Opinião
Marques Mendes: "Governo ligeiramente melhor" mas "aquém das expectativas"
As notas de Marques Mendes no seu comentário semanal na SIC. O comentador fala sobre o novo Governo, a possível ida de António Costa para Bruxelas, a guerra na Ucrânia entre outros temas.
O NOVO GOVERNO
- É um governo ligeiramente melhor que o anterior, mas aquém das expectativas de uma maioria absoluta. Aspetos positivos: um governo paritário (9 ministros e 9 ministras); tem um número dois claro e credível; é um governo profissional no plano político. Aspetos negativos: é um governo dos fiéis do PM (menos Pedro Nuno Santos); a saída de Siza Vieira da Economia é uma decisão má e injusta (estava a fazer bom trabalho); é um Governo muito de Lisboa e pouco do país, para quem tanto apregoa a descentralização. Uma dúvida reforçada: vai ser um governo reformista ou vamos continuar a caminho da cauda da UE?
- Posto isto, vamos aos altos e baixos:
- Ministros mais poderosos: Mariana Vieira da Silva e Fernando Medina.
- Medina é poderoso. Todos os Ministros das Finanças são poderosos.
- Mariana Vieira da Silva é diferente. É uma super Ministra. É número dois do Governo; manda no processo legislativo, nos Fundos Europeus e na Função Pública. Uma Ministra superpoderosa.
- Assim se vê quem o PM gostava que lhe sucedesse. A questão é que não é o PM quem escolhe o seu sucessor como líder do PS.
- Grandes surpresas: Elvira Fortunato, Adão e Silva, Helena Carreiras.
- A nova MDN é competente e pode vir a ser uma surpresa agradável.
- Adão e Silva é uma boa escolha. Tem qualidade. Mas não devia deixar as Comemorações do 25 de Abril poucos meses depois de ser nomeado. Indo para o Governo PS, legitima a crítica dos que diziam que não era independente para dirigir as Comemorações.
- Elvira Fortunato. É a grande surpresa deste Governo. Uma grande cientista. Uma grande escolha. Uma grande oportunidade.
- Promoções esperadas: todas expectáveis.
- João Costa: de um modo geral a comunidade educativa reconhece que foi um bom SE. A promoção é natural.
- Ana Catarina Mendes: uma fiel do PM no partido. Normal a promoção.
- José Luís Carneiro: outra promoção óbvia. Um MAI sereno e sensato.
- Duarte Cordeiro: a promoção mais relevante e justa. É um político competente; tem sido o braço esquerdo do PM (o direito é Mariana Vieira da Silva); tem um grande ministério; e tem um ministério capaz de o ajudar a preparar-se para o seu grande objetivo: a CM de Lisboa.
- Maiores riscos: Economia, Justiça e Agricultura.
- A Ministra da Agricultura é uma inexistência. Mantê-la é um erro. Fica a ideia de que o PM não arranjou ninguém para a substituir.
- Catarina Sarmento e Castro: uma académica sem perfil para a Justiça. Precisava-se de uma ministra mais executiva, tipo Alexandra Leitão.
- António Costa Silva. Um excelente conselheiro. Culto, preparado, conhecedor, cheio de mundo. Receio é que seja mais um filósofo da economia que um ministro prático e eficaz. Acrescem duas contradições: é especialista em energia, mas não tutela a energia; é o "pai" do PRR mas não vai tratar do PRR.
- A continuidade: quatro ministros, quatro razões distintas.
- Ana Mendes Godinho é uma das ministras prediletas do PM.
- Marta Temido ganhou grande estatuto com a pandemia.
- Ana Abrunhosa saiu-se bem até aqui e agora foi reforçada (tem a área da descentralização e autarquias locais).
- Pedro Nuno Santos. É o mais provável sucessor de António Costa. Com um estatuto partidário forte. Tem agora uns anos pela frente para construir uma imagem de Estado.
- Um meio ministro: João Gomes Cravinho. Um Ministro politicamente diminuído. Dizem os jornais (Sol e Público) que sai da Defesa por imposição do PR. A seguir, o PM põe-no no MNE, mas tira-lhe metade do Ministério e logo a parte mais importante (Assuntos Europeus). Aceitou o que Santos Silva nunca aceitaria (ser meio Ministro). Nunca mais será levado a sério: nem pelo PR, nem pelo PM, nem pelo próprio Ministério.
COSTA NA EUROPA EM 2024?
- Esta legislatura vai até ao fim ou termina em 2024? A questão é mais que pertinente. Em julho de 2024 vamos ter provavelmente uma de duas realidades: ou temos eleições antecipadas com a saída do PM para Bruxelas; ou temos um PM em crise de confiança por não poder sair para a Europa. Explicando:
- Em julho de 2024 ocorre a escolha dos novos dirigentes da UE;
- O PM tem grandes hipóteses de ascender a Presidente do Conselho Europeu, cargo para o qual já foi convidado em 2019;
- Para aceitar o cargo, tem de deixar de ser PM (igual a Durão Barroso);
- Só que a saída do PM pode dar origem a eleições antecipadas.
- Se o PR decidir pelo cenário de eleições, admito que António Costa já não saia para Bruxelas. Nessa altura, vai ser o próprio a entrar em crise de confiança: por ficar no Governo a contragosto, frustrado e contrariado. O que é compreensível: o PM tem a legítima ambição de exercer um cargo europeu; está bem preparado para tal; está prestigiado em Bruxelas. Tudo ajuda, menos o calendário político.
- De resto, esta é, a meu ver, uma das explicações para o PM ter dividido o MNE em dois e ter colocado o SEAS na sua dependência. Assim, controla melhor todos os contactos e negociações com vista à sua eventual ida para a Europa. Tiago Antunes, o novo SEAS, será uma espécie de Mário David de António Costa. Mário David, para quem não sabe, foi o colaborador de Durão Barroso que, em segredo, tratou da sua ida para Bruxelas em 2004.
A ÚLTIMA DERROTA DE RUI RIO
- Rui Rio estava para se despedir da liderança do PSD com uma derrota pesada: a derrota de 30 de Janeiro, que foi a sua quarta derrota como líder do PSD. Agora, depois do resultado eleitoral na emigração, despede-se com uma derrota humilhante. Ainda pior que a anterior.
- De facto, o resultado do PSD no círculo da Europa é uma verdadeira humilhação:
- O PSD tinha eleito um deputado em 30 de Janeiro;
- Rui Rio tudo fez para dar azo à repetição das eleições;
- Depois, até acalentou publicamente a ideia de eleger dois deputados;
- Afinal, nem sequer conseguiu manter o deputado que tinha eleito em Janeiro.
- Sai da liderança com menos deputados do que elegeu em 2019, sendo que em 2019 o resultado já tinha sido mau.
- Só não se percebe por que é que ainda se agarra tanto ao lugar, em vez de o ceder rapidamente a outro. Um enigma!
OS FUNDOS EUROPEUS
- Falando da Europa, vale a pena ver onde param os fundos que recebemos da UE. Há semanas, vimos o estado da bazuca. Agora, faz sentido ver como está o Portugal 2020 (os fundos europeus tradicionais que acabam no fim de 2023).
- Até ao momento, o valor aprovado ascende a 30,5 mil milhões de euros. E como está distribuído? Para onde tem ido o dinheiro?
- Primeiro: a maior parte destes fundos tem ido para o Estado: Estado central, autarquias locais, Regiões Autónomas, Universidades (77,7%). Só 22,3% das verbas têm sido canalizadas para empresas. Nos primeiros 20 beneficiários só há Estado. Não há qualquer empresa. E nos primeiros 40 beneficiários só há 2 empresas envolvidas. Esta tendência é muito negativa.
- Segundo: dentro das verbas canalizadas para empresas, quem mais beneficia? As grandes ou as pequenas empresas? Os números são claros: 76,8% das verbas têm ido para PME e microempresas. Só 23,2% têm chegado às grandes empresas. Aqui, a tendência é positiva.
- Terceiro: onde se situam geograficamente alguns dos principais beneficiários? Os Municípios mais beneficiados estão a Norte: Matosinhos, Porto e Gaia. As Universidades mais contempladas estão no Norte e Centro: Minho, Aveiro, Porto e Coimbra. Em conclusão: ao contrário do que habitualmente se diz, os fundos europeus não têm privilegiado a capital do país. Em termos de coesão é a tendência correta.
O ESTADO DA GUERRA
- Nuno Severiano Teixeira, um especialista em defesa e segurança, escreveu esta semana no Público uma frase lapidar: "Ele (Putin) cometeu um erro trágico. Disparou o primeiro tiro. O tiro está a sair-lhe pela culatra." Esta frase explica bem o estado atual da guerra e o futuro que se antecipa para a Rússia.
- A guerra está num impasse: as negociações de paz estão bloqueadas; militarmente, a Rússia continua a não ganhar; do ponto de vista humanitário, agrava-se a calamidade. A grande dúvida é: o Ocidente tem feito tudo o que pode para ajudar a Ucrânia? Eu diria, quase tudo: falta cortar com a importação do gás russo. Se o fizesse seria um rombo financeiro fatal para a Rússia. Só que o Ocidente não o pode fazer. Não tem alternativa imediata.
- Este impasse é muito perigoso. Pode levar a mais desespero e irracionalidade:
- Desespero da Rússia: Putin está a perder politicamente; e não está a ganhar no terreno militar. Isto gera desespero. Putin desesperado pode tornar-se mais perigoso.
- Desespero de Zelensky: o presidente ucraniano quer mais aviões e mais tanques. É normal e humano. Só que a NATO não pode ultrapassar as barreiras que fixou. É a diferença entre uma guerra local ou mundial.
- Desespero com a ONU: a ONU tem sido uma impotência. Até para tratar dos corredores humanitários. Não culpo Guterres nem defendo a extinção da ONU. Mas há que mudar. Se a ONU não consegue agir para que serve a ONU?
- Até a irracionalidade retórica do Presidente Biden. Nós sabemos que Putin é um carniceiro e um criminoso de guerra. E podemos dizê-lo. Não somos Presidentes. Mas Biden não deve fazê-lo. Agrava a retórica da guerra e pode fechar portas de diálogo que a diplomacia nunca deve fechar.
- China: pode ser uma peça chave. Os EUA já a pressionaram para não apoiar a Rússia. O mesmo vai fazer a UE, na Cimeira UE/China do próximo dia 1 de Abril. A China precisa economicamente da UE.