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Armindo Monteiro amonteiro@anje.pt 16 de Outubro de 2006 às 13:59

Empreendedores e a sua circunstância

Retomo hoje o leitmotiv do meu artigo anterior – a missão de desenvolvimento e inovação empresarial à Florida (10 a 15 de Setembro), uma excelente iniciativa do Embaixador dos Estados Unidos em Portugal, ...

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Retomo hoje o leitmotiv do meu artigo anterior – a missão de desenvolvimento e inovação empresarial à Florida (10 a 15 de Setembro), uma excelente iniciativa do Embaixador dos Estados Unidos em Portugal, Alfred Hoffman Jr. –, para me centrar no sistema de ensino norte-americano, em particular no que diz respeito ao empreendedorismo enquanto conteúdo escolar. Também nesta área, e pegando nas premissas do artigo pretérito, os EUA obedecem a uma lógica muito pragmática, procurando incutir nos seus jovens os valores do empreendedorismo, logo a partir dos bancos de escola. Miúdos iguais aos que em Portugal se deleitam com as peripécias da "Floribella" ou dos "Morangos com Açúcar" aprendem muito cedo a fazer um plano de negócios, por exemplo, sem prejuízo das disciplinas mais convencionais (Matemática, língua materna, História, ciências ?) e sem sobrecarregar os alunos com conteúdos escolares.

Para melhor se compreender esta realidade, direi tão-só que a intervenção que mais cativou a atenção dos membros da delegação nacional na Florida foi feita, pasme-se, por um adolescente que completava nesse dia 16 anos! Giovanni Lugo, assim se chamava, deixou boquiabertos importantes empresários e banqueiros portugueses com a simplicidade, determinação e segurança com que explicou o seu negócio. O adolescente, cujo objectivo profissional é ser professor de História, outra curiosidade, tem hoje o seu sítio na Internet, a partir do qual presta serviços de informática ao domicílio. Lugo vai a casa das pessoas instalar jogos ou software para os quais normalmente não há tempo ou paciência para tornar operacionais, além de solucionar pequenos, mas arreliadores, problemas técnicos nos computadores. O lema da sua empresa é, aliás, bastante eloquente: "We are here when you need us most? When you are having a bad day".

A simplicidade desarmante deste pequeno negócio não esconde, no entanto, a sagesse do seu promotor. Se dúvidas existissem em relação ao mérito do business plan deste jovem empreendedor, de imediato se dissipariam com a jogada de antecipação, num excelente posicionamento estratégico de quem está habituado a identificar bons negócios, do Dr. Artur Santos Silva, que logo ofereceu os serviços do seu BPI para realizar o IPO do projecto (fase de dispersão do capital em bolsa).

Giovanni Lugo é a prova inequívoca de que o empreendedorismo pode, e deve, ser ensinado. Ninguém nasce empreendedor, embora existam características idiossincráticas que predisponham a isso. Esta foi, aliás, a grande lição que empresários, gestores, docentes, deputados e membros do Governo trouxeram da Florida para Portugal.

"Eu sou eu e a minha circunstância", escreveu o filósofo Ortega y Gasset. O que neste caso significa que, em matéria de empreendedorismo, a circunstância pode ser um sistema de ensino que promova a iniciativa individual, o risco empresarial e o mérito. É esse o desígnio que está a ser seguido nos EUA, com os esforços a serem divididos entre a sociedade civil e os organismos públicos, de tal modo que as duas esferas se confundem.

De resto, o projecto de promoção do empreendedorismo no ensino que está a ser seguido na Florida e em outros Estados norte-americanos tem como principal dinamizador uma fundação, a National Foundation for Teaching Entrepreneurship (NFTE). Esta instituição actua em parceria com escolas, universidades e organizações comunitárias, tendo como lema: "Thinking big about business, school, careers and life". O trabalho da NFTE, cujo arranque se deu em 1987 em Nova Iorque, parte das seguintes premissas: o empreendedorismo pode ser ensinado; o empreendedorismo promove e reforça a relação dos alunos com a escola, a comunidade e o mercado laboral; o empreendedorismo cria emprego para os jovens de comunidades mais desfavorecidas socialmente.

Ora, importa reter esta última premissa. Para alguns sectores ideologicamente mais preconceituosos da nossa sociedade, a perspectiva de ensinar a fazer negócios nas escolas pode afigurar-se com mais uma investida ultraliberal e, por isso, merecedora de veemente censura. Acontece que a NFTE começou a desenvolver o seu projecto, precisamente, com um objectivo de coesão social, vendo no ensino do empreendedorismo uma forma dos jovens oriundos de comunidades desfavorecidas fintarem o destino de pobreza que lhes parecia estar inexoravelmente reservado. Ou seja, o desígnio matricial da fundação é dar aos alunos carenciados conhecimentos, ferramentas e estímulos que os levem a criar o seu negócio, construindo um futuro isento das dificuldades do presente.

Como muito bem salientou recentemente o Senhor Presidente da República, Cavaco Silva, a inclusão social começa nas escolas. Neste sentido, o empreendedorismo pode ser um importante instrumento para que esse objectivo seja concretizado. Ensinar os nossos jovens, logo a partir do liceu, a elaborarem planos de negócio, a dominarem as ferramentas básicas de gestão, a terem noção da lógica do mercado, a desenvolverem a sua criatividade, a serem inovadores e a estarem sensíveis às vantagens de assumir riscos não me parece ser uma excentricidade economicista ou algo inexequível para a realidade educacional portuguesa, cujos graves problemas todos nós conhecemos. A questão aqui é de mero pragmatismo e bom senso, algo que abunda na sociedade americana e escasseia na nossa.

Seria, pois, interessante que, complementarmente ao esforço que está a ser feito no sentido de aproximar o ensino superior do tecido empresarial, e vice-versa (veja-se, por exemplo, o acordo firmado com o MIT), o Governo concentrasse algumas das suas energias na introdução e generalização dos valores do empreendedorismo nos currículos escolares. A medida justifica-se, como vimos, não só por razões que se prendem com a futura competitividade da economia portuguesa, mas também com o próprio equilíbrio social do país. Logo, um desígnio perfeitamente compaginável com a inspiração socialista do Executivo de José Sócrates.

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