Opinião
Avaliação geral do património
O megadesemprego é uma calamidade social. Cinco das dimensões do desenvolvimento prestam-se a criar um bom mix de absorção do desemprego, em Portugal: cidades, prevenção de desastres, energia e redes, alimentação e turismo. Todas elas tendem ao uso intenso de capital humano.
O megadesemprego é uma calamidade social. Cinco das dimensões do desenvolvimento prestam-se a criar um bom mix de absorção do desemprego, em Portugal: cidades, prevenção de desastres, energia e redes, alimentação e turismo. Todas elas tendem ao uso intenso de capital humano.
A cidade, desde a vila aos subúrbios e à metrópole, é o habitat por excelência, para irradiar pensamento e criar riqueza. Mas também para criar exclusão e segregação, enclaves e estigmas, solidão, fracturação familiar, clivagens étnicas. E também para atirar fora da economia os desempregados de longa duração, os desalojados, os falidos. E produzir as externalidades de acidentes, de poluições e da marginalidade.
A avaliação geral (AG) do património urbano – dos terrenos de construção às barracas e palácios, dos edifícios novos às ruínas, dos estacionamentos às indústrias e comércios, das marinas às piscinas e golfes, das zonas verdes às pedreiras – presta-se a dar uma visão económica, social e política e de qualidade de vida que transborda em muito a visão fiscal. Eis o que aqui propomos.
O atropelo à equidade e à justiça fiscal tinha criado uma manta opaca. Uns pagam pouco, outros pagam demais. A AG, segundo critérios objectivos, visa a justiça fiscal relativa. Mas, em vez de fazer o nivelamento médio do imposto, tudo indicia que com ela se vai cobrar demais, a todos. Estimativas não desmentidas apontam para duplicação global da receita do IMI, a partir de 2015.
O imposto (IMI) resulta da multiplicação do valor patrimonial pela taxa do imposto. A manipulação política do imposto pode resultar de acções sobre qualquer dos dois factores ou sobre ambos. Após a AG em curso, dois imóveis urbanos iguais, situados à esquerda e à direita da fronteira entre dois municípios, podem pagar IMI em montantes que chegam a variar 67% entre si. Um Município pode aplicar a taxa de 0,3% e outro Município aplicar a taxa de 0,5% ao mesmo valor patrimonial.
A avaliação geral do património em nada contribui para eliminar esse tipo de injustiça. Mas tem enorme potencial de eliminar a discriminação entre cidadãos, resultante do valor patrimonial. Dois bens rigorosamente iguais devem ter o mesmo valor patrimonial. E actualmente não têm, em muitos casos.
Com o processo revolucionário em curso, após o 25 de Abril, milhares de imóveis novos e de alterações de existentes surgiram por toda a parte. Até nos leitos de cheias. Cidades "clandestinas" apareceram. O congelamento de rendas, começado com a primeira República, prosseguido pela segunda e generalizado pela terceira, foi-se transformando em sismo soft. Desabamentos sucedem-se.
A falta de conservação acelera a degradação das estruturas e arruina a resistência dos edifícios. O Estado e autarquias descuraram frequentemente a conservação das infra-estruturas e a do seu crescente património edificado. Com tal exemplo, os particulares esqueceram a manutenção periódica de edifícios e dos seus equipamentos. Mas a Física não é congelável. Nem perdoa desperdícios de energia. Fazer reabilitação cara, no fim do ciclo de vida duma estrutura é geralmente mau negócio.
Por outro lado, as bases de dados do Município, das Finanças, das Conservatórias, da ADENE, do INE e de outras entidades são muitas vezes incoerentes, desactualizadas, descoordenadas ou até contraditórias. Há que unificá-las e, assim, permitir o acesso público generalizado. Ganhamos todos.
Neste estado de coisas, o método adoptado por Portugal, para realizar a AG, foi o mais adequado. Recorreu aos saberes de especialistas capazes de caracterizar o património. Mas usá-los só para fins fiscais é grave desperdício. As vistorias e recolha de dados permitem riqueza de informação para fins de planeamento social e do crescimento económico, no plano local e central. São exemplo: o estado real de conservação e de resistência a riscos naturais, a caracterização real das envolventes, os riscos de segurança e de saúde de utentes, a capacidade de ampliação ou de mudança de uso, a obsolescência do edificado e dos equipamentos, a capacidade de geração de energia e de utilização de técnicas sustentáveis, as deficiências de redes públicas, os riscos de intoxicação ou de incêndio, ligações a redes inteligentes, o uso das habitações sociais, etc... Foi-se hábil na concepção. Mas míope no aproveitamento da oportunidade. Há desenvolvimento além do fisco.
Estamos perante uma oportunidade única, praticamente irrepetível. E extraordinariamente barata. Aproveitando-a, podemos dar um grande salto em frente, para mudanças estruturais de que os Portugueses carecem. E para planear bem o novo ciclo de crescimento, de competitividade e de emprego.
Engenheiro militar
Ex-docente de Estratégia
A cidade, desde a vila aos subúrbios e à metrópole, é o habitat por excelência, para irradiar pensamento e criar riqueza. Mas também para criar exclusão e segregação, enclaves e estigmas, solidão, fracturação familiar, clivagens étnicas. E também para atirar fora da economia os desempregados de longa duração, os desalojados, os falidos. E produzir as externalidades de acidentes, de poluições e da marginalidade.
O atropelo à equidade e à justiça fiscal tinha criado uma manta opaca. Uns pagam pouco, outros pagam demais. A AG, segundo critérios objectivos, visa a justiça fiscal relativa. Mas, em vez de fazer o nivelamento médio do imposto, tudo indicia que com ela se vai cobrar demais, a todos. Estimativas não desmentidas apontam para duplicação global da receita do IMI, a partir de 2015.
O imposto (IMI) resulta da multiplicação do valor patrimonial pela taxa do imposto. A manipulação política do imposto pode resultar de acções sobre qualquer dos dois factores ou sobre ambos. Após a AG em curso, dois imóveis urbanos iguais, situados à esquerda e à direita da fronteira entre dois municípios, podem pagar IMI em montantes que chegam a variar 67% entre si. Um Município pode aplicar a taxa de 0,3% e outro Município aplicar a taxa de 0,5% ao mesmo valor patrimonial.
A avaliação geral do património em nada contribui para eliminar esse tipo de injustiça. Mas tem enorme potencial de eliminar a discriminação entre cidadãos, resultante do valor patrimonial. Dois bens rigorosamente iguais devem ter o mesmo valor patrimonial. E actualmente não têm, em muitos casos.
Com o processo revolucionário em curso, após o 25 de Abril, milhares de imóveis novos e de alterações de existentes surgiram por toda a parte. Até nos leitos de cheias. Cidades "clandestinas" apareceram. O congelamento de rendas, começado com a primeira República, prosseguido pela segunda e generalizado pela terceira, foi-se transformando em sismo soft. Desabamentos sucedem-se.
A falta de conservação acelera a degradação das estruturas e arruina a resistência dos edifícios. O Estado e autarquias descuraram frequentemente a conservação das infra-estruturas e a do seu crescente património edificado. Com tal exemplo, os particulares esqueceram a manutenção periódica de edifícios e dos seus equipamentos. Mas a Física não é congelável. Nem perdoa desperdícios de energia. Fazer reabilitação cara, no fim do ciclo de vida duma estrutura é geralmente mau negócio.
Por outro lado, as bases de dados do Município, das Finanças, das Conservatórias, da ADENE, do INE e de outras entidades são muitas vezes incoerentes, desactualizadas, descoordenadas ou até contraditórias. Há que unificá-las e, assim, permitir o acesso público generalizado. Ganhamos todos.
Neste estado de coisas, o método adoptado por Portugal, para realizar a AG, foi o mais adequado. Recorreu aos saberes de especialistas capazes de caracterizar o património. Mas usá-los só para fins fiscais é grave desperdício. As vistorias e recolha de dados permitem riqueza de informação para fins de planeamento social e do crescimento económico, no plano local e central. São exemplo: o estado real de conservação e de resistência a riscos naturais, a caracterização real das envolventes, os riscos de segurança e de saúde de utentes, a capacidade de ampliação ou de mudança de uso, a obsolescência do edificado e dos equipamentos, a capacidade de geração de energia e de utilização de técnicas sustentáveis, as deficiências de redes públicas, os riscos de intoxicação ou de incêndio, ligações a redes inteligentes, o uso das habitações sociais, etc... Foi-se hábil na concepção. Mas míope no aproveitamento da oportunidade. Há desenvolvimento além do fisco.
Estamos perante uma oportunidade única, praticamente irrepetível. E extraordinariamente barata. Aproveitando-a, podemos dar um grande salto em frente, para mudanças estruturais de que os Portugueses carecem. E para planear bem o novo ciclo de crescimento, de competitividade e de emprego.
Engenheiro militar
Ex-docente de Estratégia
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