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24 de Julho de 2007 às 13:59

Formas

A mão esquerda fecha-se em si mesma. A palma da mão direita bate três vezes na espiral feita pela junção do indicador e do polegar da mão esquerda fechada. Gesto muito conhecido cujo significado pouco pudico, dito em palavras pudicas, seria algo como “ser

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Não faço ideia de como o gesto encontrou o significado – ou como o significado encontrou o gesto. O que sei é que o assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República do Brasil, Marco Aurélio Garcia, fechou a mão esquerda e bateu nela com a palma da mão direita quando viu na televisão a notícia de que o acidente com o avião da TAM, na semana passada, em São Paulo, teria sido provocado por defeito no aparelho, e não na pista, no controlo do tráfego aéreo ou por qualquer outra causa de alguma maneira relacionada com o governo. Ou seja, “a TAM e todos aqueles que pretendem culpar o governo pela tragédia foram submetidos a coito”. Essa é a única leitura possível para o gesto de Marco Aurélio Garcia naquele momento.

O gesto foi feito no interior de um gabinete no Palácio do Planalto e captado por uma câmara que, da rua, bisbilhotava o que se passava lá dentro. Exibidas nacionalmente, as imagens – demasiadamente claras para serem desmentidas – obrigaram o assessor de Lula da Silva a explicar-se – terá sido um gesto de indignação compreensível em quem se sente injustamente acusado de contribuir, por omissão, para uma tragédia como aquela.

Marco Aurélio Garcia manifestou o alívio com um gesto obsceno, como é óbvio. Mas mais obscena é a câmara que o bisbilhotou. E ainda mais obscena é a decisão de exibir nacionalmente esse gesto feito no interior de um gabinete e colhido por uma câmara bisbilhoteira.

O Brasil, tido como o país da informalidade, é, visto de perto, obsessivamente formalista. Até o Carnaval, à primeira vista uma suspensão de qualquer formalismo, é, na verdade, um rito feito de uma complexa e rigorosíssima liturgia.

Já há uns bons anos, Rúbens Ricúpero, homem de reputação ilibada, reconhecidamente sério e honesto, viu-se obrigado a demitir-se da pasta das Finanças quando, numa conversa informal inadvertidamente transmitida em directo por um canal de televisão, disse que “as notícias boas, a gente ´factura`”, ou seja, o governo tira proveito das notícias boas. Não havia ali nada de condenável se não a inadequação formal do que foi dito – e pouco importa se a conversa era informal: apareceu na TV e, na TV, a forma deve ser outra. O mesmo se aplica a Marco Aurélio Garcia: o grande erro foi não ter fechado os estores do gabinete.

Espantoso é que um povo que reelege um presidente que ainda tem por esclarecer uma montanha de gravíssimas denúncias de corrupção atribuídas a parentes (irmão e filho), um compadre e assessores muito próximos, ainda se mostre indignado com um gesto obsceno mas banal e inofensivo quando feito em privado – e foi em privado que Marco Aurélio Garcia levou a palma da mão direita à mão esquerda fechada.

E algo me diz que haverá alguma relação entre o rigor formalista, por um lado, e, por outro, a tolerância à corrupção e à violência material, concreta e consequente. No Brasil ou em Portugal. E, podem crer, os mafiosos observam com muito escrúpulo o formalismo das coisas. E não perdoam quem cometa pecados formais.

PS: O estacionamento em cima dos passeios não é pecado formal. É violência material, concreta e consequente.

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