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11 de Fevereiro de 2020 às 22:10

A Europa depois do Brexit*

Terão de ser criados mecanismos de controlo nos portos, garantindo que na República da Irlanda se pagam taxas europeias e na Irlanda do Norte taxas britânicas, levando assim a uma espécie de fronteira física entre as duas Irlandas no mar!

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1. O Brexit e a City de Londres

No contexto do acesso ao mercado único europeu, os serviços financeiros são os mais ameaçados pelo Brexit, quer pela importância que a indústria financeira tem no Reino Unido (RU) muito superior à da indústria manufactureira quer porque perderiam o passaporte europeu que permite aos seus bancos venderem serviços e terem liberdade de estabelecimento nos países da União Europeia (UE), quer ainda porque a indústria manufactureira poderia reger-se pelas regras da Organização Mundial do Comércio e através delas continuar a exportar para o mercado único europeu.

 

Neste enquadramento, a questão candente é o futuro da City como a grande praça financeira da Europa. Recorde-se que, apesar de o RU não estar no euro, Londres conseguiu afirmar-se como o grande centro financeiro da zona euro, graças à sua regulação "light", ao estilo anglo-saxónico no "doing business", à flexibilidade do seu mercado de trabalho e emprego, à língua, ao "know-how" e à sua "pool" de financeiros e profissionais muito qualificados.

 

Uma saída sem acordo ("hard" Brexit) poria sérios problemas à indústria financeira londrina, designadamente: na continuidade dos contratos; no reconhecimento das "clearing houses" do RU; na transferência de dados.

 

Será que, apesar do Brexit e graças a esse ecossistema existente em Londres, a City conseguirá, mesmo com um acordo ("soft" Brexit) evitar a deslocalização do centro financeiro europeu para Frankfurt, coisa que os alemães tudo farão para conseguirem?

 

2. O acordo UE-RU ("soft" Brexit)

Estamos a tratar da saída do RU da UE, depois de durante sessenta anos se ter sistematicamente reforçado a unidade, a solidariedade e a integração europeias com a consecutiva adesão de novos membros, um dos quais foi precisamente o RU.

 

O Brexit põe em causa as complexas cadeias de abastecimento, as cadeias de valor internacionais e a estreita parceria que as empresas europeias e britânicas estabeleceram nas últimas décadas graças ao Mercado Único Europeu e aos acordos de comércio livre (FTA) concluídos pela UE com o resto do mundo. Assim será preocupação natural dos empresários europeus que se mantenham tão estreitas quanto possível as relações com os empresários britânicos, ao mesmo tempo que se preserva a integridade do Mercado Único Europeu.

 

Para os meios empresariais britânicos, os serviços financeiros, como já referido, e a indústria automóvel, sector em que aliás se foi muito longe na construção de cadeias de valor internacionais, são dois dos sectores em que existe maior preocupação com o Brexit.

 

 

Os modelos económicos construídos foram sempre para estudar a integração de novos membros e não para a saída de um deles. Por isso não existe um modelo económico de referência que permita simular com algum realismo a saída, vai-se navegar em território desconhecido.

 

A questão política e economicamente mais sensível e difícil foi a relação futura sem fronteiras entre uma República da Irlanda, que fica no Mercado Único Europeu, e a Irlanda do Norte, território sobre domínio britânico, e que sairá com o RU desse Mercado Único Europeu. Os acordos de Sexta-feira Santa tinham acabado com a guerra fratricida entre católicos e protestantes e estabelecido a ausência de fronteira entre as duas Irlandas. Se não houvesse acordo, ter-se-ia de voltar a pôr uma fronteira entre as duas Irlandas e isso levaria ao risco de se reacender o conflito e acabar com os acordos de Sexta-feira Santa.

 

O acordo de Boris Johnson é em tudo semelhante ao da senhora May, excepto no famoso "backstop".

 

Agora o compromisso entre RU e a UE é o de a Irlanda do Norte ficar em União Aduaneira com o Reino Unido, sendo ao mesmo tempo uma porta de entrada no Mercado Único através da República da Irlanda. Assim, a Irlanda do Norte, para se assegurar a integridade do Mercado Único Europeu, terá de manter algumas regras europeias, como por exemplo no controlo de qualidade dos produtos. A má língua contra BJ diz então que formalmente a Irlanda do Norte estará no território aduaneiro do RU, mas na prática permanecerá na UE…

 

Depois para se evitar o contrabando através da Irlanda do Norte para a Irlanda e, portanto, para o Mercado Único Europeu, terão de ser criados mecanismos de controlo nos portos, garantindo que na República da Irlanda se pagam taxas europeias e na Irlanda do Norte taxas britânicas, levando assim a uma espécie de fronteira física entre as duas Irlandas no mar!

 

Assim sendo, as empresas situadas na Irlanda do Norte terão de pagar aí a priori taxas europeias para receberem bens provenientes do Reino Unido, havendo assim uma descontinuidade fiscal entre o RU e a Irlanda do Norte… Depois duas hipótese se põem: caso os bens fiquem na Irlanda do Norte, as taxas serão devolvidas às empresas, e assim elas não pagarão a taxa europeia; caso os bens sejam expedidos da Irlanda do Norte e entrem na República da Irlanda, então as taxas não serão devolvidas, a UE arrecadará essas taxas, tratando essas empresas irlandesas do Norte como portas avançadas do Mercado Único Europeu.

 

Veremos como na prática vai funcionar tão imaginativo esquema…

 

3. O impacto do Brexit na economia portuguesa

 

A CIP - Confederação Empresarial encomendou à Ernest Young-Augusto Mateus & Associados um estudo sobre esta matéria.

 

O estudo concluiu que no cenário mais optimista de "soft" Brexit, teremos um impacto negativo de 15% nas exportações portuguesas para o RU, levando a um impacto potencial entre 0,5% e 1% no PIB nacional, mais pessimista do que no estudo belga

 

Os sectores mais sensíveis com risco elevado nas exportações serão: produtos informáticos, electrónicos e ópticos, equipamentos eléctricos, veículos automóveis, reboques e semi-reboques.

 

Entre os que apresentam risco médio-alto estão os produtos alimentares, as bebidas, o tabaco, o ITV, o couro, o papel, os produtos farmacêuticos, os produtos metálicos, as máquinas e equipamentos e o mobiliário.

 

Entre os mais resilientes teremos a silvicultura, a aquicultura, a exploração florestal e a pesca.

 

O Alto Minho, o Cavado, Vale do Ave e Tâmega e Sousa serão as regiões mais afectadas, atendendo à sua especialização produtiva.

 

Atendendo ao sector do turismo, as áreas mais afectadas serão naturalmente a Área Metropolitana de Lisboa, Algarve e Madeira.

 

 

*Resumo do artigo com o mesmo nome escrito nas "Perspectivas Empresariais" do Fórum para a Competitividade

Engenheiro e Economista

 

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico

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