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Nuno Ribeiro da Silva 04 de Agosto de 2006 às 13:59

Combustíveis, transportes, IC 19

Para dizer algumas heresias, não há nada como estar a escrevê-las a coberto do Círculo Polar Árctico, na Lapónia Finlandesa, onde as alterações climáticas se fazem sentir em toda a sua exuberância, ...

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Para dizer algumas heresias, não há nada como estar a escrevê-las a coberto do Círculo Polar Árctico, na Lapónia Finlandesa, onde as alterações climáticas se fazem sentir em toda a sua exuberância, registando-se uma seca sem precedentes e temperaturas de 25º às 24H!

Já sabemos o que se passa com o petróleo:

- Cada dólar de variação no preço do barril de petróleo, tem um impacto de 115 milhões de dólares nas nossas contas, cerca de 100 milhões de Euros, ou seja 20 milhões de contos. Um dinheirão!

Também que os biliões de euros que pagamos pelo petróleo vão, esmagadoramente, para alimentar o transporte particular que usamos e abusamos.

É uma das razões mais relevantes para determos das mais elevadas intensidades energéticas/PIB da União Europeia, apenas superados pela Finlândia, onde 5 milhões de pessoas vivem, pelo menos até o clima mudar, no meio do gelo.

Pior é que, se no inicio da década de 90 o consumo de energia primária, referente ao PIB, tomando por base 100, evoluiu no nosso país para 120, enquanto que a média europeia passou para 85!

Em Portugal, pior é difícil encontrar, 90% do transporte de passageiros e mercadorias é feito por transporte rodoviário. O tal que só consome derivados do petróleo, o mais intensivo em consumo de energia, e, também, o mais poluente.

Pior ainda, é que a maior parte é feito em transporte particular de passageiros, e por não profissionais, no que respeita ao transporte de mercadorias.

Agrava o facto de, boa parte do tempo em que os motores estão ligados - a consumir e a poluir - os veículos estão parados nos engarrafamentos das deslocações pendulares casa-trabalho das periferias das nossas metrópoles.

Tudo isto é uma estupidez, claro!

É o resultado de muitos erros, distorções, corporativismos, anacronismos, que retiram competitividade ao país e qualidade de vida aos cidadãos.

Vejamos então dois casos que parecem confirmar o adágio de que «burro velho não aprende».

O primeiro tem a ver com transporte público de passageiros.

Não usamos os transportes públicos e temos o índice mais baixo de ocupação de automóveis privados.

Entretanto investiram-se biliões nos transportes públicos, comboios, metros, eléctricos rápidos, autocarros, estradas, barcos.

As empresas de transporte público de passageiros acumulam prejuízos que alguém vai um dia ter de pagar.

Mas, o mais surpreendente é que, com transportes e infra-estruturas, em geral de qualidade europeia, apesar de todo o dinheiro investido, os transportes perdem, em termos absolutos, utentes, clientes.

É um dado fantástico, inédito que obrigaria a uma decidida reacção por parte das autoridades.

Com o aumento do preço das gasolinas e do gasóleo surge um facto relevantíssimo para começarmos a arrepiar caminho e podermos alterar hábitos e preconceitos, e adoptar a moda e tendência dos países ricos: usar o transporte público.

Contudo, a surpresa e perplexidade aumenta quando, no actua contexto, não se vislumbra uma única iniciativa dos gestores de empresas públicas de transporte para fazerem qualquer tipo de campanha para promoverem o seu transporte e atraírem utentes/clientes para o comboio, metro, barco, eléctrico ou autocarro!

Como é possível que empresas deficitárias, sorvedoras de milhares de milhões não aproveitem a oportunidade de ouro que a actual conjuntura lhe oferece para justificarem o que gastam e ajudarem o país a ser menos vulnerável ao pesado cheque energético?

O segundo exemplo tem a ver com o dinheiro que se está a gastar no alargamento do IC-19, para os que não são de Lisboa, parece que o eixo suburbano da Europa com maior intensidade de tráfego, que serve para trazer e levar todos os dias milhares, entre Lisboa e as periferias da Amadora, Oeiras e Sintra.

O congestionamento desta via resulta dos erros acumulados por autarcas - nomeadamente do PCP, os tais que são diferentes, mas não só - que licenciaram dormitórios sem garantia de infra-estruturas, aproveitando as distorções provocadas pelo fatídico congelamento das rendas das casas.

O resultado é o despovoamento dos cascos das cidades e a habitação na periferia e a consequente factura, nomeadamente energética, que estamos a pagar.

Mas, voltando ao alargamento do IC-19, faz-me lembrar a anedota das conquistas do socialismo soviético:

- o secretário-geral garantia, inflamado, que no final do primeiro plano quinquenal todos teriam uma bicicleta, depois uma mota, no terceiro um carro e no quarto uma avião. Um camarada mais céptico ousou perguntar para que queriam todos um avião, ao que o líder respondeu com naturalidade que permitiria a todos chegarem mais depressa à bicha do pão?

Gastar dinheiro na IC-19 serve para todos «chegarem ao mesmo tempo» ao engarrafamento de Pina Manique ou a outro qualquer.

Bom, também serve aos promotores imobiliários instalados naqueles concelhos - e que nunca acautelaram o correspondente investimento em infra-estruturas - que continuam a «privatizar os benefícios e socializar os custos».

Teria sido exemplar e muito didáctico dizer que não se gasta (desperdiça) mais dinheiro a escamotear aborto e a criar novas ilusões e distorções.

Teria sido exemplar e muito mais sério e moderno dizer que esse dinheiro iria reforçar o modo de transporte público, as interfaces modais e os parqueamentos.

Afinal, em Portugal o crime ainda compensa, mas poupem-nos as lágrimas de crocodilo sobre a factura energética.

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