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Publicidade no Natal de 2007

O Natal de 2007 não trouxe nenhuma campanha original. A figura do Pai Natal já foi tão explorada que já nada parece poder oferecer. O Pai Natal da Vodafone adormecido na cama ao lado dos rapazes ou a dançar com a rapariga numa festa foi um último fogacho

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O Natal de 2007 não trouxe nenhuma campanha original. A figura do Pai Natal já foi tão explorada que já nada parece poder oferecer. O Pai Natal da Vodafone adormecido na cama ao lado dos rapazes ou a dançar com a rapariga numa festa foi um último fogacho desta figura inventada por uma marca comercial para evitar a religião.

A Coca-Cola avançou com o Pai Natal nos anos 30 e foi como fogo na pradaria: o mundo comercial e cultural apoderou-se da figura. O Pai Natal tomou de assalto as lojas, as ruas e as casas, como se vê por esses pais natais de plástico chinês que trepam pelos prédios das cidades.

A invenção do Pai Natal pela Coca-Cola resolvia um problema: não ficava bem comercializar o Menino Jesus, tradicional doador dos presentes na imaginação do Ocidente cristão. Por duas razões: porque deixava de fora as outras religiões quando o objectivo é vender a todos e não apenas aos cristãos; porque a utilização de Jesus seria incómoda e limitadora na exploração publicitária. O Pai Natal resolveu isso. A sua mais que ténue ligação a um santo cristão, o tal S. Nicolau, é do género pode ser sim pode ser que não. Aliás, as notícias fait-divers têm ajudado a esta descristianização da figura, "descobrindo-se" que afinal o tal Nicolau não era tão santo como se julga, ou que se calhar nem existiu ou...

O Pai Natal dança como um miúdo, come como um javardo, bebe como uma esponja - e usa preservativos, como numa campanha portuguesa aqui há anos. Este Pai Natal que dança alegremente na festa da juventude Vodafone "vive o momento" mas não sabe sequer o que o momento significa. Ao ar hedónico e mesmo dionisíaco do Pai Natal juntou-se por vezes a Mãe Natal, com um belíssimo par de pernas e um outro igualmente belíssimo par de mamocas.

Entretanto, desaparecido da publicidade, o Menino Jesus foi também desaparecendo do imaginário cultural das próprias crianças. O Natal deixou de estar ligado à própria ideia de nascimento de alguém. O Natal deixou de ser natalício. Apela aos bons sentimentos, mas sentimentos profundamente arreigados a uma ideologia comercial: ser bom é dar presentes bons. O Bem é não é um Dom, é um Dar.

Sem qualquer transcendência, reduzido ao comércio, o Natal publicitário repete-se sem graça nem Graça. Mesmo o anúncio televisivo da Coca-Cola, ela que é a mãe do Pai Natal, não atingia as alturas de outros tempos. Suponho que os próprios publicitários já não conseguem imaginar o Natal longe do centro comercial.

O anúncio da CGD que mostra na fotografia uma árvore natalícia ocupando o lugar dum automóvel numa rua deserta à noite fica como símbolo deste Natal sem gente, sem pessoas, sem calor, sem humanidade, apenas uma gélida árvore fora de uma casa com grades na janela, sem luz. A árvore posta fora de casa, a sugerir que já não há espaço para o Natal em casa. Segundo uma reportagem no Público, há quem considere exactamente o mesmo que este anúncio, mas num sentido contrario, quem fuja deste Natal-cartão-de-crédito que pôs fora de casa o outro Natal, quem saia de casa para procurar esse outro Natal, que se pretende mais verdadeiro, passando a noite com gente sem-abrigo ou com pobres em festas da iniciativa de instituições de solidariedade.

Em vez das figuras ridículas ou sentimentalescas do Pai Natal, mais certo foi o caminho publicitário de grande número de marcas, que fizeram anúncios em Dezembro calando qualquer espiritualidade alusiva à época, como se nada fosse, porque de facto esse Natal nada é.

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