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António Mendonça amend@iseg.utl.pt 18 de Fevereiro de 2008 às 13:59

Ainda a crise do "subprime"

Foi Churchill que disse que a democracia é o pior dos sistemas políticos com excepção de todos os outros. Por analogia, poder-se-ia estender esta afirmação ao mundo da economia dizendo que a economia de mercado é o pior dos sistemas económicos com excepçã

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À primeira vista parecem verdades profundas, que encontram suporte numa abordagem realista e pragmática do funcionamento das sociedades e na experiência histórica concreta dos últimos cem anos. Numa segunda análise, porém, estas afirmações revelam-se perigosas, na medida em que abrem a porta para se considerar  natural tudo aquilo que vai acontecendo sem nunca se colocar a interrogação se teria mesmo de ser assim ou se poderia ter sido de modo diferente. No limite, corre-se o risco de estas mesmas afirmações conduzirem à passividade e à legitimação da inevitabilidade de situações que, na realidade, não passam de meros resultados de opções particulares tomadas dentro de um quadro mais vasto de possibilidades.

Vem isto a propósito da crise do subprime nos Estados Unidos e das análises que têm sido produzidas relativamente aos factores que estão na sua origem e ao modo como se poderá conter o contágio aos outros sectores da economia americana e, por extensão, ao conjunto da economia mundial. É que se poderá estar em presença de uma situação típica, em que a defesa exacerbada de um modelo particular de liberalização e globalização - que acabou por enformar a economia mundial nos últimos trinta anos - impede de ver com o discernimento necessário a natureza real dos problemas actuais.

É interessante notar, a este respeito, a mudança de atitude que se verificou relativamente à dimensão da crise do subprime e à possibilidade da sua propagação. De problema localizado ao mercado imobiliário americano e perfeitamente controlável nos seus efeitos, passou-se, rapidamente, à ideia de uma crise generalizada e incontrolada do sector financeiro, a caminho de transformar-se numa das maiores recessões económicas internacionais. Pode dizer-se que neste aspecto passou-se do oito ao oitenta, sem que se tenham alterado significativamente as condições fundamentais da economia.

É, igualmente, interessante notar, apesar de tudo, a mudança que se verificou relativamente à confiança nas capacidades do mercado para corrigir os desequilíbrios entretanto sobrevindos. De expressão do desenvolvimento e da inovação do sector financeiro, o crédito subprime tornou-se o paradigma da disfunção gerada pelos mercados abandonados à sua lógica imediatista do lucro, conduzindo à acumulação de efeitos perversos em cadeia que acabaram por explodir. Todavia, continua a não a ser o modelo global a ser posto em causa, mas a actuação irresponsável dos agentes que subestimaram os riscos das operações em que se envolveram.

A grande questão que continua em aberto é a de saber se as doses maciças de liquidez injectadas pela FED e pelos outros bancos centrais no sistema financeiro internacional se revelarão suficientemente capazes de controlar a explosão ou se já vão, simplesmente, na onda de choque. Os dados mais recentes apontam mais para um abrandamento geral da actividade económica, com maior incidência nos EUA e menor na Europa. No entanto as previsões valem sempre muito pouco nos contextos de forte incerteza, como é aquele que atravessamos e qualquer pequeno factor poderá alterar radicalmente o evoluir da situação e confirmar as piores expectativas.

A situação que hoje se atravessa tem grandes semelhanças com aquela que levou ao fim do sistema monetário internacional de Bretton Woods e à crise económica internacional do início dos anos 70.   Nessa altura, foi a incapacidade de os Estados Unidos assumirem com a responsabilidade necessária a sua condição de primeira economia e de detentores da moeda internacional que minou as bases do crescimento económico internacional e gerou as condições para o desenvolvimento da chamada primeira crise energética.

Também, hoje, vamos encontrar as políticas económicas e monetárias seguidas pelos Estados desde o inicio dos anos 90, particularmente aquelas que se traduziram nos défices gémeos, na injecção, novamente maciça, de dólares na circulação internacional, e nas taxas de juro baixas – que, no seu conjunto, impulsionaram o enorme desenvolvimento e a sofisticação do sistema financeiro internacional –, no cerne dos desequilíbrios que abriram caminho a eclosão da crise do subprime.

Como se disse antes, é necessária grande contenção relativamente à previsão da evolução a curto prazo da conjuntura económica internacional. Mas, em qualquer caso é certo que não deixarão de se produzir alterações significativas relativamente ao modo como se continuará a olhar para o funcionamento da economia internacional. Não será apenas o modelo liberal tradicional a ser questionado mas, sobretudo, as suas expressões no plano da intervenção das organizações económicas internacionais que não deixarão de ser solicitadas a ter um maior papel na regulação e monitorização do desenvolvimento das relações económicas internacionais, com as relações especificamente monetárias e financeiras à cabeça.

O grande desafio que se coloca, no contexto actual, é impedir que a frustração que se amplia, relativamente aos resultados da liberalização da economia internacional e da globalização, se transforme numa nova vaga de reacção proteccionista.

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