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18 de Setembro de 2007 às 14:20

Passeios, só passeios

"Ruas para as pessoas", dizem nesta Semana Europeia de Mobilidade (16 a 22 de Setembro). Devem estar a gozar connosco. A mim, que me julgo pessoa, bastavam os passeios.

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"Ruas para as pessoas", dizem nesta Semana Europeia de Mobilidade (16 a 22 de Setembro). Devem estar a gozar connosco. A mim, que me julgo pessoa, bastavam os passeios.

De bom grado trocaria um Dia Europeu sem Carros (culminar da Semana da Mobilidade) por um ano? vá lá, uma semanita só, de passeios, só passeios, mas passeios como manda a Lei, livres e desimpedidos, onde um carrinho de bebés ou uma cadeira de rodas possa se mover, ou um casal possa andar abraçado sem ter que, de dez em dez passos, se soltar um do outro para, cada um por si, livres para saltarem a qualquer momento, enfrentarem a rua (com carros).

O mal das iniciativas bem intencionadas está precisamente nas boas intenções. São tão evidentemente boas, as intenções, que se bastam. Depois de um Dia Sem Carros, os bem-intencionados parecem ter recebido todas as indulgências e, como na véspera, metem o carro no passeio e, se se lembrarem disso, queixam-se da falta de estacionamentos nesta cidade (seja ela qual for).

Mas o mais provável é nem se lembrarem de reclamar, tão corriqueiro e banal é o gesto de obstruir o passeio público com aquele monte de ferro e plástico.

De resto, a falta de estacionamento é, na maioria dos casos, falta de disposição de pagar por ele ou de andar mais 40 ou 50 metros. Estou farto de fotografar (e de enviar à Parques Tejo - empresa municipal de parquímetros de Oeiras) carros enfileirados em cima dos passeios e, na margem oposta, vagas e mais vagas de estacionamento pago vazias. Hoje, em Oeiras, melhor se passeia nas vagas da Parques Tejo do que nos passeios.

Mas Oeiras talvez seja um caso especialmente mais grave. Aqui, a Câmara, presidida por um antigo ministro das Cidades e do Ambiente (alçado a esse posto precisamente pela fama de bom administrador municipal), parece, agora, firmemente empenhada em banir os peões e fazer de Oeiras uma vila sem pessoas (além, naturalmente, das que se movam em carros).

A última iniciativa nesse sentido foi a reconstrução de uma estrada que há vinte e poucos anos tinha sido fechada pelo mesmo (ou seria outro?) Isaltino Morais, em frente ao largo da Igreja. Aquela ideia de tomar uma cerveja na esplanada enquanto as crianças brincam no largo acabou. O largo volta a ser deles - dos carros. E poupem-se de me dizer que aquilo não é uma estrada e sim uma via com prioridade aos peões (conheço estradas mais seguras do que as vias com prioridade aos peões de Oeiras).

Mais preocupado fico quando leio que 90 por cento dos portugueses apoiaria maiores restrições aos carros (suponho que em beneficio dos peões). É que, a julgar pela maneira como conduzem e, mais do que isso, como estacionam os seus carros, dir-se-ia que 90 por cento dos portugueses já acha demasiadas as restrições hoje impostas (impostas pela Lei, quero eu dizer, porque é evidente a distância entre o que a Lei ordena e a imposição do seu cumprimento pela autoridade).

A intercessão entre os 90 que querem mais restrições e os 90 que ignoram solenemente as que já há pode ser composta por hipócritas, o que seria uma tragédia civilizacional.

PS: Procurei a palavra "passeios" nas páginas dedicadas ontem à Semana Europeia da Mobilidade pelo Diário de Notícias e pelo Público. Não encontrei. Daí pode-se concluir que, de duas, uma: ou não há problemas de mobilidade nos passeios portugueses, ou já nem há passeios em Portugal, e eu é que estou para aqui a falar de inexistências.

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