Opinião
Miles Keynes e pragmatismo
Enquanto não aceito o convite do Museu do Cairo para ser definitivamente empalhado, por pertencer a outra dinastia, vou mantendo uns diálogos com a juventude, da dita "geração rasca", como certos "bem-pensantes" a classificaram (salvo seja).
Enquanto não aceito o convite do Museu do Cairo para ser definitivamente empalhado, por pertencer a outra dinastia, vou mantendo uns diálogos com a juventude, da dita "geração rasca", como certos "bem-pensantes" a classificaram (salvo seja).
São uns espécimens que em geral encontro em sede de jogo ou cinema, universitários e licenciados, alguns jogadores internacionais do nobre jogo de bridge, outros meros principiantes, mas todos (as) com aquela centelha de intelecto, ousadia e chiste que me deixam saudosos da minha juventude e invejoso da deles.
Entretanto são também uma cambada inculta, pelo menos nos paradigmas exigentemente estatuídos na minha época (lá saberão outras coisas, possivelmente bem melhores), e que me vão ouvindo porque todos trocamos profusamente piadas inconvenientes, num léxico comum de palavras excessivas e idiossincrasia politicamente incorrecta. De certa forma fico enternecido, um pouco mini-Aristóteles com uma esperança em algum Platão, nestes diálogos a várias vozes.
Há dias, com uma profusão de Super Bock e Bushmills, entramos em filosofia e eu apliquei-lhes uma dose do que a minha geração se superioriza em 5 para 1, isto é, música.
Então, com o sistema de som a bufar, e depois de um Led Zeppelin e um Santana com Wayne Shorter, dei o golpe de misericórdia com uma série Miles Davis de tirar a respiração. Com uma certa estranheza minha, eles estavam preparados para o dito, e absorveram, um tanto surpresos (com explicações off, também tinha que ser), a genialidade, inovação e abertura de caminho que, para mim, no século XX, deixaram para trás Stockhausen, Stravinsky, Hindemith, Satie etc.
Num certo momento, já tudo devia estar tão entornado em horas tardias que a conversa passou dum arpeggio do "Colours" para a política! Assim, subitamente…
Na musica de fundo estavam com o Miles, o Chick Corea, o Tony Williams e o Ron Carter, mas o tema era a crise de 1929 e a de 2007/8. Quando entrou o Keynes e a receita da Grande Depressão, a iliteracia politico-económica dos juvenis convivas veio ao de cima. Nem sabiam adequadamente "quem é o bicho" - como desrespeitosamente disse alguém. Vejam a minha frustração: Se o Keynes não era topado, como podia eu sair com o meu número de desancar no homem, com a famosa tirada: "No seu tempo foi um génio, agora deixou uns empecilhos fora de tempo"?
Ainda consegui um bocado de atenção, com a explicação "desenvolvimentista". Estabelece-se um défice, fazem-se obras públicas (nem que seja abre buraco-tapa buraco, como reza a historieta), cria-se emprego, as pessoas consomem e a economia cresce. Há crise? Desvaloriza-se a moeda e fecham-se as fronteiras. Coisas assim.
Mas quando entrei no busílis: "Com mercados livres, emissão de moeda bem controlada e globalização, só se cresce qualitativamente com iniciativa dos empreendedores, inovação e exportação, se não, até o Zimbabwe nos ultrapassa!", o que me valeu foi mesmo o Zimbabwe, porque ainda ouvi um céptico exclamar: "Bolas! Até aquela malta do Mugabe!?".
Claro que fui logo chamado à pedra com uma piadola cinéfila de excelente design: "Com o que todos estão a fazer, a começar pelos Estados Unidos, então estamos "Future to the back". Após a risota subsequente e uma passagem pelo Huey Lewis, de que eu sou fã incondicional (o tema do "Back to the future" é dele), voltamos ao assunto inicial, embora já com a justificável desmotivação.
Então, a pedido, lá disse a palavra final de Salvação, ao fim e ao cabo, uma banalidade absoluta para quem não milite ideologicamente em coisa alguma, de modo dogmático: Está estabelecido um prático consenso pelo mundo fora, no plano da governação, no sentido de que a saída da crise passa pelo investimento público e repescagem de empresas estratégicas falidas. Desde que não se destruam os mercados livres e concorrenciais e a boa inovação financeira, que permitiram o extraordinário crescimento mundial de quase 5% ao ano na última década (com o Portugal socializante no galvanizador ritmo de pouco mais de 1%), então porque não? Ninguém sabe o que vai sair, mas o que vale é o que funcione, não as ideologias puras como a água do Marão.
E sempre ocultando a famosa frase de Hoover: "Bem aventurados os jovens, pois eles herdarão a dívida pública".
São uns espécimens que em geral encontro em sede de jogo ou cinema, universitários e licenciados, alguns jogadores internacionais do nobre jogo de bridge, outros meros principiantes, mas todos (as) com aquela centelha de intelecto, ousadia e chiste que me deixam saudosos da minha juventude e invejoso da deles.
Há dias, com uma profusão de Super Bock e Bushmills, entramos em filosofia e eu apliquei-lhes uma dose do que a minha geração se superioriza em 5 para 1, isto é, música.
Então, com o sistema de som a bufar, e depois de um Led Zeppelin e um Santana com Wayne Shorter, dei o golpe de misericórdia com uma série Miles Davis de tirar a respiração. Com uma certa estranheza minha, eles estavam preparados para o dito, e absorveram, um tanto surpresos (com explicações off, também tinha que ser), a genialidade, inovação e abertura de caminho que, para mim, no século XX, deixaram para trás Stockhausen, Stravinsky, Hindemith, Satie etc.
Num certo momento, já tudo devia estar tão entornado em horas tardias que a conversa passou dum arpeggio do "Colours" para a política! Assim, subitamente…
Na musica de fundo estavam com o Miles, o Chick Corea, o Tony Williams e o Ron Carter, mas o tema era a crise de 1929 e a de 2007/8. Quando entrou o Keynes e a receita da Grande Depressão, a iliteracia politico-económica dos juvenis convivas veio ao de cima. Nem sabiam adequadamente "quem é o bicho" - como desrespeitosamente disse alguém. Vejam a minha frustração: Se o Keynes não era topado, como podia eu sair com o meu número de desancar no homem, com a famosa tirada: "No seu tempo foi um génio, agora deixou uns empecilhos fora de tempo"?
Ainda consegui um bocado de atenção, com a explicação "desenvolvimentista". Estabelece-se um défice, fazem-se obras públicas (nem que seja abre buraco-tapa buraco, como reza a historieta), cria-se emprego, as pessoas consomem e a economia cresce. Há crise? Desvaloriza-se a moeda e fecham-se as fronteiras. Coisas assim.
Mas quando entrei no busílis: "Com mercados livres, emissão de moeda bem controlada e globalização, só se cresce qualitativamente com iniciativa dos empreendedores, inovação e exportação, se não, até o Zimbabwe nos ultrapassa!", o que me valeu foi mesmo o Zimbabwe, porque ainda ouvi um céptico exclamar: "Bolas! Até aquela malta do Mugabe!?".
Claro que fui logo chamado à pedra com uma piadola cinéfila de excelente design: "Com o que todos estão a fazer, a começar pelos Estados Unidos, então estamos "Future to the back". Após a risota subsequente e uma passagem pelo Huey Lewis, de que eu sou fã incondicional (o tema do "Back to the future" é dele), voltamos ao assunto inicial, embora já com a justificável desmotivação.
Então, a pedido, lá disse a palavra final de Salvação, ao fim e ao cabo, uma banalidade absoluta para quem não milite ideologicamente em coisa alguma, de modo dogmático: Está estabelecido um prático consenso pelo mundo fora, no plano da governação, no sentido de que a saída da crise passa pelo investimento público e repescagem de empresas estratégicas falidas. Desde que não se destruam os mercados livres e concorrenciais e a boa inovação financeira, que permitiram o extraordinário crescimento mundial de quase 5% ao ano na última década (com o Portugal socializante no galvanizador ritmo de pouco mais de 1%), então porque não? Ninguém sabe o que vai sair, mas o que vale é o que funcione, não as ideologias puras como a água do Marão.
E sempre ocultando a famosa frase de Hoover: "Bem aventurados os jovens, pois eles herdarão a dívida pública".
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