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Luís Marques Mendes 23 de Abril de 2023 às 21:36

"Governo está preocupado com queda nas sondagens e hipótese de eleições antecipadas"

No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre a visita de Lula da Silva a Portugal e o 25 de Abril, a hipótese de eleições antecipadas e uma sondagem que será revelada na segunda-feira, o aumento das pensões, a "trapalhada" da TAP e os 50 anos do PS, entre outros temas.

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LULA EM PORTUGAL

1.     Esta visita de Lula da Silva a Portugal está, infelizmente, "ensombrada" pela questão da Ucrânia. Vê-se nos noticiários; nas Conferências de Imprensa sem perguntas; no facto de Lula ter recusado assistir à cerimónia do 25 de Abril. E, todavia, esta visita tinha todas as condições para ser um sucesso.

·      Primeiro, Lula, ao contrário dos ex-Presidentes Bolsonaro e Dilma Rousseff, é um Presidente que gosta de Portugal e tem uma relação afetiva com o nosso país.

·      Segundo, é a primeira viagem de Lula da Silva à Europa. Portugal devia ter enfatizado esta distinção, evitando "misturá-la" com polémicas.

·      Terceiro, o Brasil é essencial para a dimensão lusófona da nossa política externa. Não há CPLP sem o Brasil e o seu empenho ativo.

·      Finalmente, há seis anos que não há Cimeiras Luso-Brasileiras e Lula quis retomá-las, acabando com a política de costas voltadas.

 
2.     A visita até tem corrido bem. Mas perdeu-se a oportunidade de fazer dela um grande sucesso, por clara precipitação das autoridades portuguesas. Esta visita nunca devia ter sido "misturada" com o 25 de Abril. Foi um erro. Um erro agravado pelas declarações de Lula sobre a Ucrânia. Não ganharam as relações Portugal/Brasil e também não ganharam as comemorações do 25 de Abril.

·      As celebrações do 25 de Abril também estão "ensombradas". Em vez de termos o Parlamento a celebrar Abril, a refletir sobre os problemas da democracia ou sobre os novos desafios futuros, o que vamos ter é uma clivagem forte em torno de Lula. Uns a elogiá-lo, outros a criticá-lo.

·      Uma viagem de Estado que tinha tudo para ser consensual acaba a dividir o país a meio.

 

CABAZ ALIMENTAR SEM IVA

1.     Ainda é muito cedo para tirar conclusões. Mas o balanço da primeira semana do IVA 0 em vários alimentos parece ter sinais positivos:

·      Primeiro sinal: a versão oficial. Segundo um estudo da ASAE apresentado à Comissão de Acompanhamento do Pacto, que envolve produção, distribuição e Governo, houve uma variação de -6,2% do preço total médio de várias categorias de produtos, entre 17 e 18 de Abril, o dia em que a medida entrou em vigor. Desde logo, nos produtos hortícolas, nas frutas, nas carnes, no peixe fresco, nos lacticínios e nos cereais e derivados.

·      Segundo sinal: a versão mais independente. Segundo a DECO Proteste, em 41 produtos analisados, 39 baixaram de preço, no primeiro dia da entrada em vigor do IVA 0. O impacto maior da descida de preços ocorreu na pescada fresca, no óleo alimentar, no arroz carolino, no arroz agulha, nos ovos e na maçã gala.

 
2.     Acresce, por outro lado, que o tradicional cabaz alimentar da DECO Proteste, com 63 produtos essenciais, também tem indicadores positivos esta semana. Depois de duas semanas de estabilização de preços, agora houve uma melhoria efetiva. Há uma semana o aumento de preços do cabaz – que compara com o início da guerra, em fevereiro de 2022 – era de 23%. Esta semana baixou para 21%. São, todos eles, sinais virtuosos.

 
O AUMENTO DAS PENSÕES

1.     Há duas semanas, no dia de Páscoa, critiquei o Governo por não fazer uma atualização extraordinária das pensões de reforma. Expliquei que isso era injusto: os pensionistas e reformados iam perder poder de compra face à inflação. O Governo anunciou agora um aumento intercalar a partir de julho. Em coerência, só posso elogiar a decisão tomada. É uma medida inteiramente justa. Primeiro, para "equiparar" o rendimento das pensões aos valores da inflação:

·      Sem a atualização intercalar agora anunciada, o aumento acumulado em 2022/2023 das pensões médias seria de 10,5%. Com uma inflação acumulada provável da ordem dos 13%, nestes dois anos, a perda de poder de compra era significativa.

·      Com este aumento intercalar, que vigorará a partir de julho, o aumento acumulado para 2022/2023 já será de 12,7%, muito próximo da inflação acumulada nestes mesmos dois anos.

 
2.     A segunda razão que legitima a justiça desta decisão tem a ver com o futuro. Tendo o Governo decidido manter em vigor a fórmula de atualização das pensões e alterada agora a base de partida para tal atualização, as pensões de reforma mais baixas terão, em 2024, um aumento previsível de 6,1%. O que se traduzirá num aumento real do seu poder de compra, uma vez que a inflação esperada no próximo ano é de 2,9%, de acordo com o Programa de Estabilidade. É mais do que justo. Reformados e pensionistas são os mais vulneráveis dos vulneráveis na nossa sociedade. Não precisam de caridade, mas merecem solidariedade.

 
GOVERNO MUDOU. PORQUÊ?

1.     Claro que o Governo mudou de posição. Em 2022, garantia que ia mudar a fórmula de cálculo das pensões. Por razões de sustentabilidade da Segurança Social. Agora, voltou atrás. Já não vai rever a dita fórmula. Pelo menos para já. Porquê esta mudança? A explicação oficial é de natureza económica: em setembro de 2022, o Governo ainda receava uma recessão. Afinal, esta não só não se confirmou, como as receitas da Segurança Social até têm crescido bem.

 
2.     Mas as verdadeiras razões desta mudança são políticas:

·      Primeiro: o Governo está preocupado com a queda nas sondagens e com a hipótese de eleições antecipadas em 2024. Por isso, quer "segurar" eleitoralmente os seus dois maiores grupos apoiantes: funcionários públicos e pensionistas.

·      Segundo: no caso dos reformados a preocupação é especial, porque são hoje o grande núcleo eleitoral do Governo. Cavaco Silva, nos anos 90, "conquistou" os pensionistas com a criação do 14º mês; com os "cortes" do tempo da troika eles "migraram" para o PS; agora, António Costa não os quer perder, muito menos em vésperas de eleições europeias.

 
3.     Politicamente, esta decisão é também um aviso para a oposição. Se houver eleições antecipadas, há duas realidades inevitáveis: a primeira é que o Governo irá usar todas as folgas possíveis para ganhar eleições e se manter no poder; a segunda é que com eleições antecipadas o adversário de Luís Montenegro não será Pedro Nuno Santos, Fernando Medina ou até Francisco Assis, que, através de entrevista ao Público, se posicionou também como potencial candidato á liderança. Será novamente António Costa. O PM sairá pelo seu pé se as eleições forem em 2026. Mas se houver dissolução está "obrigado" a ir de novo a votos. E isso torna a eleição mais renhida.

 
NOVA TRAPALHADA NA TAP

1.     Quando se espera que na TAP o pior já aconteceu, ficamos logo mais surpreendidos e estupefactos. A trapalhada voltou esta semana:

·      Duas Ministras, a da Presidência e a dos Assuntos Parlamentares, garantiram que havia parecer jurídico sobre a decisão de demitir dois gestores da TAP, mas que não podia ser divulgado. No dia seguinte, o MF veio esclarecer que, afinal, não havia parecer algum.

·      A sensação que fica, para não dizer a certeza, é que há mesmo pareceres jurídicos sobre o assunto. Só que o Governo não os "pode" divulgar, porque são pareceres desfavoráveis às suas teses. Parece o início do caso Alexandre Reis: para começar, ninguém sabia de nada; no final, quase todos sabiam de tudo.

 
2.     O que tudo isto revela é assaz preocupante:

·      Primeiro, uma cultura de mentiras, meias-verdades, truques, falta de respeito e de transparência;

·      Segundo, uma inenarrável falta de coordenação no Governo;

·      Terceiro, a ideia de que coisas sérias são tratadas em cima do joelho. Claro que depois do relatório da IGF tinha de haver um parecer jurídico a habilitar a demissão dos gestores. A verdade é que a IGF lhes aponta falhas graves, mas não fala de "demissão com justa causa".

·      Finalmente, a convicção de que este processo vai acabar mal. Uma decisão correta do ponto de vista político (a demissão) pode ser juridicamente insustentável. Com os dados agora conhecidos, é a conclusão mais provável. Isto depois paga-se em tribunal.


OS 50 ANOS DO PS

1.     A fundação do PS, há 50 anos, foi o primeiro grande momento de visão estratégica de Mário Soares. Ele intuiu que o fim da ditadura estava próximo e que o PS tinha que estar na linha da frente da construção democrática. Arriscou e ganhou. Ganhou logo na manifestação do 1º de maio de 1974, não deixando a liderança política em exclusivo ao PCP. E ganhou as primeiras eleições.


2.     Já depois da Revolução de Abril, há quatro momentos marcantes na vida do PS; há um momento de descalabro; e há um momento que é ainda de incógnita:

a)    Quatro grandes momentos na vida do PS: a luta pela liberdade em 1975; a adesão à Europa nos anos 80; a criação do SNS com António Arnaut; e a eleição dos dois primeiros Presidentes da República civis (Soares e Sampaio). São momentos marcantes para a democracia e para o PS.

b)    Um momento de descalabro: o legado de José Sócrates. Por causa da iminência de uma bancarrota no país; e pelas acusações de corrupção a um PM eleito com maioria absoluta. Aqui, perdeu a democracia e perdeu o PS.

c)     Um momento que é ainda uma incógnita: o momento atual da liderança de António Costa. A grande dúvida é esta: que marca vai deixar o PS destes longos anos de governação?

·      Tem associado a si a marca da geringonça e da segunda maioria absoluta do PS. E António Costa, se chegar a 2026, pode fazer 11 anos consecutivos como PM: um record em Portugal.

·      Mas no país o que mudou com tanto tempo de governação? Que marca fica? Para já, há dois sinais: pela positiva, a preocupação com a redução da dívida pública; pela negativa, um período em que Portugal se aproximou economicamente da cauda da Europa. De um ciclo longo e estável, esperava-se mais.
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