Opinião
Nuno Crato, educação e economia
O ministro da Educação aproveitou a apresentação do programa do Governo para mais um dos seus excelentes actos de pedagogia.
Falou para os políticos, para os alunos, para os professores. E para todos nós.
Acresce que Nuno Crato não propôs aumento de impostos. Antes se mostrou determinado a criar valor na cabeça de gerações actuais e, portanto, das gerações futuras. Portugal não pode dar-se ao luxo de desbaratar o potencial das cabeças dos seus filhos. Não há desenvolvimento sustentável sem bom capital humano.
No final de 2004, num oportuno artigo no "Expresso", Nuno Crato lembrou um pequeno conto do grande ficcionista Isaac Asimov. Num futuro para lá do ano de 1957 em que Asimov escreveu "O Sentimento do Poder", a sociedade dos humanos vivia num mundo totalmente computorizado. A tabuada era desconhecida. Os mais simples cálculos nas quatro operações básicas eram feitos usando sempre calculadoras ou outros computadores.
Mas um ignorado técnico veio então a descobrir, explorando o seu computador, as regras da tabuada e os algoritmos manuais das quatro operações. Generais e congressistas estudaram a possível utilidade do novo saber. Quantos são nove vezes sete? O novo génio logo respondeu: sessenta e três. Um congressista puxou do computador de bolso para verificar se a resposta estava certa. Submeteu o génio a novo teste: dezassete vezes vinte e três. Resposta em dois segundos: trezentos e noventa e um. Após quatro segundos de digitalização, o computador dum general confirmou que a resposta estava certa. Um novo sentimento de poder brotou naqueles estrategos poderosos.
Meio século passado sobre o alerta de Asimov, muitos portugueses não sabem usar com eficácia o cálculo mental. Mesmo com cursos superiores, mestrados ou doutoramentos. Mesmo em actividades onde a Matemática e a memória são essenciais, tal como nos negócios ou na gestão e em tantas outras. Ou na Política. Todos nos lembramos de um primeiro-ministro que, na entrada do Séc. XXI, não tinha na sua cabeça o montante do PIB. Por cujo crescimento ele era, diariamente, o principal responsável.
Nuno Crato alertou também, naquele artigo, para a importância do cálculo mental e do exercício da memória para o desenvolvimento do potencial do cérebro dos jovens estudantes. E para a vida quotidiana. Controlar o troco recebido no supermercado, prevenir enganos intencionais ou acidentais nas facturas. Fazer contas à vida. Conferir a conta do banco ou os impostos das Finanças e taxas das autarquias. E também criticou a vasta impreparação de estudantes e adultos para o uso adequado do cálculo automatizado. Agora, como ministro, voltou ao tema.
No controlo do deficit, no dimensionamento de um pilar de edifício, num modelo de PPP, na avaliação de um complexo turístico e em tantos outros casos, a ferramenta matemática pode criar sucessos espantosos ou pode gerar erros graves ou mesmo catastróficos. Calculadoras e folhas de cálculo de alta qualidade podem levar a consequências terríveis, por incompetência ou intenção. Veja-se o cataclismo criado no mundo com os modelos de negócios assentes em cálculos financeiros "geniais", controlados por reguladores gurus e garantidos por sábios de renome. O tsunami originado em Wall Street continua a devastar a Main Street, inclusive em Portugal.
Políticos e outros "mais iguais", tanto podem usar a Matemática para o bem dos povos como para a sua desgraça. O sentimento de exactidão e de segurança que acriticamente se associa a números e cálculos é usado demasiadas vezes para manipular, ocultar ou discriminar. A "subversão matemática" é uma poderosa - e barata - granada de cabeça.
A iliteracia lusitana sobre outro conceito elementar - o cálculo percentual - é um vírus resistente. Há muita gente que considera que, quando o Fisco aumenta um ponto percentual na taxa de IVA, passando-a de 23% para 24%, isso implica um aumento somente de 1 % no respectivo imposto. Como todos sabemos, implica um aumento de 100/23 = 4,35 %. Usando uma calculadora, tanto se pode obter o resultado de 1% como de 4,35%. Cabe ao seu utilizador saber interpretar e escolher o resultado certo. E usá-lo ou difundi-lo de forma a não causar engano ou falsa certeza. Em si ou nos outros.
Felizmente para os humanos, os electrões são infinitamente burros. A culpa nunca é do sistema. É sempre de alguém. Ou de outro "sistema".
Engenheiro militar.
Ex-docente de Estratégia
Acresce que Nuno Crato não propôs aumento de impostos. Antes se mostrou determinado a criar valor na cabeça de gerações actuais e, portanto, das gerações futuras. Portugal não pode dar-se ao luxo de desbaratar o potencial das cabeças dos seus filhos. Não há desenvolvimento sustentável sem bom capital humano.
Mas um ignorado técnico veio então a descobrir, explorando o seu computador, as regras da tabuada e os algoritmos manuais das quatro operações. Generais e congressistas estudaram a possível utilidade do novo saber. Quantos são nove vezes sete? O novo génio logo respondeu: sessenta e três. Um congressista puxou do computador de bolso para verificar se a resposta estava certa. Submeteu o génio a novo teste: dezassete vezes vinte e três. Resposta em dois segundos: trezentos e noventa e um. Após quatro segundos de digitalização, o computador dum general confirmou que a resposta estava certa. Um novo sentimento de poder brotou naqueles estrategos poderosos.
Meio século passado sobre o alerta de Asimov, muitos portugueses não sabem usar com eficácia o cálculo mental. Mesmo com cursos superiores, mestrados ou doutoramentos. Mesmo em actividades onde a Matemática e a memória são essenciais, tal como nos negócios ou na gestão e em tantas outras. Ou na Política. Todos nos lembramos de um primeiro-ministro que, na entrada do Séc. XXI, não tinha na sua cabeça o montante do PIB. Por cujo crescimento ele era, diariamente, o principal responsável.
Nuno Crato alertou também, naquele artigo, para a importância do cálculo mental e do exercício da memória para o desenvolvimento do potencial do cérebro dos jovens estudantes. E para a vida quotidiana. Controlar o troco recebido no supermercado, prevenir enganos intencionais ou acidentais nas facturas. Fazer contas à vida. Conferir a conta do banco ou os impostos das Finanças e taxas das autarquias. E também criticou a vasta impreparação de estudantes e adultos para o uso adequado do cálculo automatizado. Agora, como ministro, voltou ao tema.
No controlo do deficit, no dimensionamento de um pilar de edifício, num modelo de PPP, na avaliação de um complexo turístico e em tantos outros casos, a ferramenta matemática pode criar sucessos espantosos ou pode gerar erros graves ou mesmo catastróficos. Calculadoras e folhas de cálculo de alta qualidade podem levar a consequências terríveis, por incompetência ou intenção. Veja-se o cataclismo criado no mundo com os modelos de negócios assentes em cálculos financeiros "geniais", controlados por reguladores gurus e garantidos por sábios de renome. O tsunami originado em Wall Street continua a devastar a Main Street, inclusive em Portugal.
Políticos e outros "mais iguais", tanto podem usar a Matemática para o bem dos povos como para a sua desgraça. O sentimento de exactidão e de segurança que acriticamente se associa a números e cálculos é usado demasiadas vezes para manipular, ocultar ou discriminar. A "subversão matemática" é uma poderosa - e barata - granada de cabeça.
A iliteracia lusitana sobre outro conceito elementar - o cálculo percentual - é um vírus resistente. Há muita gente que considera que, quando o Fisco aumenta um ponto percentual na taxa de IVA, passando-a de 23% para 24%, isso implica um aumento somente de 1 % no respectivo imposto. Como todos sabemos, implica um aumento de 100/23 = 4,35 %. Usando uma calculadora, tanto se pode obter o resultado de 1% como de 4,35%. Cabe ao seu utilizador saber interpretar e escolher o resultado certo. E usá-lo ou difundi-lo de forma a não causar engano ou falsa certeza. Em si ou nos outros.
Felizmente para os humanos, os electrões são infinitamente burros. A culpa nunca é do sistema. É sempre de alguém. Ou de outro "sistema".
Engenheiro militar.
Ex-docente de Estratégia
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