Opinião
O País dos Irmãos Grimm
Neste Portugal em que o governo faz-de-conta que não foi demitido e a oposição faz-de-conta que é oposição, só nos resta votar fazendo-de-conta que estamos convictos que alguém vai resolver os problemas do País.
Anteontem à noite, estava eu a ver televisão, ouvi a novidade quanto ao défice orçamental do Estado: afinal tinha piorado mais de 10%, para 5,3% do PIB. Mas não se assustem, meus queridos leitores, pois como os jornalistas logo explicaram de seguida, não há problema porque com o fundo de pensões da CGD – a tal receita do Estado que não é receita nenhuma – ficaríamos abaixo dos fatídicos 3%. Isto é, íamos conseguir fazer-de-conta que tínhamos um défice orçamental dentro dos nossos europeus compromissos.
Logo a seguir ouvi o Primeiro-Ministro (que faz-de-conta que anda doente) a fazer-de-conta que sabia do assunto, explicando a todos nós que isto se ficou a dever ao aumento em 800 milhões de euros dos encargos com as pensões de reforma dos funcionários públicos, que fora isso a despesa estava controlada, e que este aumento de reformados foi extraordinário, tendo resultado de uma medida da Senhora Ministra das Finanças do governo anterior. Ora, se estes funcionários não se tivessem reformado teríamos mais 800 milhões em despesas com o pessoal, pelo que a despesa pública está tão descontrolada antes como depois.
Mas estando eu nestas cogitações dei-me conta que esta moda não é de agora, toda a gente neste País anda a fazer-de-conta. O anterior Governo fez-de-conta que reformou, porque reformas de facto, do sector energético à Administração Pública, não vimos nada, só papel. Já este Governo passou os primeiros quatro meses a fazer-de-conta que governou, para agora anunciar grandes obras públicas às dúzias, fazendo-de-conta que não foi demitido.
E não são só os governos, também os partidos fazem-de-conta. O PSD faz-de-conta que não quer perder as eleições para poder despachar o Dr. Lopes para casa, onde quer que ela seja. Só correu mal aquela coisa do cartaz porque o Prof. Cavaco não fez-de-conta que não se importava de figurar no dito.
O CDS/PP faz-de-conta que vai governar, anunciando um Governo e desafiando os outros partidos a fazer o mesmo, e os membros desse mesmo pseudo-governo fazem-de-conta que aceitam ser governantes sabendo que não terão que o ser porque o PP não ganhará as eleições. O PS, esse, faz-de-conta que tem um programa e uma agenda e que não terá um monte de sarilhos para resolver quando tiver que governar.
Mas não pensem que isto é só na política. É no País, em todo o lado. O Estado faz-de-conta que paga, mas é só dívidas - que o digam as farmácias e a indústria farmacêutica, os empreiteiros ou os não reembolsados dos impostos. Os clubes de futebol, esses, fazem de conta que pagam os impostos. Os estudantes fazem-de-conta que estudam, mas de borga em borga chegam aos exames de Setembro. O povão em geral continua a gastar alegremente, fazendo-de-conta que não está cada vez mais endividado.
Toda a portuguesa república faz-de-conta. Toda? Não. No meio do Atlântico há um pequeno território autónomo onde há um governante que não faz-de-conta: o Presidente do Governo Regional da Madeira está-se mesmo, digamos, borrifando para o Governo, para a Assembleia da República e suas leis, para o Tribunal de Contas, e resiste ainda e sempre.
E então como ficamos nós, meus queridos amigos, neste Portugal em que o governo faz-de-conta que não foi demitido e a oposição faz-de-conta que é oposição? Dia 20 de Fevereiro vamos todos votar, fazendo-de-conta que estamos convictos que alguém vai resolver os problemas do País.
Frederico Bastião é professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando algum dos seus alunos reclama por ter chumbado, Frederico invariavelmente responde: «Faça-de-conta que passou.»