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22 de Maio de 2007 às 13:59

O Emprego e a Política

O problema mais difícil com que um político tem de se defrontar em democracia é definir um rumo adequado às condições do país e persistir nele mesmo quando, a curto prazo e/ou na aparência, ele não parece resolver os problemas do seu eleitorado. Entre nós

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Em matérias puramente políticas, os problemas foram "resolvidos" fazendo leis, concedendo direitos e distribuindo recursos. Às leis e aos direitos faltou a definição de sistemas rigorosos de avaliação e prestação de contas, tendo esta sido restringida ao processo eleitoral que, não obstante ser a chave da democracia, está longe de permitir o tipo de avaliação sustentada que uma sociedade moderna e complexa precisa de levar a cabo com respeito às suas instituições. Daí resultou a inoperância de muitas leis e direitos, que procurou resolver-se fazendo mais leis – e, em geral, tornando-as mais inoperantes – e reforçando os direitos formais, mas deixando-os, na prática, na dependência da existência de recursos e conjunturas favoráveis. No ambiente assim criado, estas passaram a resultar sobretudo de condições externas e de políticas expansionistas, cada vez mais ineficazes e insustentáveis.

Durante bastante tempo, o emprego pareceu ser uma área em que as políticas em vigor foram relativamente bem sucedidas, tendo o país mantido, em média, uma taxa de desemprego inferior aos altos níveis que caracterizavam os seus parceiros europeus. Esta era, contudo, uma apreciação muito superficial, dado que os factores que permitiram esse aparente bom resultado eram, em si mesmos, insustentáveis e que ao mesmo tempo se não estimularam as mudanças capazes de os substituir quando se esgotassem.

Os factores insustentáveis de manutenção do emprego foram, em primeiro lugar, a desvalorização cambial, tornada inevitável na situação de grande instabilidade e fragilidade estrutural que caracterizou os anos que se seguiram ao 25 de Abril. Esta promoveu uma especialização produtiva em actividades trabalho-intensivas, que a integração europeia e a globalização obrigariam a rapidamente reconverter, o que exigia um grande esforço em matéria de educação e formação profissional, bem como a criação de um clima empresarial e laboral competitivo e aberto ao exterior. Isto foi parcialmente reconhecido na retórica dos diversos partidos, mas acabou por contribuir para o reforço de novos factores insustentáveis de criação de emprego, ocultando a necessidade de mudanças de fundo.

Esses novos factores foram essencialmente três, tornados possíveis pela integração europeia. O primeiro foi o impacto inicial positivo nas indústrias têxteis e de vestuário, limitadas antes da integração pela contingentação de exportações resultante do acordo multifibras que, depois da adesão, se tornou num instrumento de protecção da indústria nacional, mas cujo fim seria entretanto decidido para 2005. O segundo foi a enorme expansão do sector da construção cujo peso no emprego praticamente duplicou, chegando a atingir 12% do emprego civil, graças ao investimento em infra-estruturas, reforçado, após a moeda única, com o investimento residencial. Finalmente o terceiro foi o aumento do emprego no sector público, mais claro nos serviços de educação e saúde e na administração local.

Nenhuma destas evoluções foi censurável em si mesma e nem sequer teria sido evitável. O que faltou foi a visão do seu carácter transitório e foi isso que levou a que, por um lado, elas tivessem ido longe demais ou perdurado por demasiado tempo e, por outro – mais grave – não se tivessem criado as condições necessárias à sua substituição quando o inevitável esgotamento se manifestasse. É a este nível que se revela a miopia do sistema político que nos rege, a qual se transmite ao conjunto dos cidadãos, actuando de forma racional dentro do contexto em que se movem. Um dos bons exemplos disto foi o desinteresse pela educação e pela formação profissional, bem expresso no abandono escolar e na concentração nos diplomas, muito mais que nas competências que o sistema educativo deveria proporcionar. Na verdade, o custo de oportunidade, ou seja, o rendimento perdido pelo facto de prolongar os estudos não era compensado pelo ganho adicional em empregabilidade ou salário decorrente dessa decisão.

É a própria racionalidade desta que constitui o aspecto mais alarmante do problema e que exige mudanças de fundo nos processos de decisão e na própria lógica política que os condiciona. A perseverança em políticas que subvertam tal lógica e recusem os facilitismos de curto prazo – cada vez mais custosos e menos duradouros, dada a concorrência internacional e o esgotamento das ajudas – é o único caminho para reduzir o desemprego e assegurar o crescimento económico, ele próprio condição do bem-estar social que todos desejam. As medidas recentemente anunciadas para o ensino superior, as que têm vindo a ser tomadas na educação, o estímulo à concorrência, o esforço de desburocratização e de simplificação drástica dos processos de licenciamento, nomeadamente na área do turismo, e a flexibilização das leis laborais são passos essenciais nesse sentido.

Um dos dilemas da política económica, que temos de nos habituar a compreender, é que nela nem sempre o que parece é. O que importa perceber é que, pelo contrário, as medidas que se dizem destinadas a resolver de imediato os problemas sociais são frequentemente as que mais os agravam e mais reforçam as dificuldades que se diz querer resolver.

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