Opinião
Nas eleições do Congo um sentimento de «déjà-vu»
O sentimento de «déjà-vu» é inevitável para os que acompanharam de perto o processo eleitoral angolano que foi interrompido com o regresso à guerra.
No Congo (Kinshasa) a situação poderá ser um pouco mais complicada uma vez que os votos dos dois homens que passam à segunda volta reflectem uma fractura na estrutura social étnico-linguística do país.
Joseph Kabila, com 44,8 por cento dos votos ganha em todo o Leste, a região mais rica do país: Kivu do Norte, Kivu do Sul, Maniema e Katanga. Jean-Pierre Bemba, até agora vice-presidente do Governo de transição determinado pelos acordos de paz de 2002, tem os seus 20 por cento de votos numa distribuição maioritária no baixo Congo, na província do equador - origem de Mobutu Sesse Seko - e na capital Kinshasa.
Num universo de 18 milhões de eleitores inscritos e com uma afluência às urnas de 70 por cento, Joseph Kabila ficou a 900.000 votos da maioria absoluta. Bemba tem de lutar para subir 30 por cento, o seja pouco mais de cinco milhões de votos.
A distribuição eleitoral, ao contrário do que sucedeu em Angola, é uma tradução política da divisão étnico-linguística do país, Lingala a Leste e Swahili a Oeste. Com duas agravantes: as principias etnias e línguas subdividem-se em centenas de tribos e dialectos, por outro lado o Oeste, a região mais rica do país, foi durante anos o teatro de guerra entre facções rivais e da rebelião de Bemba, líder do Movimento de Libertação do Congo, uma criação do Uganda. À frente desse movimento inspirado e armado por Kampala, Bemba desencadeou no Leste do país um guerra contra Laurent-Désiré Kabila (o assassinado pai do actual Presidente), que havia derrubado Mobutu Sesse Seko de quem foi conselheiro financeiro em 1997, quando Bemba se iniciou na política.
Bemba não foi o único a socorrer-se do longínquo Leste do Congo (Zaire) para lutar contra os Kabila. Quaisquer que fossem as motivações ideológicas, a questão de fundo era a apropriação, em conluio com o Uganda e Rwanda, de alguma das porções do território com o subsolo mais rico do Mundo.
A guerra provocou milhares de refugiados no Kivu e no Katanga, que entretanto regressaram parcialmente, em especial ao Katanga. A estabilidade nesta zona como do corredor ao longo do rio Congo é estratégica para Angola com quem tem milhares de quilómetros de fronteira permeável. Do lado angolano as Lundas são também das zonas de maior riqueza mineral, não só em diamantes. Por isso Luanda tem um interesse de segurança nacional no Congo e por isso, com conhecimento e apoio da Comunidade Internacional teve, e eventualmente mantém, forças se não no Congo, bem junto da fronteira. As tropas angolanas envolveram-se no derrube de Mobutu, a quem a UNITA retribuiu o apoio de muitas décadas, e foram centrais na estabilização do regime de Laurent-Désiré Kabila.
Bemba, vice-presidente e proprietário de meios de comunicação, designadamente uma cadeia de TV, fez desde sempre coro com outros candidatos pondo em causa os resultados eleitorais ainda antes das eleições. Da importância do Congo derivou um envolvimento sem precedentes - excepto talvez na Namíbia - da Comunidade Internacional que veio a considerar o acto como «livre e justo» embora não isento de incidentes menores.
Os confrontos do último fim-de-semana tiveram como habitualmente nestas circunstâncias uma origem difícil de determinar, embora seja aceite que por um lado os rivais de Kabila preparavam enorme agitação a poucas horas de conhecidos os resultados, que o próprio Joseph Kabila e os seus conselheiros não esperavam não vencer à primeira volta.
Conhecidos os resultados começaram as escaramuças. De acordo com fontes do DPKO (Departamento de Operações de Manutenção de Paz da ONU) os confrontos agravaram-se quando a Guarda Presidencial tentou desarmar os guarda-costas de Bemba (um verdadeiro exército). Daqui aos confrontos com armas pesadas foi um passo. Como sucedeu em Angola a oposição manteve uma reserva armada que se opôs às forças regulares congolesas e só a intervenção dos capacetes azuis e da força da UE puseram termo ao pré-conflito. Mesmo assim com o reforço de ambos os corpos com reservas estacionadas em países vizinhos ou fora da capital Kinshasa.
O problema de fundo para Kofi Annan e a UE é como estabilizar esta situação e criar um ambiente que permita a segunda volta em final de Outubro e uma situação estável para além disso. Em simultâneo com as espingardas os candidatos contam apoios. Kabila já conseguiu o apoio de alguns candidatos que ficam pela primeira volta, mas Bemba procura o apoio de um dos mais ferozes inimigos de Kabila: Etienne Tshisekedi, um veterano influente no Kasai. Tshisekedi começou por recusar candidatar-se decidindo o contrário depois de encerrado o período de apresentação de candidaturas. O velho político culpa Joseph Kabila. Mas os seus votos poderão não ser suficientes para dar a Jean-Pierre Bemba a maioria de 50 por cento mais um; garantidos que estão à partida os 44,8 por cento do actual Presidente.
A ONU, como fez em Angola, apela a uma cimeira entre os dois homens para serenar os ânimos. É duvidoso que tal cimeira dê resultados. A ponderação do reforço de capacetes azuis com forças da União Africana e da Europa (agora preocupada com o Líbano) poderá ser uma solução bastantes mais eficaz para permitir uma segunda volta e estabilizar o Congo no período que se seguirá. A neutralização do Uganda e Rwanda serão essenciais.