Opinião
Estratégia democrata: isolar Bush
O novo Congresso dos Estados Unidos, que no início deste mês provocou uma volta completa nas maiorias do Senado e da Câmara dos Representantes, ...
O novo Congresso dos Estados Unidos, que no início deste mês provocou uma volta completa nas maiorias do Senado e da Câmara dos Representantes, como retorno em força dos democratas, está a tornar-se uma dor de cabeça para George W. Bush.
Para o Presidente dos Estados Unidos, esta é a sua última presidência, para alguns senadores e representantes trata-se do início de – ou do regresso a – uma carreira no Capitólio. Para a maioria porém não pode permitir que do outro lado da Pennsylvania Avenue um Presidente em final de mandato prejudique as suas perspectivas de conservar um lugar que por vezes ocupam desde sempre.
Os democratas não se têm mostrado demasiado agressivos com George W. Bush, nem têm apontado para propostas ou iniciativas que possam efectivamente afectar a condução da guerra no Iraque e precipitar o descalabro que parece inevitável. Se e quando ocorrer esse descalabro para as tropas norte-americanas o ónus tem de recair sobre o Presidente e os democratas têm de estar isentos de responsabilidades.
Aos democratas juntam-se algumas dezenas de republicanos. Nada de inesperado, durante a campanha eleitoral foi notória a forma como a maioria dos candidatos republicanos se demarcaram do Presidente evitando a sua presença nos comícios políticos, especialmente nos círculos onde a corrida era mais apertada e o voto democrata constituía, e não foi insignificante, um voto contra George W. Bush e a condução da guerra no Iraque.
Até aqui, os republicanos puderam gozar de um estado de graça não se vendo obrigados a tomar posição quanto às decisões presidenciais sobre o Iraque. A duplicidade estava na ordem do dia e os democratas não tinham as maiorias necessárias para imporem à votação moções críticas, que poderiam não ser bem recebidas pelo eleitorado. Agora que o eleitorado não deixou margem para dúvidas a liderança democrata tem luz verde para colocar na mesa todas as questões sobre a guerra em que o Presidente envolveu os Estados Unidos.
O relatório bipartidário elaborado por uma comissão chefiada pelo antigo secretário de Estado de Bush (pai) James Baker e o democrata Lee Hamilton, antigo presidente da poderosa Comissão dos Negócios Estrangeiros do Senado, deu uma saída muito apertada ao Presidente. Menos de dois meses depois de, a 7 de Novembro, George W. Bush ter afirmado sem sombras para dúvida que "estamos a ganhar [a guerra]" a Comissão Baker/Hamilton veio afirmar que a "situação é grave e está a deteriorar-se", contudo deixou uma saída ao Presidente ao acrescentar que a "América não pode falhar".
Bush demitira já o contestado Rumsfeld, mudou o general comandante da campanha, e anunciou que irá enviar para o Iraque mais 21 mil soldados nos próximos quatro meses para apoiar o governo (xiita) a combater as milícias sunitas. Apesar das reservas do próprio Governo iraquiano quanto ao papel dos EUA na condução operacional, e consciente de que tem a sua policia e o seu exército infiltrado por sunitas.
Os democratas elevaram o tom de voz e passaram a usar uma linguagem semelhante à dos que se opunham à guerra do Vietname. As medidas radicais nem sequer foram colocadas na mesa. Os democratas poderiam optar por cortar os fundos e obrigar à retirada mais ou menos precipitada do Iraque. Se o fizessem teriam provavelmente contra si a esmagadora maioria dos republicanos e até alguns democratas. A medida poderia passar mas seria tangencial. O ónus do "débâcle" recairia sobre os democratas e as suas possibilidades de conseguirem as chaves da Casa Branca.
Em contrapartida, conseguir votar uma moção contra o inevitável envio de mais tropas e fazê-la aprovar com o apoio de cerca de uma dezena de senadores e representantes republicanos não só marcaria uma posição de princípio como não teria quaisquer efeitos práticos na decisão presidencial. As tropas seguirão na mesma para ao Iraque.
A opção democrata tornou-se cada vez mais clara. Perante o cepticismo em Washington sobre a capacidade do Governo iraquiano e a desconfiança deste face ao papel das tropas americanas; perante a certeza de George W. Bush de que não pode haver mais fracassos se não quer entrar na História como uma nota de rodapé da guerra no Iraque; perante a certeza do sentimento da opinião pública americana, os democratas irão colocar um voto que não é mais que simbólico, no Senado e na Câmara dos Representantes, manifestando-se contra o envio de mais tropas e o aumento de risco de mais baixas.
Por certo têm o apoio da esmagadora maioria dos democratas e de uma boa parte dos republicanos que serão forçados assim a tomar uma posição. George W. Bush será a única vítima: ficará cada vez mais isolado politicamente do seu próprio partido e dos congressistas republicanos. Ainda por cima Blair, o seu aliado favorito, não parece nada disposto a seguir-lhe os passos.
Os ataques aéreos na Somália podem ser lidos também neste contexto. Depois do Exército etíope ter feito o trabalho no terreno a aviação americana procura tirar alguns dividendos. Uma aposta muito duvidosa que poderá fazer espalhar por países africanos amigos os fundamentalistas da União dos Tribunais Islâmicos, expulsos do poder com a intervenção de Adis Abeba.