de terem sido excelentes reacionários: a repor o passado o mais fielmente e rapidamente possível através das reversões. E em complemento a isso, deixar de fazer investimento público para conter o défice. Isto é e em suma, ser bom por não fazer ou até desfazer.


Portugal conseguiu, de 2016 a 2019, quatro das cinco maiores taxas de crescimento do PIB dos últimos 20 anos. Portugal cresceu mais cumulativamente em quatro anos do que cumulativamente nos 16 anos anteriores! No final destes quatro anos, o que temos para apresentar? Um país mais velho, mais dependente do Estado, mais preocupado com os setores sociais do que com os setores que promovam o crescimento que alimente esses setores sociais. Que saudades do crescimento dos setores não transacionáveis, mas que eram setores não transacionáveis de suporte ao crescimento! Agora passámos dos setores não transacionáveis de suporte ao crescimento para os setores não transacionáveis de apoio social. As preocupações dos políticos são a saúde e as pensões ou os subsídios. Ao contrário do que poderíamos pensar, esta discussão não mostra enriquecimento coletivo, mas sim o envelhecimento e a falta de dinâmica económica. Discutimos apenas as coisas que deveriam estar adquiridas: a saúde, as pensões, o salário mínimo (sempre o mínimo e nunca o médio ou o meritocrático) e as transferências em caso de necessidade.


Deveríamos estar a discutir como garantimos que vamos produzir e vender bens ou serviços que mantenham a saúde, as pensões, os salários e as transferências de natureza social.


Portugal e os políticos parecem um grupo de velhos na sala de um lar de terceira idade. Qual a conversa dominante de uma sala de convívio de um lar de terceira idade: "Já recebeste a pensão este mês? Quando tens a próxima consulta? O que te disse o médico?". Isto é, em termos nacionais, o que ocupa a discussão pública. Talvez a isto só se acrescente o crime e o futebol.


Que obra vai deixar António Costa para que dele se recordem dos melhores anos que tivemos nos últimos 20? Os seus governos têm sido um excelente exemplo de não fazer e as nomeações para os lugares chave são exemplares: O aeroporto de Lisboa está na mesma. A TAP continua a sorver o nosso dinheiro (já nem são os nossos impostos, é a nossa dívida que são impostos futuros). O 5G está atrasadíssimo e estamos nos únicos três países sem ele. A ferrovia continua na mesma e a evoluir sem a mínima perspetiva europeia de ligação da nossa rede à rede ferroviária em bitola europeia. O sistema fiscal está na mesma sem qualquer reforma. A administração pública está na mesma sem qualquer reforma ou medida que altere a sua forma de atuar ou a sua adequação em estrutura ou dimensão à evolução da vida e dos setores. A supervisão financeira está na mesma. A Justiça está assim e não muda apesar do Presidente e da oposição se queixarem. Etc., etc., etc.



Em termos de gestão de pessoas, as nomeações para os cargos chave no impulso criador têm sido exemplares: desde o critério da família ao do partidarismo sem limites, as pessoas para os cargos parecem alinhar com uma estratégia onde a capacidade de pensar e agir de modo despreconceituado e com objetivos de organização, crescimento, responsabilidade e competência têm sido escassas. São a exceção e não a regra.

No setor privado, a incompetência e a demonstrada incapacidade de gestão paga-se com a ruína e o desemprego, desde que não financiada pela banca. Nesse caso, a ruína arrasta-nos a todos… Na política pública sobe-se num cargo, numa nomeação, num lugar de sonho.

Perante este enquadramento e verificando que estamos agora com um PIB, que em termos reais é semelhante ao de 2006, com a maior queda do mesmo do século, como sair daqui?



Para sairmos deste perigoso ponto temos de ter vontade: vontade, visão e veículos.


A Visão

Qual a visão que as nossas lideranças nos oferecem sobre Portugal? De momento, Portugal é governado por quem não oferece qualquer visão sobre o que se quer como modelo de desenvolvimento sustentável para Portugal.


A liderança política de Portugal é feita com base em apoios erráticos ou não anunciados. Gere-se o dia-a-dia, a semana ou o mês. Neste aspeto, a pandemia trouxe o melhor dos motivos para justificar esta forma de orientar o país para um objetivo que é apenas o de manter o poder para manter o poder. Quando se procura aprofundar a visão para o país pergunta-se: Qual o modelo de sociedade que se aponta? É uma economia de mercado? É uma economia de empresas públicas? Quais os setores de liberdade concorrencial? O transporte aéreo é para ser controlado pelo Estado? A banca ou os seguros devem ser nacionalizados (como defende o Bloco de Esquerda ou o PCP)? A saúde ou a educação devem ser públicas? As grandes empresas são estimuladas e devem crescer com capitais privados e preferencialmente cotadas ou devem ser nacionalizadas? Devemos apostar em setores preferenciais e assim financiar prioritariamente projetos específicos?


A estas perguntas a resposta é o silêncio. As ações são erráticas. Até o hidrogénio nos foi vendido por alguém, não se sabe bem quem… Foi uma novidade que nos atiraram de fora e que os nossos políticos vão comprando.


A Vontade

Qual a vontade de mudança? A mudança consegue-se com energia, determinação e persistência. As lideranças em Portugal não têm demonstrado qualquer ímpeto de vontade persistente de mudança. As mudanças foram fáceis quando se determinaram por decreto e de forma desconstrutiva, como sucedeu com a reprivatização da TAP ou com as reversões. Mas desconhece-se energia construtiva. Aliás, a passagem de personagens pelo Governo sem qualquer energia ou vontade de mudar são confrangedoras.


Uma vez mais, a resposta tem de vir de fora. Nós não seremos capazes de mudar porque perdemos a dinâmica, a vontade e a liderança de mudança. E ainda por cima ficámos cativos de uma população que está envelhecida e que por isso é avessa ao risco e à mudança.

Os Veículos

Os veículos são os meios ou instrumentos para mudar, os quais devem estar devidamente apontados e devidamente preparados. Quando iniciamos uma viagem, temos de ter o veículo em boas condições, com o combustível suficiente e orientá-lo para o destino. Sem ele nunca chegaremos ao fim.


Para mudarmos Portugal, teremos de possuir os instrumentos necessários: investimento e enquadramento.


O enquadramento de que aqui se fala é o enquadramento legal e regulatório, o dos incentivos, mas também o da realidade económica e dos meios que dispomos para mudar Portugal.


Comecemos pelo enquadramento da realidade económica. Portugal tem um problema muito grave de envelhecimento populacional. Este problema, que vai acentuar-se dramaticamente nos próximos 10 anos, trás consigo a necessidade de rejuvenescimento populacional, de aumento da produtividade, ou as duas em conjunto.


De acordo com os dados do INE as projeções para a população portuguesa para 2060 apontam para uma perda de 825 mil pessoas em idade ativa. Isto significaria que a população em idade ativa não seria suficiente para manter o atual número de postos de trabalho da atual população empregada. Isto é, serão precisas mais 380 mil pessoas para que toda a população em idade empregada seja suficiente para manter o número de postos de trabalho que hoje temos e sem desemprego! Em 2060, a média de idade da população será de 51,2 anos e a moda, os 83 anos! Este é o Cenário Central desenvolvido pelo INE. Nem vale a pena pensar no cenário pessimista.


Tendo em conta que a relação da população não ativa sobre a ativa será de 93% em 2060, quando em 2017 era de 59%, dá ideia da pressão que vamos observar no sistema de fornecimento de bens e serviços públicos e no de pensões de reforma, particularmente quando o sistema de pensões português nunca foi o de capitalização.


Acumula o facto de Portugal não ser um país de recursos físicos elevado, com a exceção do que possa haver e explorar na sua mancha de responsabilidade oceânica.


Por tudo isto, todo o enquadramento económico aponta para soluções que visem: aumentar a população em idade ativa, a exploração da economia do mar, a diversificação das atividades económicas para se reduzir a dependência excessiva de um só sector económico e o aumento da produtividade.


Por isso, e antes de incentivar qualquer sector económico, para além do que já referi ligado à exploração da bacia oceânica, penso ser vital o aumento da produtividade dos fatores para que se possa compensar o declínio expectável da população em idade ativa.


De acordo com um estudo recente do Conselho para a Produtividade, de Março de 2019[1], a produtividade em Portugal tem tido uma evolução profundamente negativa. Se a produtividade é a mola geradora de rendimento per capita, ela deixa-nos na pior das fotografias. A taxa de crescimento da produtividade do fator trabalho medido pelo crescimento do PIB por trabalhador tem descido desde os anos 50 do século passado. Quando medida em termos constantes, quer em termos de PIB por trabalhador, quer em termos de PIB por hora contratada, ela aparece estagnada desde 2013. E se bem que a produtividade na indústria transformadora medida pelo VAB por trabalhador tenha aumentado nestes anos mais recentes, a produtividade nos serviços às empresas tem compensado pela negativa.


O problema, para ser enfrentado e tratado, requer uma corajosa visão e aplicação de recursos nas variáveis determinantes da produtividade. Ainda de acordo com o mesmo estudo, as variáveis críticas são o estímulo aos setores transacionáveis, a qualificação do trabalho e da gestão, o financiamento dirigido aos projetos produtivos, a utilização da inovação e do conhecimento na produção de bens e serviços de modo sistemático e intenso, a dimensão dos projetos, a adequada estrutura financeira das empresas, a eliminação de barreiras à entrada, nomeadamente pelos criados nos processos de licenciamento, e, finalmente, a flexibilidade das leis laborais.


Sublinho a questão da dimensão das empresas que nos últimos anos tem sido uma variável muito mal tratada. São as grandes empresas que são mais produtivas, que melhor pagam aos seus colaboradores, que lhes dão maior estabilidade de emprego, que mais valor acrescentado geram. São as maiores empresas que arrastam uma miríade de pequenas e até médias empresas na sua cadeia de meios-fins e de geração do PIB nacional. São as grandes empresas que são sistematicamente diabolizadas por um discurso assente num aparente ódio e perseguição fiscal. Nos últimos anos, as grandes empresas só não são negativas quando o seu capital é detido pelo Estado. Para dar um exemplo claro do que é a nossa falta de dimensão, vejamos o que se passa ao nível das marcas mundiais. Portugal não dispõe de uma única marca no ranking das 500 maiores marcas mundiais de 2021[2]. Porque somos pequenos? Não. Os Países Baixos, com 17 milhões de habitantes, conta com sete marcas (Shell, KPMG, ING, Rabobank, Philips, Heineken e a ASML), a Suíça, com 8,5 milhões de habitantes, conta com seis marcas (Nestle, Rolex, Crédit Suisse, Nescafé, Swisscom e a Swiss Re), a Suécia, com 10 milhões de habitantes, conta com seis marcas (IKEA, Volvo, H&M, Spotify, Telia e a Nordea) e a Dinamarca, com 5,8 milhões de habitantes, conta com duas marcas (Lego e Maersk). Quase todos os pequenos Estados europeus com uma dimensão de, pelo menos, metade da nossa dimensão contam com pelo menos uma marca neste ranking. E até os recentes sucessos chamados de unicórnios que nasceram em Portugal saíram rapidamente em busca de capital e redes de crescimento, de caldo de desenvolvimento que não se encontra em Portugal. Porquê?


Temos uma bolsa de valores onde estas empresas novas poderiam crescer, mas o Governo nunca o inclui nas suas opções de desenvolvimento. Tal como a presidente da CMVM recentemente declarou: "Não há estratégia para o mercado de capitais, nem é uma prioridade". Aqui, nesta simples frase, está tudo dito sobre o que pensam os nossos governantes sobre a forma como deve evoluir a estrutura financeira empresarial em Portugal e o modo como deve distinguir a totalidade do sistema financeiro, incluindo o bancário. O modelo apontado foi o de reforçar o capital das empresas através de injeção de capitais do Estado. Mais uma vez, a intervir pelo lado errado.


Esta forma de ver a economia, que é uma economia de garantia de direitos e não uma economia da conquista de direitos, não vai gerar os recursos que desejamos para garantir em qualidade e quantidade os serviços de saúde, de educação, de renovação do parque de infraestruturas instaladas e o pagamento das pensões que desejamos e não nos pode levar a outro destino que não o da degradação da nossa economia.


Talvez não tenhamos de atuar em todas as vertentes que estimulam a produtividade e o crescimento do investimento, mas se queremos estimular a economia e prepará-la para os desafios do futuro temos de garantir que uma boa parte deles está assegurado.


Se os estímulos forem os corretos, o investimento surge e o seu rendimento colher-se-á.

[1] "A Produtividade da Economia Portuguesa – 1º Relatório para a Produtividade", Conselho para a Produtividade, Março de 2019.

[2] "GLOBAL 500 2021 RANKING", Brand Finance, Brand Directory, 2021, https://brandirectory.com/rankings/global/table.


Nota: 

Este artigo de João Duque é uma pré-publicação e integra o livro "67 Vozes Por Portugal – A Grande Oportunidade", apadrinhado pelo ISCTE Executive Education e editado pela LeYa/Oficina do Livro. 

Trata-se de um livro que junta as visões do futuro de Portugal de 67 personalidades portuguesas, entre empresários, artistas, gestores, académicos e tantos outros, num livro que sublinha a importância de defender a nossa identidade, e ao mesmo tempo, da urgência de uma mudança de fundo, para que sejamos mais relevantes no plano internacional, salientando a diferença entre competir pelo crescimento e fazê-lo pela mera sobrevivência.

 

O lançamento do livro terá lugar na Feira do Livro de Lisboa (Auditório da APEL), a 11 de setembro, às 19 horas, num debate moderado por Carla Rocha, locutora, consultora em comunicação e autora, que contará com as intervenções de Afonso Fuzeta Eça, economista, André Leonardo, empreendedor, Sara do Ó, fundadora e CEO do grupo Your, e José Crespo de Carvalho, presidente da direção executiva do ISCTE Executive Education.

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