Opinião
Jorge Marques: Onde outros, com outros olhos
Tudo o que se aponta como crítica e deficiências dos nossos gestores tem relativamente pouco a ver com a escola, mas sim com a aquisição de competências efectivas de ordem comportamental e sobretudo emocional.
Isto vem a propósito dos resultados de um inquérito realizado a gestores expatriados em Portugal, quando lhes foi pedida opinião sobre os seus colegas portugueses. Aliás este trabalho tem merecido ampla divulgação na imprensa, na rádio e na televisão.
Eu gostava de começar por dizer que a nossa primeira tentação, quando falam de nós e sobretudo quando nos criticam negativamente, é arrasar esse foco crítico. É evidente que o estudo vale o que vale, estamos a falar da percepção de pessoas que são tão bons ou tão maus como os gestores portugueses, que nos inquiridos há um excesso de opinião dos ingleses que tem sempre dificuldade de perceber o mundo para cá do canal, que a universidade que fez o estudo também é inglesa e pode sofrer da mesma doença… etc.
Eu penso que não é isso que está em causa e que é nossa obrigação ouvir o que os outros pensam de nós, analisar e discutir a importância dessas opiniões, para que alguma coisa se modifique para melhor. Nesse sentido, este trabalho é bem vindo e deve ultrapassar a barreira da simples especulação jornalística, deve merecer discussão em sede própria.
Quando olhamos bem para este trabalho, verificamos também que os principais problemas que ali são referidos, residem em deficiências da gestão de topo das empresas, o que não é muito hábito em Portugal. Em resumo, dizem que os nossos gestores:
– são autocráticos e não gostam de trabalhar em equipa;
– não são orientados para as necessidades do cliente e dos accionistas;
– Não tem estratégia claramente delineada;
– são mais individualistas que cooperantes;
– não se dedicam à excelência do serviço ao cliente;
– preferem não planear o seu trabalho;
– são demasiado formais nas suas relações e são obcecados pelo uso de títulos académicos;
– são maus gestores do seu tempo;
– são desorganizados e ineficazes.
No capítulo das conclusões, critica-se negativamente e sobretudo a liderança estratégica e o estilo de gestão, em matérias como a tomada de decisão, a falta de uma cultura de serviço ao cliente, uma cultura de presentismo, onde o que conta são as horas que se passam na empresa. Como primeira análise, descontando tudo o que se quiser dizer quanto à validade deste estudo, há quanto a mim um primeiro aspecto extremamente importante e do qual poucas vezes se fala. Em matéria do sucesso, do desempenho e dos resultados das empresas, os seus principais responsáveis são os gestores ao mais alto nível e não a chamada base da pirâmide, como é costume apontar-se quando as coisas correm mal. É aí que as mudanças de fundo tem que ocorrer. Isto é, por exemplo, quando falamos de produtividade, devemos falar da produtividade da gestão. Logo aqui, somos obrigados a entrar de imediato na forma em como se gerem as pessoas em Portugal, uma disciplina que é das maiores lacunas nos nossos gestores e onde as mudanças tem sido praticamente inexistentes. Autocracia, trabalho em equipa, estratégias partilhadas, individualismo, excelência de serviço, planear o trabalho, excesso de formalidade, são tudo questões que se prendem com a gestão dos recursos humanos nas organizações.
Mas é curioso verificar aqui, que penso exactamente ao contrário do sentido para que aponta este estudo. O atraso desta capacidade de liderar e gerir pessoas, sobretudo nas empresas que podiam ser pioneiras nestas matérias, deve-se sobretudo à importação cega de modelos estrangeiros, mal traduzidos para a realidade portuguesa, que não tem qualquer tipo de aderência, que não conduzem a qualquer tipo de identidade e adesão às organizações e que acabam por ser implementados, como se fossem os diplomas da Praça de Londres.
Neste sentido, estou de acordo que é preciso mudar, mas mudar comportamentos e atitudes e não substituir diplomas legais e acordos colectivos, por modelos de gestão que são verdadeiros atentados à inteligência, inflexíveis e que se comportam como as práticas anteriores, só porque são estrangeiros.
Discordo também da terceira recomendação deste estudo, que fala da formação em gestão como uma das grandes soluções. A formação de gestão em Portugal, ao que se diz, é medíocre, os currículos são pedantes e os cursos de licenciatura são fábricas de diplomas. Claro que isto é verdade! Mas as soluções trazidas para muitos dos cursos de pós-graduação, mestrados, MBA,s, por universidades estrangeiras, não tem produzido alterações relevantes nesta matéria, pelo contrário, tem acentuado uma das tendências que agora se critica, que é a de que os gestores portugueses vivem obcecados pelos títulos académicos.
Tudo o que se aponta como crítica e deficiências dos nossos gestores, tem relativamente pouco a ver com a escola, mas sim com a aquisição de competências efectivas de ordem comportamental e sobretudo emocional. As necessidades mais prementes, estão localizadas na falta de competências:
– relacionais
– de trabalho em equipa
– de resolução de conflitos
– de resistência ao stress
– para motivar e se auto-motivar
– para inovar
– para liderar
– para auto-aprender
Ora isto não se aprende nas escolas, nem pode, isto aprende-se e adquire-se com o exercício efectivo destas competências dentro das organizações, no contexto de aprendizagem das organizações, seja a nível técnico, mas sobretudo emocional. Foi o abandono desta complementaridade na aprendizagem, a sua verdadeira alienação, que dificulta hoje o verdadeiro sentido da acção e da tomada de decisão consequente dos nossos gestores.
Foi também o excesso de oferta universitário pouco qualificado, o tal brilho dos títulos académicos, que mataram o resto, não se sabendo bem hoje se as universidades, onde se devia aprender a liderança e gestão, ajudam as empresas ou se são as empresas que estão a ajudar à sobrevivência das universidades.
Jorge Marques
partner da SERH
docente universitário
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Artigo publicado no Jornal de Negócios – suplemento Negócios & Estratégia