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04 de Setembro de 2007 às 13:59

Os senhores que nos enterram

FUNEXPO – para todos os efeitos, uma feira como outra qualquer. Aconteceu no Guarujá, no litoral de São Paulo, no último fim-de-semana. Cada empresa com o seu espaço, e a meter nele todos os recursos que tivesse à mão para atrair os clientes. Tudo como em

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E eram caixões – e lápides e caixas para cinzas e produtos de maquilhagem de cadáveres, além de um mundo de artigos de interesse de agentes funerários – o que se vendia na FUNEXPO. E houve até um expositor que contratou um trio de dançarinos de axé-music (música pimba da Bahia) para atrair visitantes para o seu stand..

Era uma cena bizarra: os caixões – objectos destinados a corpos inertes – expostos junto ao palco onde se sacudiam os dançarinos (duas mulheres e um homem). Corpos em movimento, expressão de vida (pimba, incrivelmente pimba, mas de vida), de sensualidade (pimba, quase “pornô”, mas de sensualidade) e de alegria (provavelmente falsa, forçada, mas alegria), a vender caixas onde se mete os mortos (mortos, rigorosamente mortos). E cada caixa!... Uma delas – cor-de-rosa com laçarotes no forro – ficou conhecida na feira como o “caixão da Barbie”: “Criei uma opção para as mocinhas... ou para homens, nunca se sabe”, explica Regina Agostinho, a criadora do “caixão da Barbie”.

A organização da feira, por sua vez, recorreu a um sorteio para atrair visitantes. Cada pessoa que comprasse bilhetes para visitar a FUNEXPO concorria a 3 (três!) belíssimos caixões infantis. Quem terá sido o felizardo? E, para afastar desde o princípio a ideia de que uma feira de produtos funerários fosse obrigatoriamente triste e pálida, o cartaz que a promovia era constituído por um caixão a equilibrar-se, todo contente, numa prancha de surf, sob os dizeres “Em 2007, a FUNEXPO vai à praia”.

E, a quem se sentisse desestimulado com os negócios, recomendava-se a palestra de Alfredo Rocha, especialista em vendas e atendimento que, para felicidade e alívio da plateia, lembrava: “Há 7 mil milhões de sujeitos na Terra – que estão durando mais, é verdade, mas que em algum momento hão-de morrer”.

Sou um deles – dos 7 mil milhões. E não me deixo apressar. Não é nada pessoal mas, quanto mais tarde me vir como objecto de interesse dos senhores que ganham a vida a enterrar os mortos, melhor. Acho perfeitamente digna a sua (deles) actividade – desde que exercida com dignidade, como é evidente. E é evidente que há muitos desses senhores que aproveitam o momento de fragilidade dos que amavam o morto para – não há outra palavra – roubar. Esses, sim, são abutres, aves de rapina, bichos repugnantes.

PS: Não tenho grandes desejos nem preferências sobre o que fazer de mim depois de ido mas, por favor, no “caixão da Barbie”, não.

PPS: A Parques Tejo – empresa municipal de parquímetros de Oeiras, destinou algumas das suas vagas de estacionamento para deficientes. Seria muito justo e razoável, se não fosse mais uma brutal expressão de hipocrisia. É que os carros (ou os canalhas que os conduzem) fogem da cobrança pela Parques Tejo estacionando nos passeios (onde estão livres de multas ou reboques). Ou seja, a Parques Tejo tomou conta do estacionamento regular, cobra por ele, multa e reboca quem não pague, destina algumas vagas para deficientes físicos e, em conluio com a Câmara de Oeiras (de que é mera agente), empurra os carros para cima dos passeios, de tal maneira que o deficiente que estacione numa das suas vagas não terá mais do que 20 metros seguidos de passeio por onde mover a sua cadeira de rodas. Dá-me nojo.

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