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16 de Dezembro de 2002 às 11:12

Pedro Miranda; «Genéricos: Luta de titãs»

Apesar de muito se ter dito e escrito sobre os medicamentos genéricos e sobre quem irá lucrar com a prescrição destes medicamentos, ainda existem algumas questões por esclarecer.

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Apesar de muito se ter dito e escrito sobre os medicamentos genéricos e sobre quem irá lucrar com a prescrição destes medicamentos, ainda existem algumas questões por esclarecer.

Com este artigo não se pretende encontrar respostas para perguntas tão complexas como quanto o Serviço Nacional de Saúde irá poupar com a aposta nos genéricos e muito menos para perguntas simples como quais e quanto as empresas irão perder ou ganhar com a entrada dos genéricos no mercado dos medicamentos. Este artigo pretende sim abordar as diversas estratégias utilizadas pelas empresas de medicamentos originais, para afastar ou retardar a entrada de medicamentos genéricos no mercado.

Até 2005, vão prescrever as patentes de um elevado número de medicamentos, que têm vendas superiores a 40 mil milhões de euros. Entre alguns destes «campeões» de vendas estão o Avonex (2003), Clarintine (2004) e Epogen (2005).

Apesar de os medicamentos genéricos serem vendidos no mercado a preços muito inferiores aos dos medicamentos originais, as taxas de penetração no mercado variam de país para país. Em alguns existem taxas de penetração muito elevadas para estes medicamentos, como na Alemanha (39%), na Dinamarca (38%) e na Finlândia (32%). Nos Estados Unidos, 45% das prescrições médicas são de medicamentos genéricos, mas estes apenas representam 8% do valor total gasto em medicamentos por ano.

Em Portugal, apesar da legislação reconhecer o medicamento genérico desde 1990, a taxa de penetração é muito reduzida, quase insignificante (1%), contribuindo para isso o facto de que as patentes, até 1995, serem realizadas sobre o processo de produção e não sobre o princípio activo do medicamento, levando ao aparecimento de inúmeras cópias de marca no mercado.

Quando uma empresa consegue fazer aprovar um medicamento genérico, pela agência do medicamento, tem normalmente ainda de «lutar» em tribunal contra as empresas dos medicamentos originais, que tentam evitar a entrada desses no mercado, questionando a legalidade dessa autorização.

Uma questão que frequentemente se levanta é sobre o direito das empresas de medicamentos originais tentarem prolongar o prazo de exclusividade dos seus medicamentos e retardarem assim a entrada dos genéricos no mercado. Esse direito é questionável, porque os medicamentos originais têm preços de venda muito elevados, face aos custos de produção, e o período de exclusividade mais que garante os investimentos em Investigação e Desenvolvimento.

As empresas defendem que os elevados preços dos medicamentos originais são justificáveis porque permitem um forte investimento na descoberta de novos produtos. No entanto, apenas 10/20% das vendas é gasto em I&D, enquanto cerca de 30-40% é gasto em «marketing». É ainda de salientar que grande parte dos princípios activos dos medicamentos foi descoberto por investigadores de universidades e institutos de investigação públicos que nada têm a ver com as empresas privadas que acabam por receber os lucros das vendas.

Nos EUA, quando uma empresa de medicamentos originais realiza um estudo do medicamento em crianças, imediatamente a patente e a exclusividade no mercado é prolongada em seis meses, retardando a entrada dos genéricos.

O actual sistema de patentes permite que as grandes empresas multinacionais vão preenchendo novas aplicações para patentes baseadas em novas formulações ou novas dosagens, tentando expandir o seu monopólio de mercado.

As empresas de medicamentos originais, para se defenderem dos genéricos, realizam ainda um forte investimento em «marketing» e promoção em revistas, tentando realizar a troca dos pacientes do produto cuja patente vai prescrever para outro medicamento do seu «portfolio» com a patente ainda em vigor. Este, apesar de ter efeitos terapêuticos semelhantes, possui princípios activos diferentes, minimizando a queda dos lucros, que pode chegar a 80% do valor das vendas em apenas um ano, após a introdução do medicamento genérico.

Algumas empresas recorrem à Justiça para retardar a entrada dos genéricos, como aconteceu com a Brystol-Myers Squibb para retardar a entrada do genérico do seu medicamento contra o cancro de nome Taxol. A empresa conseguiu afastar o genérico do mercado durante anos, conseguindo lucrar milhões de euros. Aqueles que questionam o custo destas acções percebem que é insignificante face aos lucros do monopólio sem genéricos. O sistema em vigor na FDA permite que a licença de venda de um genérico seja imediatamente suspensa por 30 meses até que o processo judicial esteja resolvido, mantendo o monopólio da empresa.

Será importante referir que outros mecanismos podem ainda ser utilizados, como sejam acordos anti-competitivos, como ocorreu no passado ano entre a Aventis (antes Hoechst Marion Roussel) e a Andrx para que esta não colocasse no mercado um genérico do medicamento Cardizen CD.

Podemos não saber quem ganha ou quem perde com os genéricos, mas facilmente percebemos quem não os quer no mercado: as empresas que vendem medicamentos a preços muito acima dos custos de desenvolvimento e produção que temem ver o seu monopólio de mercado destruído. A questão será agora perceber se as empresas de medicamentos originais não irão reduzir o investimento em investigação de novos medicamentos, com a desculpa dos genéricos, prejudicando a sociedade.

Pedro Miranda, Engenheiro bioquímico

Artigo publicado no Jornal de Negócios – suplemento Negócios & Estratégia

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