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08 de Agosto de 2008 às 13:06

Jornalistas à porta da rua

É uma fotografia dramática, publicada no "Diário de Notícias": um grupo de jornalistas, à porta de "O Primeiro de Janeiro" - aguarda. Aguarda, quê? Que o seu destino seja resolvido. A porta está fechada: uma metáfora do que acontece. A ERC declara algo de embrulhado em santas intenções; o ministro Santos Silva faz o que tem por hábito fazer: diz coisas.

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É uma fotografia dramática, publicada no "Diário de Notícias": um grupo de jornalistas, à porta de "O Primeiro de Janeiro" - aguarda. Aguarda, quê? Que o seu destino seja resolvido. A porta está fechada: uma metáfora do que acontece. A ERC declara algo de embrulhado em santas intenções; o ministro Santos Silva faz o que tem por hábito fazer: diz coisas.

Os jornalistas aguardam. Estou ali com eles. A minha débil e rouca voz protesta os protestos dos meus camaradas. Separam-nos muitos anos de idade. Une-nos a força de uma antiga solidariedade, que em si mesma se respeitava como a certeza das grandes esperanças. Eu próprio, várias vezes no desemprego por motivos políticos, obtive a generosa solidariedade de camaradas que pensavam diametralmente oposto ao que eu pensava.

Camaradas, assim mesmo. O poder impetuoso de uma palavra que conferia o timbre próprio de uma particular aristocracia. Tenho muito orgulho em pertencer-lhes. Sinto uma crispada emoção ao saber que me pertencem. Camaradas, assim mesmo. Um dia, Neves de Sousa, um dos grandes do ofício de fazer jornais como quem constrói catedrais de papel, foi abordado por uma jovem estagiária: "O colega é capaz de me informar?…

" Não completou a frase. O Neves era um homem corpulento, grande bebedor, grande pecador, exemplar na defesa de certos redutos sagrados. Um pouco zangado, respondeu: "Minha menina, colegas, são as putas; os jornalistas são camaradas e tratam-se por tu."

"O Primeiro de Janeiro" é um repositório dessa fraternidade exemplar. Nos áureos tempos chegou a atingir tiragens de cento e vinte mil exemplares diários. E o seu director, Manuel Pinto de Azevedo, não escondia as suas tendências democráticas, liberais e republicanas. As pressões e as ameaças veladas eram constantes.

Pinto de Azevedo não só as ignorou, com soberano desprezo, como chegou a contratar jornalistas que não encontravam ocupação em Lisboa, devido às suas convicções políticas.

O matutino era do melhor que se editava na Europa; e, em termos de apresentação gráfica, absolutamente magistral. Em Portugal, era incomparável. Bateu-se pela causa dos aliados, contra o nazi-fascismo, numa época em que uma conduta dessa natureza era perigosíssima. E, na sua Redacção, trabalharam alguns dos maiores nomes do jornalismo português contemporâneo.

Além do que não há gazeta nacional que se ufane de apresentar, como colaboradores, Camilo Castelo Branco, Fialho d'Almeida, Antero, Régio, Torga, Casais Monteiro, por aí fora. A opção cultural foi, também, um dos mais importantes legados de "O Primeiro de Janeiro."

O turbilhão do 25 de Abril abriu portas aos piores aventureirismos. Chegou a estar nas mãos do CDS: um estrago irreparável numa tradição modelar de progressismo e de modernidade.

A trapalhada que permitiu uma situação desacreditante, na qual jornalistas de "O Norte Desportivo" tomam, de inopino, o lugar de outros camaradas, exige, de uma forma ou de outra, a intervenção dos poderes públicos. "O Primeiro de Janeiro", sendo um orgulho do Porto e uma honra da Imprensa, é património nacional.

Ter-se-á de encontrar argumentos mais sérios e mais graves do que aqueles até agora tornados público. Há, notoriamente, um turvo véu que parece ocultar a verdade dos factos, cuja natureza são, até agora, desconhecidos.

O problema apresenta equívocos e ambiguidades de que os jornalistas não são responsáveis. Salários em atraso, evasivas, portas fechadas. Se o Governo quer estar fora de causa, o Estado fica fora de jogo. A morte de um jornal é, sempre e sempre, um empobrecimento do diálogo, o desaparecimento da voz do outro. No caso de "O Primeiro de Janeiro", é uma indignidade.

Naturalmente, também estou naquela fotografia.

APOSTILA 1 - O médico dr. Manuel Pinto Coelho fez publicar, no dia 4, p.p., no "Jornal de Negócios", um texto no qual pretende contrapor as suas razões, às minhas, aduzidas no artigo "Uma Questão de Lana-Caprina", por mim subscrito, na coluna de 20 de Junho, p.p. Nada tenho a acrescentar ou a subtrair ao que disse. A questão reside no antagonismo entre "público" e "privado", e pode atingir dimensões superlativas quando se discorre sobre o tratamento de toxicodependência. O que é o caso. Num pormenor o dr. Pinto Coelho tem razão: escrevi "blogue" quando devia ter escrito: "site." Desvanecido e grato agradeço a fértil correcção.

APOSTILA 2 - Paulo Portas, sempre ele, vai promover um debate, sob os auspícios do CDS-PP, acerca do escritor russo Alexandre Soljenitsine, "herói da liberdade." Será, de certeza, um encontro interessantíssimo. Sobretudo quando os oradores falarem dos elogios feitos pelo escritor a Pinochet e a Franco; dos vitupérios à Revolução do 25 de Abril; e das diatribes aplicadas aos norte-americanos "por terem abandonado a nobre cruzada no Vietname." Quanto à denúncia do Gulag, já muito antes dele outros mais o haviam revelado. Verdade também seja dita que os ecos desses horrores encontraram ouvidos de mercador.

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