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António Mendonça amend@iseg.utl.pt 19 de Setembro de 2007 às 14:19

Alan Greenspan

Parece já não existirem dúvidas de que a crise que se abateu em Agosto sobre o sistema financeiro internacional não deixará de se repercutir sobre a economia real. A questão que persiste tem a ver com a extensão das repercussões e com a maior ou menor sim

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Parece já não existirem dúvidas de que a crise que se abateu em Agosto sobre o sistema financeiro internacional não deixará de se repercutir sobre a economia real. A questão que persiste tem a ver com a extensão das repercussões e com a maior ou menor simetria dos seus impactos ao nível dos diferentes países.

O grau de exposição dos diferentes sistemas financeiros nacionais à crise do mercado de "subprime" americano aparece como o elemento determinante do modo como a crise afectará as dinâmicas de crescimento dos diferentes países e por esta via, a dinâmica da economia mundial no seu conjunto.

Mas os factores de natureza psicológica também desempenham aqui um papel decisivo, podendo gerar efeitos cumulativos sobre os níveis de investimento ou afectar directamente os preços das matérias-primas internacionais estratégicas como é já o caso do petróleo.

Esta ideia, da inevitabilidade do contágio da crise financeira ao conjunto da economia real, parece ser partilhada pelo antigo governador da Reserva Federal, Alan Greenspan, na sua entrevista ao "Finantial Times", a propósito do lançamento do seu novo livro, A Era da Turbulência. Trata-se, a todos os títulos, de uma entrevista notável e constitui, sem dúvida, um excelente aperitivo para a leitura do livro, cuja edição em português também já está disponível.

Julgo que a ideia mais importante que é lançada por Greenspan - e à luz da qual deve ser lida a actual situação económica internacional - é a de que se assiste ao esgotamento dos efeitos de uma era da globalização, onde as pressões desinflacionistas eram dominantes, e à emergência de uma nova era onde se voltarão a sentir as pressões inflacionistas que poderão chegar a níveis de 4-5%, próximos da média do período que vai de 1939 a 1989.

Estas alterações justificam cautelas na utilização da política monetária que deverá ser igualmente ajustada às novas condições económicas. Por estas razões Alan Greenspan duvida que a descida das taxas de juro seja o antídoto certo para combater a actual crise financeira.

É interessante notar que esta visão da evolução económica internacional transforma-se numa auto-legitimação da sua postura ao longo dos 18 anos em que foi banqueiro central e uma resposta aos críticos que o responsabilizam por ter alimentado o desenvolvimento da especulação imobiliária através da política de taxas de juro baixas.

Segundo Greenspan, a sua actuação foi determinada pelas condições económicas concretas que, ao produzirem desinflação a níveis historicamente muito baixos, não deixaram alternativa às taxas de juro baixas.

Mas Greenspan vai mais longe nesta sua atitude de descrença relativamente à capacidade de intervenção dos bancos centrais e põe em causa o próprio princípio de racionalidade económica, tão caro à teoria económica. Duvida mesmo que seja possível evitar as "bolhas" dado aquilo que parece ser uma incapacidade natural dos agentes económicos de aprenderem, com as suas próprias experiências.

Diz-se, no enquadramento da entrevista, que a visão de Greenspan do funcionamento do sistema económico pode ser lida como uma mistura de "mão invisível" de Adam Smith com a "destruição criadora" de Joseph Schumpeter. O herói da festa é o capitalismo. A política monetária pouco pode fazer. Mas a estas duas visões do capitalismo podíamos acrescentar uma terceira e, talvez, uma quarta: as visões de John Maynard Keynes e de Karl Marx.

Grenspan fala de uma repartição salários-lucros anormalmente desfavorável ao factor trabalho e interroga-se sobre os processos que a alimentaram permitindo, simultaneamente, desvios dos preços relativamente aos custos marginais. As respostas ficam em aberto mas as consequências são avançadas: a prazo o suporte político dos mercados livres pode ser posto em causa.

As políticas intervencionistas encontram aqui um bom argumento para se insinuarem e qualquer marxista não deixaria de ver uma luz ao fundo do túnel para retomar a sua cruzada do fim inevitável do capitalismo.

Grenspan, ao contrário do seu sucessor Bernanke, não é nem nunca foi um teórico da economia, mas possui um conhecimento incomparável dos meandros do funcionamento das economias, possibilitado pela posição privilegiada que ocupou durante quase duas décadas como banqueiro central do mundo.

Passou por vários presidentes dos Estados Unidos e não será de todo errado dizer que a ele se deve, em grande parte, a melhor ou a pior imagem dos seus mandatos, embora seja interessante de notar que para Greenspan foi a política o grande condicionador da sua acção.

Tudo isto, dá-lhe uma visão solta do mundo económico, permitindo-se falar das coisas de uma maneira que poucos se atreveriam a falar, mas não deixando, simultaneamente, de ter a consciência (alimentada pelo desejo) de que as suas palavras continuam a exercer uma influência imensa sobre o comportamento dos agentes económicos e o desenrolar da economia mundial.

Os tempos que se vivem são tempos de grandes incertezas e as grandes teorias perdem, normalmente, capacidade de adequação aos novos fenómenos que surgem ou aos velhos que reaparecem.

Se há uma lição que se poderá extrair das observações que Greenspan faz das transformações em curso na economia mundial é a de que se deve olhar em primeiro lugar para a realidade, tentando vê-la tal qual ela é, e só depois procurar confrontá-la com as referências teóricas existentes num processo que não poderá excluir a própria reformulação das concepções até então consideradas como adquiridas.

Mas, convenhamos, que não é um processo fácil e, infelizmente, também não é facilmente marcado pela isenção.

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