Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
11 de Junho de 2007 às 17:24

O Gato, o Rato e o Ambiente

O eterno 007 tem de voltar a fazer contas. Provavelmente vai ter de abandonar as exuberantes paisagens da América Latina ou as paradisíacas lacunas dos mares do sul para regressar à velha Europa.

  • ...

O eterno 007 tem de voltar a fazer contas. Provavelmente vai ter de abandonar as exuberantes paisagens da América Latina ou as paradisíacas lacunas dos mares do sul para regressar à velha Europa.

Vai ter de largar as maldades que empresários sem o menor escrúpulo faziam para o tráfico de droga ou o controlo global da comunicação, vai ter de esquecer os atentados a oleadutos, o fascínio pelo nuclear e a deriva por cargueiros que engolem submarinos e regressar aos primeiros tempos em que o agente de Sua Majestade suava as estopinhas antes de, no fim, conquistar (era assim que nos faziam crer) uma agente cujo nome terminava, invariavelmente, em "ova".

É claro que a guerra fria, tal qual se passou, não volta. O mundo mudou muito desde aí, as versões capitalistas alteraram-se profundamente por todo o lado, as socialistas, na pele de então, morreram e as aproximadas reconverteram-se. Os protagonistas da altura já não existem, os seus sucessores também não, ao menos nos cargos exercidos, e praticamente nada resta desses tempos. Só restam duas coisas. Uma que se chama Estados Unidos da América. Outra que se chama Federação da Rússia (e até esta com o nome alterado). E há uma terceira que era, normalmente, pretexto para tudo: a Europa. E que, pelos vistos, ainda o é. Nos dias que antecederam a cimeira do G8, os EUA e a Rússia digladiaram-se em palavras e falharam os actos.

A propósito dos planos de expansão de uma coisa que responde pelas iniciais de MDI e que é um plano qualquer de defesa antimíssil no centro e leste da Europa, Putin respondeu frio e grosso e as coisas azedaram. À margem da própria cimeira, o mesmo Putin surpreendeu Bush com a proposta de instalação da coisa no Azerbeijão. Sem saber bem o que dizer, Bush assobiou para o ar e usou o que a saída mais airosa lhe segredou: "interessante", disse ele, sem querer dizer coisa nenhuma. Este episódio – que, entretanto, teve o efeito de esvaziar o balão da pressão em que se estava – mostrou, porém, uma coisa, essa sim, verdadeiramente interessante.

Hoje, os tempos mudaram, mas a Rússia, no essencial do seu modo de estar, não. Já não pode responder com a força do urso e com a patada pronta e rápida com que o bicho ensaiava o lance fatal. Já não vai lá com a força. Mas responde ardilosamente, com a sabedoria aprendida desde os czares. Responde sibilinamente. Responde com a argúcia e com a razão. Hoje a Rússia sabe que só pode contar com uma influência dispersa. Mas com uma influência cirúrgica. Estende o manto em vários locais do mundo, fala, deixa recado e os ovos e volta para casa como se lá nunca tivesse estado. Depois, quando pode, activa os ovos à distância.

O episódio do Azerbeijão e a tirada da cartola são demonstrativos das surpresas a que os russos se dão e premonitórios do que aí pode vir. O gato é basicamente o mesmo. O rato é que mudou de táctica.

Estávamos nisto quando a alemã anfitriã e a Comissão Europeia residente lembraram o ambiente, Quioto, os gases com efeito de estufa e "tutti quanti". Á procura de um compromisso. Jogando com a agenda estabelecida desde o início do ano, com a notória pressão das opiniões públicas e com a importância do tema, cavalgaram-no politicamente.

Bush pode ter todos os defeitos do mundo mas não é desprovido daquele pragmatismo que nasceu quando nasceram os americanos. E tratou de pensar como se esfola o bisonte. Foi dizendo que sim e fazendo figas que não. Sorrindo para as câmaras, até com as mãos nos ombros de um negro para os fotógrafos e as televisões fixarem e filmarem. Entretanto, disse que sim. E pensou que não. No fim voltou a dizer que sim. E voltou a jurar que não. A anfitriã bem se esforçou em puxar pelo optimismo.

A Comissão Europeia residente fez o mesmo. Mas ambos sabem que nos assuntos europeus, como nos internacionais, os compromissos têm um barómetro por onde se vê se têm pés para andarem. Esse barómetro é a fixação de uma data ou datas concretas para os passos a dar. E, no caso, obviamente, Bush não se comprometeu com uma única data. Nem sabe o que isso é.

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio