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19 de Outubro de 2005 às 13:59

Portugal à procura de um caminho

De tempos a tempos o País é sobressaltado com o aparecimento de propostas mais ou menos globais de redenção: manifestos, proclamações, tomadas de posição isoladas ou colectivas, análises sobre o estado da nação, colóquios, conferências, debates etc.

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A última vaga iniciou-se em Outubro de 2002 com o chamado Manifesto dos 40que, em síntese, defendia junto do Governo e das elites políticas e empresariais, a preservação em mãos nacionais dos principais centros de decisão estratégica.

Depois foi um Manifesto do Porto (Fevereiro de 2004), subscrito por meia centena de personalidades maioritariamente nortenhas, onde se defendia uma reorganização do Estado e da Administração Pública, a necessidade de novas lideranças políticas e empresariais e uma estratégia de integração de Portugal no actual processo de globalização. Este é, de entre todos, porventura o mais interessante dos documentos ultimamente produzidos, exactamente por ser o mais despretensioso e o menos programático: mas uma frase perdida no meio do texto mostra bem o tome os objectivos dos seus promotores: «É muito arriscado viver, como se vive hoje e nalguns ministérios, em ‘outsourcing’ de pensamento estratégico, com os consultores internacionais a definirem eles os caminhos que Portugal deve seguir».

Logo a seguir apareceu o Compromisso Portugal (Fevereiro de 2004), bastante mais ambicioso e detalhado, onde a pretexto da apresentação de um novo modelo económico e social para o País, se apresentava um verdadeiro e extenso programa governamental, de matriz liberal, muito interessante sob vários pontos de vista. Aqui se vê reflectido, num conjunto de umas três dezenas de propostas, o estado de espírito de uma amostra representativa de alguns dos nossos mais mediáticos gestores da nova geração. Mulheres e homens, em princípio, sem compromissos com o passado, libertos das ideias proteccionistas do Estado Novo e do garrote do condicionamento industrial e, mais importante que tudo, aparentemente, libertos da tutela cultural do estado interventor, castrador e paternal.

Já este ano, subscrito por 34 cidadãos, surgiu um outro documento, sintomaticamente designado Um sobressalto Cívico (Fevereiro de 2005) e Cavaco Silva publicou A ideia-chave (Maio de 2005): «a de que os problemas económicos que o País enfrenta só podem ser ultrapassados através do aumento da capacidade competitiva das empresas no plano internacional». Finalmente, nesta lista não exaustiva, alguns dos nossos mais reputados economistas e gestores (Julho de 2005), saindo aparentemente em defesa das ideias do ex-Ministro das Finanças, Luís Campos e Cunha, reclamam contenção orçamental, uma cuidadosa selectividade da despesa pública, apoios públicos canalizados para sectores produtores de bens transaccionáveis pronunciando-se, sobretudo, contra a ideia de que «parece ter emergido uma corrente de pensamento que acredita que a superação da crise pode estar no investimento em obras públicas, sobretudo se envolvendo grandiosos projectos convenientemente apelidados de estruturantes». Entretanto e ao ritmo das eleições foram surgindo programas eleitorais e de Governo.

Não é por falta de propostas qualificadas que Portugal se vai afundando na descrença e em perda de auto-estima, que os indicadores económicos e sociais se deterioram, que toda gente arranja pretextos para protestar e todos os dias ficamos com a sensação de que o País se torna mais difícil de governar e de viabilizar.

Estratégia, portanto. Todos defendem a sua urgência e fazem propostas. Resta saber quem pode e quer dar o primeiro passo. Até agora pelo que se tem visto, estas propostas parecem gritos de alma emitidos aos quatro ventos, surgindo como um aliviar de consciências que assim se sentem desobrigadas e absolvidas. Estes documentos vão aparecendo de forma basculante, porque os nossos propósitos de regeneração se limitam a ser impulsos, corridas de curta distância quando do que precisamos é de corredores de fundo munidos de um propósito consistente.

Existe uma imensidade de modelos que têm permitido A muitos países sacudir a rotina e o marasmo e arrancarem com êxito para as novas organizações da sociedade que o Mundo de hoje impõe: talvez nenhum possa ser aplicado em Portugal. O que é certo é que todos esses países trabalharam para encontrar o seu caminho e fizeram o seu ‘trabalho de casa’ preparando-se longa e metodicamente para afrontar o futuro e o Mundo em mudança. Alguns da União Europeia, como é sabido: Irlanda, Espanha, Reino Unido, Finlândia, República Checa... todos têm algo em comum: elaboração de um diagnóstico sem concessões, afrontar os interesses corporativos, fixação de um desígnio nacional, vontade colectiva para atingir as metas fixadas. E depois, já que não pôde ser antes, educação, formação e uma grande familiaridade com as novas tecnologias de informação e comunicação, instrumentos decisivos na construção das sociedades contemporâneas do conhecimento e da inovação.

A questão central que, em minha opinião, se coloca à nossa sociedade é a de saber até onde os portugueses estão dispostos a ir, se o Governo, em conjunto com os vários grupos sociais do País, terá coragem e estará disposto a construir essa estratégia nacional, fazê-la aprovar e levá-la até às últimas consequências.

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