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14 de Novembro de 2005 às 13:59

Plataformas de negócios lusófonas

É chegada a hora de o país mudar de atitude e de começar a pensar mais nos seus próprios interesses e no modo como poderá valorizar as suas forças e aproveitar a sua contribuição histórica para a arquitectura do sistema de relações económicas globais em q

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Nas últimas duas semanas confrontamo-nos com duas notícias relevantes do ponto de vista das relações económicas entre Portugal e o Brasil. A primeira dava-nos conta da escolha de Portugal, em detrimento da Espanha, para o estabelecimento de uma plataforma exportadora de produtos brasileiros para a Europa, a que deverá corresponder uma correspondente contrapartida portuguesa. A segunda referia a viabilização do acordo para a compra de uma parte decisiva da transportadora aérea brasileira VARIG pela sua congénere portuguesa TAP.

Considerados cada um por si, trata-se de dois negócios distintos: o primeiro mais situado no domínio das políticas de cooperação inter-governamental para promoção do desenvolvimento empresarial; o segundo, um caso típico de consolidação de uma estratégia empresarial que procura maximizar a presença nos mercados mais rentáveis como é o caso do Brasil. Todavia, será importante ter uma visão mais abrangente e, também, mais ambiciosa, da importância que estes dois negócios poderão representar, não apenas no contexto do desenvolvimento das relações económicas entre os dois países mas, sobretudo, no contexto mais vasto das dinâmicas económicas e empresariais que se manifestam no plano da economia global.

Já tivemos oportunidade de escrever nas páginas deste jornal, nesta mesma coluna, que o dinamismo da economia mundial repousa hoje, em larga medida, no eixo económico existente entre os Estados Unidos e as economias asiáticas, com a China à cabeça, em que os défices interno e externo americanos e os excedentes comerciais asiáticos se alimentam mutuamente, sustentados por uma contínua reciclagem de dólares, no quadro de um sistema monetário internacional informal em que a moeda americana adquire o estatuto de verdadeira moeda global.

A Europa absorvida num processo interno de digestão simultânea dos efeitos da criação da moeda única e do alargamento a leste, tem-se mostrado não só incapaz de gerar dinâmicas internas de crescimento sustentado como, também, de desempenhar um papel suficientemente importante na configuração do sistema actual de relações internacionais, limitando-se a uma função de ajustamento passivo às dinâmicas de competitividade que lhe são impostas do exterior e sobre as quais não parece estar em condições de exercer influência significativa num horizonte temporal de curto ou sequer de médio prazo. As consequências desta situação não são, obviamente, simétricas e países, como Portugal vêem-se duplamente atingidos, quer pela concorrência adicional que lhe é trazida pelos novos parceiros, quer pela periferização acrescida a que se vê remetido em resultado do deslocamento para leste dos centros económicos e políticos da União.

Como é óbvio tudo isto obriga a uma reconsideração de projectos e estratégias que, sem pôr em causa os reais avanços alcançados pelo processo de integração económica, sejam capazes de introduzir novas dinâmicas na Europa e de as projectar à escala do funcionamento da economia global. Ora é precisamente nesta perspectiva que devemos procurar avaliar o papel e a importância do desenvolvimento das relações económicas entre Portugal e o Brasil. Não apenas enquanto relações de natureza bilateral estrita, que também o são, de facto, mas, sobretudo, enquanto relações bilaterais mais latas que remetem para o espaço das relações estratégicas entre dois blocos de integração regional situados em continentes diferentes, dando corpo e expressão a uma integração económica mais vasta, de carácter global.

Nesta perspectiva, ainda, seria importante ir mais longe e considerar o papel que poderá desempenhar a Comunidade de Países de Língua Portuguesa - CPLP, entendida como potencial espaço de integração económica de vocação global e de produção de centralidade, escala e especificidade próprias, necessárias ao aproveitamento, por parte do conjunto e de cada membro, em particular, das potencialidades associadas à afirmação dominante das dinâmicas da globalização económica.

Regressando ao ponto de partida, às plataformas exportadoras e ao negócio da TAP com a VARIG, parece evidente que se está em presença de duas iniciativas que se poderão inscrever num processo objectivo de tomada de consciência da importância da valorização das relações no seio do espaço lusófono e de que cada uma a seu modo poderá constituir um vector de atractividade e de projecção de um espaço económico conjunto e, por esta via, de cada um dos países em particular.

Fica-se, no entanto, com a sensação de que mais poderia ser feito e de que ainda existe muita falta de ambição.

No primeiro caso, as plataformas exportadoras poderiam ter sido pensadas de forma mais global, como componentes de centros mais amplos de negócios no contexto do espaço lusófono, que englobassem também a componente de investimento directo, funcionassem como espaços de exposição de produtos e de tecnologias e, ainda, como pólos de constituição de redes entre empresas e instituições empresariais, entre Universidades, centros de investigação e centros tecnológicos, dos diferentes países da Comunidade e de outros espaços económicos. Enfim, como plataformas de produção e de atracção de novos negócios, num espaço económico mais alargado e diversificado, ampliando-se desta forma a projecção do conjunto na economia global.

Nesta perspectiva, a implantação prevista da plataforma exportadora brasileira no espaço do MARL não deixa de projectar uma imagem limitada, misturando com legumes e peixe aquilo que poderia ser uma excelente oportunidade para criar uma realidade empresarial de vocação global. Sendo um projecto novo e de elevado potencial económico, faria muito mais sentido que fosse projectada uma instalação de raiz, aproveitando, por exemplo, as excelentes condições do eixo de Setúbal - Sines, contribuindo deste modo, também, para a reordenação e valorização do espaço económico do país e das infra-estruturas da região.

No segundo caso, embora a natureza do negócio seja diferente, e talvez mais complexa dado o risco empresarial que lhe está associado à partida, não deixa de ser interessante ver a participação do vector Macau e China, juntamente com os vectores português e brasileiro o que desde logo traduz uma manifestação concreta do potencial do espaço económico lusófono, no seu sentido mais amplo e na sua valorização estratégica. Também aqui faria sentido pensar-se na associação ao projecto das transportadoras de Cabo Verde e de Angola, racionalizando a exploração do mercado atlântico e projectando, inclusive, a extensão ao Oriente, aproveitando o dinamismo das relações económicas do Brasil com essa zona do globo.

Portugal tem estado nos últimos anos demasiado absorvido com os pequenos problemas. Aceitou, passivamente, a condição de parceiro menor de um espaço económico europeu, ele próprio em crise económica e de identidade e à procura do seu lugar no espaço mais vasto da economia global, e deixou de pensar estrategicamente.

No entanto, é chegada a hora de o país mudar de atitude e de começar a pensar mais nos seus próprios interesses e no modo como poderá valorizar as suas forças e aproveitar a sua contribuição histórica para a arquitectura do sistema de relações económicas globais em que hoje vivemos.

A própria Europa não deixará de nos agradecer.

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