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03 de Setembro de 2004 às 13:59

Eleições americanas

Neste simpático canto da península Hispânica, quase sou levado a dizer que tem mais reflexo nas nossas vidas o desenlace das eleições nos EUA, do que no nosso próprio país?

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É uma injustiça! Na realidade, todos devíamos votar na escolha da administração americana.

Neste simpático canto da península Hispânica – como os americanos aprendem nos manuais de geografia, daí a «confusão» de que Portugal faz parte da Espanha – quase sou levado a dizer que tem mais reflexo nas nossas vidas o desenlace das eleições nos EUA, do que no nosso próprio país?

A administração Clinton e o mandato do actual inquilino, é tempo suficiente para perceber que o que se decide, ou não, nos EUA marca o Mundo, a Europa e Portugal, sobretudo, desde que o bloco soviético se desintegrou.

Nas questões do «top ten» que preocupam o mundo, estão a guerra e a paz, a energia e as alterações climáticas.

Hoje, estes três temas fazem parte, indissociável, de um mesmo triângulo. Acontece que os vértices estão entre a Casa Branca, o Senado e a Câmara dos Representantes, em Washington.

Não há guerra que não cheire a sangue e petróleo, no dizer do Prémio Pulitzer, Daniel Yergin.

Nos últimos anos, com o Governo Bush, o tema petróleo «entranhou-se» com especial vigor nas paredes da Sala Oval e Gabinetes da Casa Branca.

O presidente nasceu numa família típica do «garimpo» do petróleo, num estado «cheio» de mística petrolífera, junto a Houston, capital mundial do petróleo.

Estes pergaminhos fósseis, rapidamente convenceram as empresas energéticas e petrolíferas, em particular, a apostarem nesta versão menos «conseguida» do clã Bush.

Investiram na sua campanha muitas centenas de milhões de dólares, segundo versão oficial.

O vice-presidente Dick Cheney, homem inteligente com um curriculum conturbado e bem sucedido na indústria petrolífera, sempre inspirou as limitações culturais e a falta de credibilidade pessoal do presidente nos planos familiar, comportamental e cívico, para além do déficit patriótico de haver «contornado» a obrigação de cumprimento de serviço militar no Vietnam.

Aliás Cheney, CEO da Halliburton Industries, sempre manteve negócios petrolíferos com Burma e ? o Iraque.

Condolezza Rice, responsável pela segurança nacional, trouxe uma coloração ao governo Bush que não destoou no que toca ao petróleo - administradora dedicada da Chevron, viu o seu nome pintado num navio tanque de 130.000 toneladas daquela grande empresa petrolífera.

O exótico secretário de defesa, D. Rumsfeld, discípulo de Nixon e Cheney, sempre foi mais dado às armas, enquanto que o secretário da energia, ligado à indústria automóvel, reuniu contributos milionários dos fabricantes para o financiamento da campanha.

Muitos outros dignitários da indústria petrolífera estão na administração e no staff. Pessoalmente, conheci bastantes, nomeadamente no congresso Mundial de Energia de Houston – Texas, em 1998, era então governador daquele estado petrolífero o actual presidente americano.

O programa energético americano foi feito pelo actual vice-presidente, com os seus homens de Houston, actualizado no início deste ano, recusando-se Dick Cheney responder ao Congresso sobre a composição e «sensibilidades» que reuniu, para concluir que é necessário ir buscar muito mais petróleo ao mundo para saciar o consumo americano, um quarto da procura mundial, para além de pugnar pela exploração dos recursos da Reserva Natural do Alasca, há muito cobiçados pelas empresas petrolíferas americanas.

Cito estes factos apenas para ser claro, para os menos informados sobre estes assuntos, qual o perfil dominante da actual administração americana.

A política externa e a política económica do governo G. Bush, criaram um clima perigoso, relativamente ao sensível sector do petróleo, sendo responsável pela «surpreendente» tensão no mercado e alta dos preços.

A política para o médio Oriente, a «cobertura» a Sharon e a tensão com o mundo islâmico, «toca» 80% das reservas mundiais, 35% da produção mundial actual e cerca de 65% do petróleo disponível para exportação, esmagadoramente «ensopado» pelos EUA e países da OCDE - Agência Internacional de Energia.

Paralelamente e, para que não falte a cereja no cimo do bolo, a administração vem dizer que não sonha colocar qualquer limitação à paixão americana por automóveis grandes, SUV’s e viver on the road. Ou seja, nenhum estímulo à racionalização do consumo, continuando a pressionar a solução do problema pelo lado da oferta.

No insuspeito editorial do «FT» de 31 de Março afirma-se: «medidas centradas do lado da oferta não contribuem para a estabilidade».

A primeira declaração do Presidente sobre política sectorial, ocorrida numa universidade na primeira semana do mandato, foi sobre política energética.

Como referi na altura no «Expresso», o Mundo ficou em-BUSHado!

«Descobriu» a maior crise energética da História da América, decidindo reactivar a prospecção e pesquisa de petróleo e gás nos EUA com apoio do Estado, propôs ao Congresso o fim da proibição da extracção de petróleo da Reserva Natural Integral do Alasca - aliás, levada a votação e chumbada por seis votos - suspender as responsabilidades dos EUA face ao protocolo de Kyoto, declarando frontalmente que a América está sedenta de energia e não se coíbe de a ir buscar onde quer que esteja.

Imediatamente a seguir a este discurso, a estação CNN, com a presença do anterior Presidente Carter - que lidou com o choque petrolífero de 1979 - desmentiu a dramatização do diagnóstico, coberto por abundantes imagens de 1973 e 1979 que exibiam os impactos no estilo de vida e na economia que os choques petrolíferos efectivamente provocaram.

Este discurso, factualmente errado e absolutamente falacioso, deixou-me uma inesquecível dúvida sobre a boa fé do Presidente nesta matéria, mesmo «descontando» o estilo «Midle-West», o «enorme umbigo» da América e a sua paixão «energívora», que explicam que cada norte-americano consuma oito toneladas de petróleo por ano, face a metade daquele apetite da igualmente desenvolvida União Europeia.

Em 1943, Franklin Roosevelt enviou para o Médio Oriente o mais reputado geólogo americano, com a missão de o informar sobre «quão importantes seriam as reservas de petróleo do Golfo Pérsico para o futuro do Mundo».

Hoje, a resposta de DeGulyer seria: «cerca de 70%, Senhor Presidente, com um custo de recuperação que é, em média, 1/4 do custo incorrido fora daquele paraíso petrolífero».

John Kerry tem vindo a criticar o republicano sobre a política energética e ambiental. O contraponto é vago, longe da lucidez e convicção de Al Gore. Fala Kerry em «independência energética». Os EUA ainda produzem 40% do petróleo que consomem, mas têm 3% das reservas mundiais e consomem 25% do que o mundo queima.

Mas Kerry resolveu detalhar:

- Acusa Bush de um prémio entre 8-15 USD por barril, pela desastrada política externa;

- Promete 30 mil milhões de dólares para a indústria automóvel e eléctrica serem menos poluentes, mensagem para o Ohio e o carvão de West Virgínia;

- Aponta para 20% de renováveis na produção de electricidade e combustíveis para os veículos.

Pouca convicção sobre metas concretas e «vaguidão» sobre Kyoto. Enfim, pouco estimulante, esta declaração de Kerry.

Contudo, as palavras são do «The Economist»: «é difícil imaginar as coisas serem piores do que com Bush, que falhou, com o seu horrível programa energético e que ganhou o merecido título do texano tóxico».

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