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23 de Janeiro de 2008 às 13:59

A caminho de um novo paradigma económico?

Os mais recentes desenvolvimentos da crise do “subprime” nos estados Unidos levaram o presidente da Reserva Federal, Ben Bernanke, a pedir a intervenção do Governo para ajudar a travar os seus efeitos na economia americana. A resposta do Presidente Bush n

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A resposta do Presidente Bush não se fez esperar e na passada sexta-feira anunciou um pacote de medidas de incentivos à actividade económica no montante de 140 mil milhões de dólares (cerca de 96 mil milhões de euros, ao câmbio actual) indo, também, ao encontro dos conselhos do anterior presidente da FED, Alan Greenspan, que não se coibiu de afirmar ser preferível lidar com o aumento do défice orçamental do que com os efeitos de uma recessão económica.

Na Alemanha, também ameaçada pelos impactos da crise financeira americana, o governo da chanceler Merkel declara guerra à Nokia em resultado de esta empresa ter decidido deslocalizar a fábrica que possuía na Renânia-Vestefália e que emprega, actualmente, cerca de 2300 trabalhadores, para a Roménia, fazendo tábua rasa de quase 90 milhões de euros de subsídios estatais à investigação, recebidos como incentivo à sua instalação naquele estado alemão. Parece que a ideia é estabelecer um boicote à compra de telemóveis e outros produtos do gigante finlandês como retaliação pelo desemprego e perda de rendimento que a saída desta empresa de solo alemão irá provocar.

Em Portugal é a crise do maior banco privado português a lançar as dúvidas sobre eficácia dos mecanismos de mercado, e a legitimar um nível de intervenção governamental que em tempos não muito idos seria considerada um atentado à liberdade económica e empresarial. Os grandes accionistas de referência aplaudem a verdadeira guia de marcha que é dada ao presidente do banco público para ir resolver os problemas do maior banco privado nacional, de um momento para o outro transformado de grande impulsionador da modernização do sistema bancário português em paradigma de todos os pecados da gestão privada actual do capitalismo financeiro internacional.

Embora diferentes na sua natureza e no modo como se enquadram nas dinâmicas económicas específicas dos três países, estes três acontecimentos não deixam de constituir expressões particulares de um fenómeno mais geral que parece estar a produzir-se a nível internacional, na sequência do agravamento das repercussões da crise do subprime americana, e que vai no sentido da recuperação da ideia de que cabe ao Estado um papel insubstituível na gestão da coisa económica, particularmente em contextos de ameaça de crise profunda e de perda de confiança da generalidade dos agentes económicos.

Como é óbvio, ainda é cedo para distinguir neste ressurgir do apelo à intervenção económica do Estado, o que constitui expressão de uma necessidade objectiva do desenvolvimento das dinâmicas económicas e empresariais actuais de simples manifestações de impotência dos agentes privados ou de protecção privilegiada relativamente aos efeitos da efectiva regulação pelos mercados. Todavia, é importante reconhecer que não se está perante um fenómeno isolado e circunscrito ao tempo presente, mas antes face a algo mais generalizado que, paulatinamente, se tem vindo a afirmar à medida que o aprofundamento da chamada economia global traz como contrapartida a regressão nas condições económicas e sociais dos países tradicionalmente considerados desenvolvidos.

Se olharmos para a História do capitalismo moderno, são visíveis dois momentos fundamentais de ruptura das crenças económicas dominantes e de emergência de novos paradigmas, que acabaram por acompanhar e moldar a construção dos diferentes sistemas económicos nacionais e a sua articulação no plano internacional. Nos dois casos, foram mais as pressões da conjuntura económica envolvente do que a racionalidade ou coerência teórica das novas propostas a forçar o recurso a novas práticas e a novos sistemas de referência que acabariam por enformar e dar substância aquilo que se convencionou designar de mudança de paradigmas económicos.

Nos anos 30 foi a extensão e persistência da crise económica a abalar as convicções na lei de Say e na eficácia reguladora da mão invisível forçando a adopção do New Deal de Roosevelt que acabaria por encontrar a legitimação teórica e o impulso fundamental para a sua generalização à gestão da economia internacional no intervencionismo de tipo keynesiano. Quarenta anos mais tarde, no início dos anos 70, também em plena crise económica internacional, foram as pressões da abertura das economias e da expansão da circulação internacional de capitais a determinar o esgotamento das políticas económicas nacionais e a favorecer a progressiva afirmação do paradigma da competitividade em detrimento da prioridade ao equilíbrio económico interno.

Actualmente, uma vez mais em contexto de ameaça de crise económica profunda e, de novo, tendo como epicentro a economia americana, verifica-se uma nova inversão de marcha no que diz respeito à confiança nos mercados, multiplicando-se os apelos a uma mais forte intervenção económica dos poderes públicos como forma de minorar os efeitos negativos e controlar os excessos daquilo que constitui, precisamente, a expressão do funcionamento dos mecanismos de mercado.

Como se disse atrás, ainda é cedo para saber se este aparente movimento pendular entre mercado e Estado se traduzirá numa efectiva mudança no posicionamento dos poderes públicos relativamente às dinâmicas introduzidas pelo funcionamento da economia global ou se, pelo contrário, se está em presença de um aproveitamento oportunista daquilo que ainda resta da capacidade de intervenção económica dos Estados para protecção de interesses instalados face às mudanças de relações de força que estão a ocorrer na economia mundial. Em qualquer caso é indubitável que algo está a ocorrer e que será o próprio desenvolvimento da crise financeira internacional e a expressão da sua extensão ao conjunto da economia internacional, à semelhança do que ocorreu no passado, a determinar as novas modalidades de articulação do Estado com o mercado e a dar coerência aquilo que, por enquanto, constituem apenas sinais de emergência de um novo paradigma.

Todavia, não podemos descartar a hipótese mais pessimista que é a de considerar que o que se está a passar, crise financeira incluída, é apenas uma expressão do nível de ingovernabilidade para que foi conduzida a economia mundial em resultado da adopção descontrolada do paradigma liberal.

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