Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
Luís Mira Amaral 23 de Janeiro de 2006 às 13:59

O sector petrolífero e a Galp

A Galp precisará de investir mais no «upstream», ao mesmo tempo que deverá conservar o que já tem em Angola. Vender esses activos, que tem um grande «upside», como queria uma administração da Galp, para comprar uma participação no gás natural seria, como

  • ...

I - AS «MAJORS» E « AS NATIONAL OIL COMPANIES» (NOC’s)

Segundo a Agência Internacional de Energia, o mundo terá que gastar cerca de três triliões de dólares nos próximos 25 anos para satisfazer a procura de petróleo, mas parte desse investimento não irá aumentar a oferta global mas somente substituir a produção de explorações existentes que estarão então esgotadas, nomeadamente as existentes no mundo ocidental, o que reforçará a prazo a importância das reservas noutras partes do mundo, designadamente no Médio-Oriente.

 Como se sabe, existe um conjunto de «players» formado pelas maiores companhias petrolíferas multinacionais, chamadas as «majors». Uma parte significativa da produção das «majors» vem do Alasca, Golfo do México e Mar do Norte. Estas explorações salvaram tais companhias após a vaga de nacionalizações dos anos 70, mas estão a atingir uma fase de rápido declínio e os custos de manutenção e operação estão aí a explodir. Estas «majors» procuraram então oportunidade na África Ocidental, no Cáspio, no off-shore profundo do Brasil e sobretudo na Rússia e nos países da ex-União Soviética onde houve abertura para o investimento privado. Mas no meio disto existem ameaças, como é o caso da Venezuela de Hugo Chavez, em que o governo está a tentar mudar contratos, ou mesmo na Rússia onde foi interditada a participação estrangeira maioritária.

Na indústria petrolífera, as maiores reservas começam a não ser detidas pelas maiores e mais eficientes empresas – as «majors» – mas pelas «noc’s» (national oil companies), as quais começam também a competir no exterior para concessões de petróleo e gás. Neste contexto de dificuldades políticas ou de custos muito mais elevados para novas explorações, algumas das companhias começaram a pensar que o melhor era «perfurar» em Wall Street, ou seja tentar comprar empresas com esses activos de exploração petrolífera. É o chamado «equity oil».

Outra via natural de desenvolvimento para as «majors» é o gás natural onde têm tecnologia e capital não só para perfurar mas também para transportar, liquefazendo o gás (gás natural liquefeito-GNL) Trata-se com efeito de um negócio de capital e tecnologia intensivos onde as «majors» têm vantagem sobre as «noc’s». Também terão de avançar para as tecnologias de liquefacção do carvão (GTL) e ainda para as renováveis.

Há outros que pensam que as «majors» terão que tornar as suas ofertas mais «sexys» nas concessões, aceitando não terem a maioria e oferecendo um pacote com geração de electricidade, refinarias e formação técnica e profissional a quadros locais com vista a formação duma elite local na indústria petrolífera, em complemento da tradicional concessão.

Por outro lado, algum marasmo das «majors» no sentido de inovarem e desenvolverem novas tecnologias para a perfuração, bem como a dependência tecnológica das «noc’s», vieram criar interessantes oportunidades de mercado para fornecedores de tecnologias e tal explica o aparecimento de empresas de serviços detentoras e fornecedoras de know-how tecnológico, as quais se poderiam transformar em novas e pequenas «majors». Contudo, estas pequenas «majors» não têm activos que lhes permitam os investimentos de longo prazo necessários nesta indústria de capital intensivo. Neste contexto, as «noc’s» já não precisam das «majors» para a tecnologia, podem recorrer a essas empresas de serviços, mas estas não têm activos e capital para se tornarem novas «majors».

Em suma, o aparecimento das «noc’s», com o seu nacionalismo pelos recursos nos países em que há as reservas do futuro, dificulta o investimento e operação das «majors» e estas, se quiserem sobreviver e expandir-se, Não podem continuar no «business as usual», tendo que voltar a liderar na tecnologia, reconquistando território às empresas de serviços.

II - A GALP E O «UPSTREAM»

No meio disto como é que se posiciona a Galp? Não é certamente uma «major», também não é uma empresa de serviços que venda tecnologia e não é certamente uma «noc» pois não temos petróleo ou gás natural em Portugal.

Quando se criou a Galp pela junção do negócio do gás natural à Petrogal, chamei a atenção para o facto de o novo agrupamento não ser à partida tipicamente um grupo de «oil and gas», dado que as explorações em Angola, onde a Petrogal tinha participação, não tinham gás natural suficiente para a exportação. A Petrogal tinha 10% no Bloco 1, 9% no Bloco 14, 5% no Bloco 32, 5% no Bloco 33, todos no off-shore, e 20% no Bloco Central de Cabinda (onshore). Os Blocos 1 e de Cabinda já terão pouco interesse, sendo o Bloco 14 um dos mais importantes de Angola. O Bloco 32 terá um grande «upside» enquanto no Bloco 33, muito promissor na altura do concurso, as expectativas parecem não se confirmar.

Como sabemos, geologicamente onde há petróleo hás gás natural, mas acontece que pela lei angolana o gás associado pertence à Sonangol e não às empresas petrolíferas com participação nos blocos, e, além disso, o gás associado nas posições da Galp não existirá em quantidades que tornem atractiva a sua exploração e viabilização internacional através do GNL. Por aquilo que sei, o projecto delineado pela Sonangol é apenas para utilização do gás do Soyo, dado que será difícil fazer um pipeline para trazer o gás de Cabinda para o Soyo, devido à largura do canhão do rio Congo. Tal projecto estará adiado para 2008 e entrará no mercado já depois do projecto nigeriano, o que lhe aumenta a incerteza e o risco comercial.

Numa altura em que as companhias procuram desesperadamente novas reservas petrolíferas, a Galp precisará de investir mais no «upstream», ao mesmo tempo que deverá conservar o que já tem em Angola. Vender esses activos, que tem um grande «upside», como queria uma administração da Galp, para comprar uma participação no gás natural seria, como expliquei, trocar o certo pelo incerto. Felizmente que a acção do Presidente da República e do governo Barroso impediram tal disparate...

III - A GALP, A REFINAÇÃO E A INDÚSTRIA QUÍMICA PORTUGUESA

A Galp está com um aparelho refinador desajustado às tendências do mercado e às preocupações ambientais. Depois dos investimentos do programa AutoOil, importa agora voltar a novos investimento para colmatar quer o défice de produção de gasóleo, numa época em que se assiste à tendência crescente para veículos a diesel, quer o excesso de produção de fuel óleo, produto desajustado ambientalmente.

Por outro lado, se se quer que a Galp mantenha um importante papel industrial em Portugal, não se pode deixar de pensar na ligação à indústria química do seu aparelho industrial. Com efeito:

- A Refinaria de Sines fornece resíduos de cracking à fábrica de amoníaco/ureia do Grupo CUF no Lavradio, amoníaco esse que vai depois ser utilizado no complexo de Estarreja, e abastece ainda com nafta a petroquímica de olefinas da Repsol em Sines, petroquímica essa que alimenta com negro de fumo a indústria de borracha e com etileno e propileno as cadeias industriais de polietileno (PEBD e PEAD) e de PVC para a construção civil e embalagens.

- A Refinaria de Matosinhos fornece os reformados à petroquímica de aromáticos (que pertence a Galp). Esta produz os tobuenos, xilenos e o benzeno que é fornecido ao complexo químico de Estarreja, o qual também recebe, como vimos, o amoníaco do Lavradio, na sequência duma cadeia começada na Refinaria de Sines.

A Galp não é uma «major» e como tal o problema estratégico de diversificação que estas têm, atrás explicado, não se põe ainda da mesma maneira para a Galp: Esta está ainda numa fase de ter de segurar o seu negócio natural no seu «home market» . A importância do «core business» – o sector petrolífero – para a Galp e para a indústria química portuguesa justificam em minha opinião que a Galp use o volumoso «cash» gerado nestes tempos de margens elevadas para consolidar esse «core business» investindo no «upstream», na refinação e até no «downstream» – a distribuição - sujeita agora a forte concorrência da Repsol em Portugal.

Ver comentários
Mais artigos de Opinião
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio