Opinião
Lisboa. Que fazer com as próximas eleições...
Aí estão as eleições intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa. São conhecidas as vicissitudes que conduziram à situação actual mas não parece ser igualmente claro o que está em jogo na luta eleitoral que (já) se iniciou.
Quanto ao que aconteceu trata-se, sem qualquer dúvida, de um processo de características eminentemente políticas provocado pela conjugação de razões nascidas na dinâmica interna dos principais partidos com razões geradas por actuações erráticas e procedimentos menos transparentes dos intervenientes políticos visados.
E, no entanto, em Lisboa está em jogo muito mais do que isso. Em Lisboa joga-se, também e sobretudo, "competitividade" e "inovação" na economia portuguesa. De facto, a competitividade de uma economia moderna e a sua capacidade de inovação constrói-se a partir das suas cidades. Em Portugal apenas Lisboa e a sua área urbana – a Grande Lisboa – podem, eventualmente, ainda ter algum papel activo a desempenhar na redistribuição da riqueza que se joga no interior da UE alargada no contexto, mais vasto, da redistribuição do poder económico determinado pelo processo de globalização.
Não é possível "olhar" seriamente para Lisboa sem relacionar com a "Estratégia de Lisboa", o "Portugal em Movimento" ou o "Plano Tecnológico" (consoante o quadrante político do observador), sob pena de falhar o essencial.
Esta é a verdadeira importância do que está em jogo em Lisboa mas é também a medida da distância que, no nosso país, separa a "espuma política" da dura realidade que determina, efectiva e quotidianamente, o desenrolar das nossas vidas.
As próximas eleições deveriam ver o debate político centrado na escolha de um "conceito" para Lisboa, melhor, para a Grande Lisboa, na confrontação entre diferentes "propostas" para o papel desta grande área urbana no desenvolvimento da economia e da sociedade portuguesa.
Temos de debater os modelos alternativos de convergência entre o processo político – a gestão da cidade e das suas áreas de influência – o processo económico – o reforço das condições de competitividade da região e das empresas nela localizadas – e o processo social – o regresso das pessoas à cidade, a inclusão social (com especial ênfase nos reformados, desempregados e emigrantes) e a cultura. E este modelo tem de responder à questão de fundo das alterações climáticas que, inexoravelmente, vão condicionar o nosso modo de vida urbano deste sec. XXI (em que, convém não esquecer, já entrámos).
Deveríamos discutir de que modo estas opções vão condicionar a organização e a renovação do espaço urbano, a articulação da cidade com a sua "interland", a dupla articulação emprego/formação e investigação/negócios, a criação de parcerias financeiras flexíveis e abrangentes capazes de financiar a criação dos contextos necessários e adequados à construção do futuro que se deseja (ou pode desejar).
O debate político que se impõe, em Lisboa, nesta campanha eleitoral da Primavera de 2007, deve abarcar temas que, na sua maioria, integram o conjunto de matérias que são hoje estratégicas para a sociedade portuguesa.
Que "Economia" para Lisboa, no séc. XXI? Que papel pode (e deve) vir a desempenhar nas redes europeias de criação e distribuição de valor? Quais as actividades económicas, as tecnologias, as alianças empresa/investigação e os modelos empresariais e de financiamento a apoiar e promover na área da Grande Lisboa.
Como compatibilizar tudo isto numa dinâmica ecologicamente sustentável, i.e. como começar a preparar, desde já, um modelo de "vida urbana" energeticamente eficiente e que não destrua sistematicamente a qualidade do "espaço", do "tempo", enfim, a nossa qualidade de vida urbana.
Como estruturar o poder administrativo na "Grande Lisboa"? Qual o modelo de organização administrativa capaz de concretizar as suas potencialidades económicas e de levar Lisboa a assumir decisivamente o papel dinamizador da modernização económica e social do nosso país (o que é o mesmo que dizer como concretizar o desafio da "descentralização administrativa" sem cair na armadilha de "regionalização").
Como inserir a cidade e a sua região nas redes logísticas globais? Que futuro para as suas ligações aéreas, ferroviárias e marítimas? (ie, Ota, TGV e as vocações da área ribeirinha sem cair no simplismo do alinhamento partidário, tipo "Benfica-Sporting").
Como financiar o "futuro"? Numa situação em que as receitas da autarquia lisboeta são insuficientes para pagar (sequer) o seu funcionamento (e, muito menos, a sua dívida), há que encontrar os modelos e os instrumentos adequados para atrair os interesses empresariais privados (não imobiliários) à participação no desenvolvimento da cidade.
Como modernizar as estruturas e os procedimentos administrativos? Nas autarquias, continuamos a utilizar instrumentos, processos e métodos de trabalho próprios do final do séc. XIX para gerir a realidade do séc. XXI. As irregularidades e incorrecções que têm sido expostas são, não apenas, consequência de fenómenos de (possível) corrupção, mas também e sobretudo consequência da manifesta inoperacionalidade dos procedimentos existentes por total inadequação à realidade actual.
Como atrair os jovens e integrar as novas comunidades? Como apoiar uma oferta cultural moderna e plural que não seja uma simples subsidiação a actividades desligadas do público e das suas preocupações?
Como ajudar a consolidar um novo grupo de empresários modernos, mais inclinados ao risco, à inovação e ao mercado aberto e concorrencial? Que parques empresariais e que parcerias associando empresas, universidades e financiadores devem ser (politicamente) apoiados para criar uma nova dinâmica empresarial, moderna e inovadora?
Mas, quando baixamos à Terra e olhamos a realidade, somos confrontados com a medida da nossa incapacidade para termos uma palavra que efectivamente conte sobre o nosso futuro. Pois se nem a "Grande Lisboa" como unidade orgânica com efectivo poder de intervenção existe, quanto mais a sensibilidade para o que realmente é importante.
Esperemos que a campanha eleitoral que aí vem seja uma oportunidade para afastar o debate público do "umbigo da política" e o elevar à altura de reflexão sobre o "futuro da cidade" e a "qualidade de vida urbana" que queremos construir. É um debate que interessa a todo o país e não apenas aos lisboetas já que Lisboa e a sua "interland" é uma das raras capacidades de actuação económica a nível europeu que (ainda) nos resta.
Apesar de ser curto o mandato, dois anos, para a equipe que vai ser eleita, vale a pena começar a mudar os comportamentos e os horizontes de reflexão. E tudo começa com a escolha dos candidatos?