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25 de Setembro de 2012 às 23:30

O segredo do sabão

O colapso da credibilidade do governo – afinal aquelas cabeças não sabiam o segredo do sabão – deixou o país mais órfão do que o que já era e em risco de se afundar em desgraça política. O poder, disse De Gaulle, não se conquista, apanha-se.

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Era eu pequeno dizia-se, e alguns acreditavam, que havia um operário da CUF que Alfredo da Silva mandava levar e buscar da fábrica de automóvel porque era ele que sabia o segredo da receita do sabão. Até há um par de semanas, com credulidade comparável, patriotismo e determinação, os portugueses tinham dado a sua confiança ao governo que garantia saber de ciência certa qual a saída do buraco em que estamos metidos.

A muita gente palpitou que o remédio proposto matasse o doente antes de curar a doença. Mas o governo explicava por palavras simples e precisas o que se tinha passado, o que se estava a passar e o que se iria passar. Havia sacrifícios nos primeiros tempos, depois viria a recompensa desses sacrifícios e entretanto Portugal teria granjeado o respeito das nações. Espíritos cépticos duvidavam ainda porque o bom senso insistia em achar o plano irrealista. Mas depois pensavam que bom senso era uma coisa, ciência outra, e que há verdades fundamentais contra-intuitivas: por exemplo, a gente vê a Terra plana embora ela seja de facto redonda.

A ciência certa, porém, era só pensamento desejado (wishful thinking no dizer do meu chorado amigo Gérard Castello Lopes). As previsões saíram escandalosamente erradas. A receita cobrada pelo Estado era muito menor do que fora previsto e a despesa não baixara. A recompensa dos sacrifícios não poderia começar tão cedo. Era preciso insistir, aplicando novas medidas para reforçar as que não haviam obtido o efeito desejado. Como as medidas anteriores tinham sido grandemente responsáveis pela exiguidade da receita cobrada e algumas das novas medidas acordavam fantasias de luta de classes, a insistência esticou demais a corda e o país disse: Basta!

O resultado é desastroso. Nesta crise, a maior desde o 25 de Abril, era preciso quem sentisse o povo e encaminhasse a sua energia afirmativa e patriótica que tem levado a melhor de falências e despedimentos e é garantia de um futuro decente para Portugal. Pelo contrário, o colapso da credibilidade do governo – afinal aquelas cabeças não sabiam o segredo do sabão – deixou o país mais órfão do que o que já era e em risco de se afundar em desgraça política. O poder, disse De Gaulle, não se conquista, apanha-se. Em Portugal, a convulsão das últimas semanas transformou a confiança relativa e o benefício da dúvida de que gozara a coligação governamental em desconfiança liminar, insensível a circunstâncias atenuantes, que se arrisca a fazer cair o poder na rua. No século passado em 1910, 1926 e 1974, quando se sentiu o regime exausto, povo e tropa saíram juntos, deitaram-no abaixo e ajudaram a instalar regime novo. Agora é diferente. Desde a adesão às Comunidades Europeias deixou de se poder contar com os militares para o efeito. A crise não está arrumada. Só se poderá evitar balbúrdia populista de consequências incalculáveis se os poderes constitucionais existentes ganharem sentido da História e tomarem enfim as suas responsabilidades.

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