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03 de Outubro de 2008 às 12:59

Governo

A permeabilidade entre governos, negócios e universidades não tem só lados maus. Ela permite que os governos percebam mais de negócios, e introduz teoria e história na acção governativa. As vantagens estão presentemente à vista.

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A solução da crise por que os Estados Unidos estão a passar desde finais de 2007 está a residir sobretudo numa massiva intervenção nos mercados financeiros por parte do governo republicano de George Bush, em fim de mandato. Na Europa, menos afectada, desenham-se soluções semelhantes. De onde vem a ideia da intervenção? É a ideia boa?

Trata-se de uma péssima ideia, mas melhor do que todas as outras que já foram tentadas. Incluindo a de não fazer nada, como aconteceu a seguir ao "crash" de 1929.

Mas de onde veio a ideia de intervenção do Estado e do banco central? A ideia não é nova, claro, mas com esta dimensão é.

Uma das pistas para compreender a massiva intervenção financeira reside na observação dos curricula dos responsáveis.

Um deles é seguramente Ben Bernanke, chefe da Reserva Federal norte-americana. Para além de responsável executivo, tem também responsabilidades teóricas. Com efeito, ele fez doutrina sobre as causas da Grande Depressão.

Segundo Bernanke, o "crash" de 1929 evoluiu para uma depressão, porque os bancos cortaram o crédito acima do que era necessário, ao reagirem, também eles, com pânico à crise da bolsa, não tendo sido ajudados pelo Fed.

Um dia, já membro, mas ainda não presidente, Bernanke disse que o Fed tinha sido culpado pela Grande Depressão, que pedia desculpa, e que isso não voltaria a acontecer.

A ideia da necessidade de intervenção está hoje enraizada no pensamento económico norte-americano. Mas não será despiciendo o facto de Bernanke estar no comando do Fed, ajudando ao governo financeiro do seu país.

Outra peça chave da solução é Hank Paulson, o secretário do Tesouro. Coube-lhe tentar convencer os senadores e congressistas. É um homem saído de Wall Street e sabe que a ideia de salvamento de Bernanke faz todo o sentido. O secretário do Tesouro desenhou uma lei demasiadamente favorável para os seus ex-companheiros da bolsa. Mas a negociação política e os mecanismos de controlo levarão ao redesenho dessa lei.

Tudo seria mais difícil se estas manobras estivessem nas mãos de políticos puros, preocupados apenas com o voto ou com a ideologia.

A alta finança já não trabalha sozinha à porta fechada. Ao contrário, há homens e mulheres que transitam para as salas do governo e vice-versa, levando consigo conhecimentos, segredos e despudor. Com isso, os governos estão mais inteligentes e sabedores.

E por cá, neste país e na União Europeia, como estão as coisas?

Conjunturalmente, não estamos mal com este ministro das Finanças. De facto, Teixeira dos Santos é também conhecedor dos problemas históricos, tendo feito um doutoramento em história financeira portuguesa. Mais ainda, teve a experiência de presidir ao regulador da Bolsa de Lisboa, o que lhe dá seguramente conhecimentos nesse domínio também. E isso nota-se, mais pelo que o ministro não diz do que pelo que diz.

Todavia, em Portugal ainda não houve experiências positivas da passagem de gente dos negócios pelos governos. À direita, as coisas podiam estar melhor, mas o peso do Estado nos grandes negócios faz com que essas passagens dificilmente sejam profícuas. À esquerda, praticamente não há passagens de nota e o que há é a recorrente e excessiva admiração de alguns ministros pela malta dos negócios, como aconteceu já com dois ou três ministros da Economia.

Mas o governo português, em matéria económica e financeira, já tem pouco a dizer. É por isso que os silêncios de Teixeira dos Santos são uma boa demonstração da sua sapiência. A gestão das Finanças está espartilhada (e bem) pelas regras monetárias. A gestão da economia está limitada pela legislação comunitária.

E na União Europeia? O que se nota sobretudo é o silêncio da Comissão, que não tem usado as alavancas de governo de que apesar de tudo dispõe, relegando-se para um segundo plano perante o Banco Central Europeu. Contudo, o futuro terá de ser diferente deste passado recente.

Por agora, a falta de governo europeu faz-se sentir menos. É mais fácil aqui evitar a catástrofe financeira. A Europa é mais experiente em matérias bancárias e financeiras do que os EUA. E os estados membros da UE estão, eles próprios, a tomar conta da situação, com cooperação entre alguns deles.

Todavia, evitar a catástrofe financeira não será suficiente. Um dia, a Europa terá de olhar novamente para o crescimento e para o emprego. Nessa altura, fará falta mais governo.

Governo moderno, claro, com a contribuição de políticos, macro-economistas e homens de negócios. Algo que a CEE, aliás, bem conheceu nos seus primórdios. E que os Estados Unidos, pelos vistos, nunca perderam.

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