Opinião
Ontem, hoje e amanhã
Destas questões da estabilidade política decorrem um resultado mau e um bom para quem decide: o mau é que qualquer decisão tomada desagradará sempre a metade dos envolvidos; o bom é que se pode escolher a metade a que se vai desagradar.
Estes últimos dias na República Portuguesa têm sido surpreendentes. Toda a gente se tem pronunciado nos mais variados sentidos sobre a estabilidade política, mesmo dentro de cada partido. Coincidem todos num ponto: é desejável estabilidade. Mas já a forma de a assegurar varia de acordo o velho princípio «cada cabeça, sua sentença», o que, como seria de esperar, só tem ajudado à confusão, não à estabilidade.
Preocupado com este estado da Nação, reflecti sobre tão nobre questão: afinal, eleições antecipadas é provocar instabilidade, como dizem uns, ou instabilidade é não as convocar, como sustentam outros? A primeira conclusão a que cheguei é que a estabilidade tem que ver com o alcançar de um equilíbrio. Não é, portanto, uma questão apenas de curto prazo, ou seja, em que se deva pensar só no que acontece hoje. Interessa também saber se com as decisões de hoje nos estamos a aproximar ou afastar de um equilíbrio, isto é, de uma situação em que o sistema se estabiliza, deixando de sofrer alterações.
Nesta perspectiva tudo se torna mais interessante. Senão, vejamos. O Partido Socialista é reconhecidamente, para além do partido vencedor das eleições europeias, o partido com melhores perspectivas de vencer eleições antecipadas – de acordo com as recentes sondagens, com perspectivas de ter até maioria absoluta. Para este partido, a estabilidade passaria por favorecer uma governação de acordo com a vontade do povo – e só há uma maneira de o saber, é com eleições.
O PSD e o PP, actuais governantes mas em sérios riscos de perder esta qualidade se houver eleições antecipadas, consideram que estabilidade é deixar os governos cumprir os seus mandatos. Aliás, se forem convocadas eleições, das duas uma: ou elas só confirmam o status quo, e são desnecessárias; ou interrompem o mandato destes partidos provocando uma mudança, e pela simples razão de haver mudança não há estabilidade.
Chegamos então ao resultado provado pelo congolês Issué, no seu livro «Government and Political Stability: the Musical Chair Theorem», conhecido como a primeira regra da estabilidade política, ou regra de Issué: estabilidade para quem está no poder é continuar no mesmo, e para quem não está é passar a estar. Estabilidade vem de estar, não de estável. Desta regra resulta o Lema de Issué: num sistema bi-partidário, assegurar a estabilidade na óptica de um partido / coligação é promover a instabilidade para o outro e vice-versa.
Vejamos agora a um prazo mais dilatado. Sendo o Partido Socialista o mais escolhido nas sondagens, o seu líder é simultaneamente o líder político menos cotado nas mesmas, preterido a todos os outros. O mesmo argumento que justifica, na perspectiva do PS, dar voz ao povo determinaria, no plano interno, uma mudança de liderança. Ora, tal alteração, tão necessária segundo a vox populi como a realização de eleições antecipadas, vai ficar necessariamente adiada. Temos portanto uma mudança de liderança adiada, ou seja, uma perspectiva de instabilidade futura, quando se voltará a pôr a questão da alteração de liderança. Podemos, inclusive, acabar numa situação em que esta mudança nunca se dará, tal é a frequência a que se sucedem as eleições antecipadas.
Regressemos agora ao ponto de vista de PSD-PP. Para estes partidos é essencial criar uma imagem de grande consenso em torno da liderança da coligação, para que não sejam convocadas eleições antecipadas e consequentemente deitadas por terra as suas aspirações a manterem-se na governação. Este consenso deverá ser feito em torno da liderança actual, senão é até internamente que se cria a instabilidade, comprometendo a continuidade governativa. Fica assim adiado o debate e a discussão de uma solução alternativa - real – de liderança, ficando-se por uma mera transmissão de testemunho.
Este comportamento não é específico de Portugal, tendo sido observado em muitos outros países, como o mostrou a investigação do islandês Parahoje, publicada no Pork Barrel Politics Quarterly, num artigo de título «Stabilité? Instabilité? Lequel Choisir? Quelqu’un Peut M’Aider?» Segundo este autor, a estabilidade de hoje é falsa, e indutora de instabilidade futura. Daqui a segunda regra da estabilidade política, ou regra de Parahoje: é impossível assegurar a estabilidade em todos os momentos, podendo apenas optar-se entre tê-la ou hoje ou amanhã. Esta regra é o suporte teórico do chamado Lema de Parahoje: para assegurar a estabilidade política a longo prazo há que provocar instabilidade a curto prazo e vice-versa.
Então, o problema para quem tem que decidir que caminho seguir nesta matéria da estabilidade política parece ser claro: há que optar entre estabilidade a longo prazo, com instabilidade a curto prazo, ou estabilidade a curto prazo, sabendo-se então que vamos ter instabilidade a longo prazo. Isto ilustra bem a sapiência do nosso ex-primeiro-ministro e o alcance da sua visão: toda a gente comenta injustamente que ele foi para Bruxelas, abandonando o País à instabilidade política, quando o que ele criou de facto e na prática foram as condições de estabilidade política futura.
A estabilidade política é, pois, simples e clara na aparência. Mas só na aparência, pois dos dois lemas apresentados acima resulta o Teorema de Issué-Parahoje, que nos diz que nestas questões da estabilidade política verificam-se sempre dois resultados, um mau e um bom para quem decide; o mau resultado é que qualquer decisão tomada, seja em que sentido for, desagradará sempre a metade dos envolvidos; o bom resultado é que se pode escolher a metade a que se vai desagradar.
Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando foi perguntado a Frederico se a ida do Dr. José Barroso para Bruxelas não provoca instabilidade política no nosso País, Frederico respondeu: «Cá, ou em Bruxelas?»