Opinião
Quando a terra se cala
Não é de hoje nem ficará por hoje o propalado e, ao menos, potencial conflito entre as questões ambientais e as matérias económicas. No plano ministerial, entre as pastas do Ambiente e da Economia.
Em grosso e em tosco, a coisa, tal qual é dita, traduz-se nisto: o desenvolvimento do país, desejado pela Economia, é, constantemente travado pelo Ambiente.
Ensinamento antigo aconselha a que se fuja das asserções absolutas, das que se modelam sob a forma de sentenças ou das que se forjam nas meias verdades e surgem como verdades inteiras. Coloquem-se duas perguntas. Primeira: é passível de crítica, atenta a realidade existente, que se determinem restrições sérias a mais betão no litoral? Portugal é uma cidade contínua e desordenada, desde Viana do Castelo até Setúbal, com o intervalo da ria de Aveiro e do pinhal de Leiria. E contínua o é também, desde o barlavento ao sotavento. Praticamente sem intervalo. A área construída do litoral aumentou 34% entre 1990 e 2000. Como não impor, em razão de prioridades ambientais e de consequente qualidade de vida, fortíssimos condicionamentos? Quem se opõe a isso, salvo o sector directamente interessado no convívio e na instalação do betão? Segunda pergunta: é passível de crítica que se diga que o pacote das licenças de emissão está fechado e que novos investimentos que as impliquem não serão inviabilizados desde que os investidores estejam dispostos a comprar direitos de emissão e se cumpra com a legislação ambiental? Atentos os tectos fixados e atentos todos os furos já praticados a esses tectos, não se vê como criticar o que já deveria ter sido feito há muito tempo. Nestes casos, só por má-fé se pode dizer que são os ambientalistas quem manda. Do que se trata é de imperativos de qualidade que os países desenvolvidos têm e praticam. E que não acolhem empresários ou afins que querem ganhar tudo de uma vez ou em poucas vezes. Não é equilibrada qualquer posição que olhe e olhe só aos seus próprios interesses.
Por ser assim e pelo facto da regulação ambiental dever entrar em linha de conta com equilíbrios - o que, aliás, é expressamente previsto na regulação comunitária e em alguma regulação nacional - faz todo o sentido que em zonas condenadas à desertificação se leve a cabo uma política agressiva de consolidação das populações e de atracção de gente nova. É o caso do Alentejo. Colocar aqui entraves, em nome do ambiente, decorre de uma prática que nada tem a ver com o ambiente e é atitude que não percebe o óbvio. Decorre de uma ancestral burocracia, agora pretextada com o ambiente, quando o que ele precisa é de tudo menos de burocracia. E não percebe que o óptimo é inimigo do bom e que o bom é o céu para situações muito más, quando não péssimas. Como as de subdesenvolvimento crónico. Se um empreendimento da dimensão de Alqueva pode ser um pólo de atracção que aglutine gente vinda de todo o lado e se, de ciência certa, se constata que o deserto está à porta, como hesitar um só segundo? Que questões ambientais podem ser mais importantes do que evitar que a zona morra? Que ordenamento do território querem que se faça para uma zona para a qual, a muito curto prazo, não é preciso nenhum por não ter lá ninguém? A conservação ambiental é necessária porque funcionalizada às pessoas. Quando a terra se cala, porque não há lá ninguém para dizer o que quer que seja, o ordenamento do território desempenha a função de um sistema de video vigilância que escrutina um montão de ruínas, a carcaça de um cão e o voo de uma águia de passagem.
Como, antes de outros e depois de outros, Porter notou e voltou a sublinhar, a regulação ambiental pode ajudar as economias e constituir um estímulo à competitividade. Ponto é que o ambiente e a economia percebam que servem as pessoas e não a si mesmos.