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Opinião
10 de Janeiro de 2006 às 13:59

O sistema eléctrico e o mercado ibérico (IX)

Sempre foi do interesse português enquadrar o nosso relacionamento com Espanha (e a consequente integração económica entre os dois países), não num quadro meramente bilateral mas sim no contexto mais vasto e multilateral da integração europeia.

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IX – Conclusões finais

Existem em Portugal factores consideráveis (alguns já no curto prazo) que levam, haja ou não MIBEL, a uma pressão no sentido da alta dos preços da electricidade, nomeadamente:

- Protocolo de Quioto e consequente gestão das quotas de CO2, o que implica (na ausência de centrais nucleares) um crescente recurso a energias renováveis mais caras que as que as formas convencionais de energia (até pela necessidade de potência de «back-up» para as centrais eólicas, necessária para cobrir horas em que não haja vento).

- Preços políticos de venda à rede das energias renováveis fixado no Programa E4 muito elevados e que  começarão a ter um impacto não despiciendo sobre o preço da electricidade, quando a contribuição das eólicas deixar de ser marginal ao sistema. Quando os portugueses perceberem o que vão pagar com as tarifas eólicas irão pôr as mãos na cabeça ... Saímos dos CAE das centrais convencionais e apanhamos com CAE equivalentes mas  muito mais caros para as eólicas...

- Renegociações de acordos entre a EDP e os Municípios.

As energias renováveis têm ritmos de entrada em rede e enquadramentos legislativos diferentes entre Portugal e Espanha.  À medida que elas se tornam importantes para o sistema terá também que, no quadro do MIBEL, haver uma harmonização entre Portugal e Espanha nesta matéria.

Com o início formal do MIBEL começarão as ofertas de electricidade da EDP na Bolsa de Madrid (OMI – ex OMEL), acabando os CAE’s e entrando em vigor os CMEC, cujos fluxos de pagamentos à EDP durante mais de 20 anos já foram «securitizados» pela empresa.  A REN sairá nesse dia do circuito de compra e venda de energia, deixando o papel de Operador Económico e ficando naturalmente apenas na sua vocação natural de Operador Físico.  No fundo com o início formal do MIBEL, acaba o enquadramento legislativo que criámos (eu e o Dr. Luís Filipe Pereira,  então Secretário de Estado da Energia), enquadramento esse cuja longevidade excedeu em muito as minhas previsões...

Quanto à possibilidade de escolha do fornecedor pelos clientes, a nossa legislação em 1995 já o previa e tal será aprofundado no MIBEL com a extensão dessa escolha aos clientes de baixa tensão.

Como já explicado no artigo anterior, muitas das transacções de energia entre os dois países resultavam não de movimentos economicamente justificados mas principalmente da existência de estruturas administrativas de mercado diferentes entre os dois países, designadamente CTC em Espanha, distorção que com a entrada em cena em Portugal dos CMEC (algo semelhante aos CTC espanhóis) é muito atenuada.  Então com os CMEC e devido ao facto das centrais marginais dos dois lados passarem a ser geralmente ciclos combinados idênticos a gás natural, tudo leva a crer que teremos uma grande convergência de preços marginais entre os dois países.  Assim sendo, a aproximação para regras semelhantes de formação de preços no mercado grossista poderá criar a surpresa de tornar as interligações entre as duas redes quase ociosas, face ao nível actual de utilização da capacidade de transporte existente...

Por outro lado, embora haja liberdade de fornecimento de electricidade para todos os consumidores não é expectável que se assista por parte destes a grandes e rápidas mudanças de fornecedor...  Com efeito, a inércia dos clientes habituados à velha lógica de consumidor da «utility» tradicional, dificultará o «switch» para outro fornecedor.  Lembremo-nos do que acontece com os clientes da rede fixa da PT.  Esse negócio diminui para a PT, não porque os clientes façam o «switch» para outro operador de rede fixa (aí manteriam a fidelidade à PT), mas sim porque abandonam a assinatura de rede fixa e passam para os telemóveis.  Ora na energia eléctrica não há essa alternativa e portanto essa inércia vai constituir uma barreira à entrada para outros fornecedores.  Assim sendo, a plena liberalização da escolha de fornecedores significará para as «utilities» eléctricas apenas que o seu mercado passa a ser contestável, ou seja, que têm que ter mais juízo e não abusarem da fidelidade dos seus clientes, pois se o fizerem poderão estimulá-los ao tal «switch»...

Por tudo isto, compreenderá o leitor que a actual capacidade de interligação entre as duas redes possa já ser suficiente para que o MIBEL funcione, havendo ainda o recurso ao «market splitting» para situações  ocasionais de congestão.  Neste contexto, a existência  de capacidade de interligação disponível serve para tornar credível a ameaça implícita no mercado contestável, a qual é a de permitir  que um consumidor português seja abastecido de Espanha e vice-versa...

Neste momento e apesar do MIBEL ainda não existir formalmente, o sector eléctrico ibérico já começa a ter um funcionamento de mercado interligado, embora com alguns problemas de sustentabilidade e ineficiência.  Estamos numa situação em que já se começou uma viagem, saindo de dois sistemas eléctricos economicamente independentes (embora ligados fisicamente mas apenas por questões de segurança das redes, como já expliquei) mas ainda não chegámos ao final, estamos a meio da viagem, com todos os inconvenientes de não sermos carne nem peixe... Sem ser exaustivo, listo apenas alguns exemplos de incoerências: (1) na situação actual portuguesa, se mais clientes vinculados abandonarem o SEP para irem para o sistema de mercado não vinculado (SENV), tal exercera uma grande pressão sobre as tarifas reguladas do SEP, pois são os seus clientes que pagam os encargos gerais do sistema; (2) as importações actuais de Espanha pagam os custos do sistema espanhol (garantias de potência, custos de regulação e das redes); (3) o OMIP (pólo português da futura bolsa ibérica) tem neste momento custos para o sistema português, sem quaisquer benefícios.

Neste contexto haveria três soluções possíveis:

1) Manter o esquema actual, o que revela em termos técnicos um funcionamento com muitas ineficiências;

2) voltar para trás regressando a um modelo económico de mercado isolado, o que violaria as leis comunitárias, e não permitiria ter em Portugal um esquema concorrencial, pois que, como já referido, não temos suficiente dimensão para tal em Portugal;

3) avançar então para o MIBEL, solução defendida pelos técnicos do sector. 

Mas além do MIBEL poder vir a não ser muito concorrencial pelas razões técnicas e de oligopólio já referidas, outras questões se põem.

O facto de se avançar para o MIBEL não significa que tenhamos um verdadeiro mercado único de electricidade entre os dois países.  Para haver um mercado único não basta haver transações, há que ter regras comuns nas políticas de concorrência, de regulação e de formação de preços, o que está longe de acontecer.  Lembrem-se os leitores que entre os países europeus já havia transacções comerciais e só depois é que se avançou para a criação do mercado único europeu.

«The last, but not the least», a dimensão política do MIBEL. Sempre foi do interesse português enquadrar o nosso relacionamento com Espanha (e a consequente integração económica entre os dois países), não num quadro meramente bilateral mas sim no contexto mais vasto e multilateral da integração europeia.  Neste caso, avançámos para o MIBEL sem curar de desenvolver as interligações Espanha - França e as relações da eléctrica portuguesa com outros «players» europeus, ao contrário da visão que eu tinha sobre esta matéria, o que irá tornar a Ibéria ainda mais uma ilha face à rede europeia, afunilando a nossa relação com Espanha, em vez de a aprofundar num quadro de mercado eléctrico europeu. 

Complementarmente e face às últimas notícias sobre a EDP, perspectiva-se um alinhamento desta com a Iberdrola.  Assim sendo e porque há estudos que dizem que num mercado de oligopólio a boa solução é ter três concorrentes, tal raciocínio poder-nos-ia levar a três grandes agrupamentos no MIBEL:

- Gás Natural – Endesa

- Iberdrola – EDP (com Hidro Cantábrico)

- Fenosa – GALP

Por uma das ironias em que a vida é fértil, poderíamos vir a ter não a EDP mas sim a GALP (se controlasse a Fenosa) como a única empresa portuguesa com autonomia estratégica no MIBEL ...

Este é o nono e último artigo de uma série sobre o tema Energia e o Mercado Ibérico cuja publicação foi iniciada a 15 de Novembro de 2005

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