Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
06 de Dezembro de 2005 às 13:53

O sistema eléctrico e o mercado ibérico (IV)

Os reguladores económicos sectoriais têm um carácter mais operacional, actuando constantemente sobre o mercado, ao passo que a Autoridade da Concorrência tem uma actuação mais jurídica, levantando um processo quando se verifica uma prática restritiva de c

  • ...

V. A ERSE (REGULADOR ECONÓMICO SECTORIAL) E A AUTORIDADE NACIONAL DE CONCORRÊNCIA

Já expliquei o papel da ERSE nas redes eléctrica e de gás natural como regulador económico sectorial.

No fundo, um regulador económico visa colmatar as falhas de mercado ("market failures"), casos em que o mercado falha na afectação eficiente dos recursos. Como regulação económica sectorial, temos em Portugal o caso da ERSE para colmatar a falha de mercado-monopólio natural - nas redes energéticas, a ANACOM nas telecomunicações, o Banco de Portugal e o ISP, na banca e seguros respectivamente, para colmatar falhas de mercado ligadas a assimetrias de informação no sistema financeiro. Estes reguladores actuam normalmente ex-ante, através de normas e regulamentos.

Mas em teoria, os reguladores económicos não têm a ver com a Política de Concorrência (designadamente Fusões e Aquisições) que é em Portugal da responsabilidade da Autoridade da Concorrência. Esta actua sobre todos os sectores, normalmente à posteriori - ex-post - depois de determinada prática restritiva ter ocorrido. Mas por actuar sobre todos os sectores, também se lhe pode chamar um regulador horizontal, em antítese aos reguladores económicos sectoriais.

Os reguladores económicos sectoriais têm um carácter mais operacional, actuando constantemente sobre o mercado, ao passo que a Autoridade da Concorrência tem uma actuação mais jurídica, levantando um processo quando se verifica uma prática restritiva de concorrência.

VI. O SISTEMA ELÉCTRICO EUROPEU

O sistema eléctrico europeu era à data, com algumas excepções, apenas a sobreposição dos sistemas nacionais os quais tinham sido pensados numa lógica de mercado nacional fechado. Por isso, os movimentos de energia entre as várias redes eléctricas nacionais eram muito pequenos, apenas cerca de 2% da capacidade electroprodutora instalada na União Europeia.

Assim, as interligações entre as redes eléctricas nacionais tinham sido feitas numa óptica de segurança e apoio a uma rede pelas redes vizinhas num caso de emergência e não numa óptica económica de transporte de energia eléctrica dumas redes para outras para optimizar do ponto de vista económico as capacidades de produção existentes.

Tal constitui pois um constrangimento a um mercado único de electricidade à escala comunitária, com transacções de compra e venda de energia a essa escala. Por exemplo, a capacidade de transporte entre Espanha e França é pequena, pelo que a Península Ibérica é quase uma "ilha" eléctrica em relação ao Continente Europeu.

Neste contexto, não é realista falar-se dum mercado único de electricidade à escala europeia, mas sim de criação de mercados eléctricos à escala regional, de que o Mercado Ibérico de Electricidade (MIBEL) seria um exemplo.

VII. O MERCADO ÚNICO E A DIRECTIVA EUROPEIA

Aproveitando a criação do mercado único europeu, a Comissão Europeia lançou o processo de liberalização dos sectores eléctricos nacionais, que culminou com a Directiva 96/92/CE de Dezembro de 1996. A Directiva da electricidade veio então promover a criação dum mercado concorrencial da electricidade: (1) separando as actividades de produção, transporte e distribuição; (2) liberalizando o acesso de terceiros às redes de transporte e distribuição (Third Part Acess - TPA); (3) criando a figura de regulador independente em cada país.

A PRODUÇÃO, O TRANSPORTE E A DISTRIBUIÇÃO

A área de produção nas "utilities" eléctricas começou a sofrer uma forte competição. O sector de produção de energia eléctrica não é um monopólio natural, podendo e devendo haver concorrência entre vários produtores. O transporte e a distribuição de energia eléctrica - monopólios naturais - continuarão a ser regulados e a beneficiar naturalmente das economias de escala na manutenção e operação das redes. Não havendo redes alternativas que as substituíssem, o que se forçou foi as "utilities" detentoras dessas redes a permitirem que novos operadores as utilizassem numa lógica de auto-estradas de energia. Transformaram-se assim essas redes das "utilities" em redes de acesso público por terceiros.

O Reino Unido iniciou a liberalização europeia com o Energy Act de 1983 o qual impunha a obrigação legal de aquisição da energia dos produtores independentes, tendo-se seguido a reestruturação das empresas eléctricas com a desverticalização das velhas "utilities" integradas, a posterior privatização das novas empresas e a criação duma "pool" (mercado grossista para a indústria eléctrica).

O CASO PORTUGUÊS

Entre 1987 e 1995, Portugal e o Reino Unido lideraram o movimento de liberalização do sector eléctrico, movimento esse que levou a estabelecer em 1996 a Directiva da Electricidade visando promover a criação de um mercado concorrencial de electricidade através da:

Separação das actividades de Produção, Transporte e Distribuição; liberalização de acesso de terceiros às redes de transporte e distribuição; criação da figura de regulador independente.

Ao deixar o governo em 1995, já tinha em Portugal antecipado essa Directiva europeia tendo:

- Separado a EDP em empresas de Produção, Transporte e Distribuição; criado na legislação portuguesa a figura de acesso por terceiros às redes de transporte e distribuição da EDP (TPA - Third Part Access); criado a ERSE, Entidade Reguladora do Sector Eléctrico, a primeira entidade reguladora instituída em Portugal na lógica de regulador independente do Governo.

- Criado um Sistema Eléctrico não Vinculado (SENV) que utiliza as redes públicas de Transporte e Distribuição em TPA, mediante uma portagem para fazer o transporte de energia de contratos bilaterais entre produtores e consumidores.

Este sistema de mercado iria coexistir com o SISTEMA ELÉCTRICO DE SERVIÇO PÚBLICO (SEP) com produtores e consumidores vinculados, o qual no fundo era o sistema público herdado da EDP.

A EDP E A REN

Também sempre disse que a REN-Rede Eléctrica Nacional - deveria ficar à parte e não integrada na privatização da EDP. É fácil explicar porquê. Num contexto de privatização da EDP e da liberalização do sector eléctrico, a REN tem que transportar a energia de outros produtores e não apenas a da EDP. Se mantivesse a REN no universo EDP haveria naturalmente um conflito de interesses entre os accionistas da EDP que quereriam que a REN estivesse exclusivamente ao serviço da produção da EDP e o interesse público que apontava para que a REN fosse utilizada por outros produtores independentes da EDP.

A posição de independência da REN em relação à EDP tornaria o mercado da energia eléctrica contestável facilitando a liberdade de escolha dos consumidores na compra de energia aos produtores. Assegurar-se-ia assim mais facilmente a concorrência na produção de energia eléctrica.

Começou-se uma semi-privatização da EDP com a REN integrada na EDP e só no fim é que corrigiu esse erro, destacando a REN da empresa quando o Estado perdeu a maioria.

Ver comentários
Mais artigos de Opinião
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio