Opinião
Empresa e Universidade
Como é do conhecimento público, está anunciado, para breve, nova legislação de enquadramento do ensino superior. Sabe-se que esta abrangerá o regime jurídico das instituições, o estatuto das respectivas carreiras docentes e o modelo de financiamento ...
Sabe-se que esta abrangerá o regime jurídico das instituições, o estatuto das respectivas carreiras docentes e o modelo de financiamento – as três peças bases que definem o conteúdo e a forma que este sistema de ensino terá num horizonte temporal de médio e longo prazo.
Conhece-se já – numa versão que não se afastará muito daquela que será submetida a aprovação da Assembleia da República – a primeira das três peças, intitulada, precisamente, Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior. As outras duas, ao que se diz, só serão apresentadas posteriormente, ainda durante o corrente ano civil.
Sem prejuízo de uma leitura mais aprofundada e de uma análise partilhada das suas implicações sobre as actuais instituições, é justo reconhecer que as disposições enunciadas vão no bom sentido.
Há três aspectos que gostaríamos de salientar, em particular.
Em primeiro lugar, a reunião num documento único das disposições relativas ao ensino público e privado, fixando critérios comuns de exigência para os dois subsistemas. Espera-se que isto possa contribuir para clarificar aquilo que se entende por ensino superior privado em Portugal.
Em segundo lugar, a radical alteração do modelo de "governance" das instituições. Há muito que era reconhecido o esgotamento do actual modelo de gestão das diversas instituições do ensino superior e das suas unidades orgânicas, mais orientado para assegurar equilíbrios de forças a nível interno e menos capaz de lidar com as pressões externas para a mudança e para a adaptação às novas necessidades de relacionamento com a sociedade. As disposições agora propostas apontam para um novo modelo de selecção dos dirigentes máximos, para uma mais equilibrada distribuição e hierarquização de competências entre os diferentes órgãos de gestão, para um modelo potencialmente mais ágil e mais integrador do exercício das responsabilidades de gestão, nas suas diferentes expressões.
Um terceiro aspecto que gostaríamos de salientar, pela positiva, liga-se, precisamente, com o novo modelo de "governance" que é proposto e consiste na exigência de participação de personalidades externas – em principio representantes dos sectores da sociedade e das áreas de interesses em que se movem as diversas instituições – na definição das orientações estratégicas e na escolha dos dirigentes máximos – reitores, presidentes ou directores de unidades orgânicas.
Embora seja já uma prática, mais ou menos formalizada, em algumas instituições do ensino superior, a partilha de algumas decisões com representantes dos sectores da sociedade para os quais se orientam as suas actividades – normalmente através das figuras de consultores, de organismos de interface, de associações de antigos alunos, entre outras – a verdade é que esta exigência de participação externa nos órgãos máximos de decisão das Escolas e Universidades constituirá uma verdadeira revolução na maneira de estar e de funcionar da generalidade das instituições de ensino superior portuguesas. E não se espere que seja de fácil concretização.
Muito provavelmente, as maiores dificuldades nem virão do mundo académico.
Apesar de algumas tendências para a autarcia e para o conservadorismo institucional, a realidade é que as instituições de ensino superior estão particularmente bem posicionadas para observar as mudanças que se operam no mundo e nas sociedades em que se inserem e, com mais ou menos desfasamentos temporais, acabam por compreender a necessidade de encontrarem respostas, no plano científico e organizacional, à nova procura social que lhes é dirigida. É justo reconhecer os progressos notáveis que foram realizados ao longo dos últimos anos pela generalidade das instituições do ensino superior, não obstante todos os constrangimentos decorrentes da legislação obsoleta em vigor, das dificuldades de financiamento público e da falta de políticas coerentes de enquadramento.
Já em relação às instituições representativas da sociedade, a situação é mais complexa.
Sem dúvida que muitas compreendem as mudanças em curso e as próprias pressões competitivas a que estão submetidas – como é o caso das instituições representativas do mundo económico e empresarial – leva-as a olharem para as instituições académicas de um modo que ultrapassa o mero interesse imediato, de fornecedores de mão-de-obra mais ou menos qualificada. Mas outras continuarão a ser incapazes de perspectivar as relações com o meio académico numa perspectiva mais ampla, de cooperação a longo prazo, de interesse mútuo, de desenvolvimento comum e de contributo para o desenvolvimento geral do país. Esta realidade, que decorre objectivamente do nível de desenvolvimento económico e cultural do país, poderá revelar-se um entrave sério ao melhor aproveitamento do potencial que está associado à exigência de participação externa nos órgãos de decisão académica.
Aqui reside um dos desafios fundamentais colocados pela nova legislação e para o qual é necessário começar desde já a procurar respostas.
No caso das Escolas de economia e gestão a tarefa apresenta-se de mais fácil resolução. Desde logo, pelo facto de a relação com o mundo exterior ser mais directa e de mais fácil apreensão pelos agentes envolvidos. Mas, também, pelo facto de nos últimos anos se terem desenvolvido múltiplas plataformas de colaboração directa com as empresas e outras instituições dos diversos sectores económicos, a nível da formação pós-graduada, da investigação aplicada ou da consultoria. Trata-se, agora, de dar um passo em frente e de dar uma expressão institucional a uma prática que se tem desenvolvido de modo mais ou menos informal.
Mas seria importante aproveitar o balanço e aceitar que tudo seria muito mais produtivo, do ponto de vista económico e social, se o relacionamento empresa-universidade tivesse uma natureza bidireccional.
Ou seja: é importante que as empresas e as instituições do mundo económico e empresarial sejam chamadas a partilhar as responsabilidades da gestão do mundo académico, mas seria igualmente interessante que as instituições académicas fossem chamadas a opinar e a participar na definição das grandes orientações estratégicas das empresas e da economia do país e a ter igualmente um papel na selecção dos seus principais responsáveis.