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Nuno Ribeiro da Silva 07 de Julho de 2006 às 13:59

Ambiente sob fogo cerrado

Aproprio-me de um título PÚBLICO, a propósito de um alegado confronto entre Ambiente-Economia, materializado em recentes episódios que passam pelos eventos relativos à refinaria de Sines, declarações de responsáveis empresariais, responsáveis autárquicos,

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A refinaria não se faz por causa do CO2. A cerâmica, novos fornos de vidro em causa, «por causa» do CO2. Os responsáveis do ambiente estão cegos. Guerra aos burocratas (do ambiente) de Lisboa. Arranjem já um grupo e corram-nos (funcionários do ambiente) à pedrada. As energias renováveis são caras. A Costa Vicentina podia ser o petróleo de Portugal (não fora o ambiente). A energia seria mais barata se os ambientalistas não travassem a construção de centrais nucleares, etc., etc., etc...

O primeiro alerta ao leitor é que não pegou num qualquer daqueles jornais amarelados, que nos esquecemos há 30 anos no canto do escritório.

O segundo alerta é que os protagonistas destas declarações estão vivos, pronunciaram-se recentemente e são líderes de qualquer coisa.

A terceira nota de alerta vai para o facto de, daqui em diante e face à elevação intelectual e sobriedade das afirmações e do «debate», passar a recorrer a linguagem futebolística, mais na moda e, particularmente adequada ante a «sofisticação e solidez técnica» das declarações transcritas.

É verdade, estamos a rever na RTP Memória o mundial de 66 em que Morais tinha por missão aniquilar Pelé, o nosso Eusébio ganharia na 1ª instância ao invocar os acordos de Geneve sobre o tratamento a vítimas da guerra e um tal defesa inglês Stiles, estraria hoje a responder em Haia por genocídio de goleadores, enfim, tempos em que o último Portugal-Holanda era visto como um despique normal?

Felizmente, para quem gosta de apreciar um jogo de futebol e o ambiente de um magnífico estádio, o desporto rei afastou-se do wrestling do futebol das últimas décadas.

Repor o debate economia-ambiente neste plano é – em versão de economia de mercado, dos anos 60 – voltar às grandes teses bolcheviques de Krutchov, de como os heróis do socialismo conseguiam domar a natureza e por os recursos ao serviço do «mundo novo», comunista.

Curioso que estas afirmações «musculados» de «desenvolvimento duro», soam ao bacoco do herói de pacotilha nacional que grita apopléctico «segurem-me que eu mato esses maricas estrangeirados»?

Vamos lá ver, o ambiente é importante porque, para além do homem dele fazer parte integrante, tornou-se um recurso escasso, logo com procura superior à oferta – não só no plano da quantidade, pondo em causa a própria sobrevivência dos netos dos predadores, como no plano da qualidade – pelo que é um recurso valioso, encerrando um potencial de negócio único, nomeadamente para a Europa e, em particular, para Portugal, dado não ser determinado por lógicas de escala, de «dimensão».

Recentemente, dizia-me Porter como, por exemplo, a crise da indústria automóvel de Detroit é fruto da administração americana nunca ter criado estímulos à produção de veículos mais económicos em termos de consumo de energia. Aliás, na linha da sua conhecida tese de que elevados níveis de qualidade, nomeadamente, ambiental, são factores de estímulo ao desenvolvimento e sofisticação da economia e sociedade.

A Europa não pode perante os seus padrões de vida e de qualidade competir pelo preço ou aceitar dumping de qualquer espécie. Só pode potenciar a sua diferença ao ser clean and clever (ver o documento «A will to compete: a clean, clever and competitive Europe»).

Portugal, chamado nos dias de hoje a um exame decisivo, não pode ser distraído com a ideia de que vamos continuar a «fintar» o futuro com mais um drible:

Primeiro o dumping salarial, que levou à emigração em massa dos inconformistas, logo dos mais criativos;

Depois, a desvalorização cambial que foi adiando a reconversão económica e industrial e que contribuiu para sedimentar uma sociedade e economia duais;

Agora, um dumping ambiental que justifique uma «lavra gananciosa» de recursos, que ajude esta geração a «aguentar-se», para os vindouros ? fecharem a porta!


Por uns metros cúbicos de areia do Douro caiu a ponte de Entre-os-Rios. Quanto custa ao País meia dúzia de pocilgas que destroem a água potável do rio Liz? Quanto pagam os industriais sérios e o País, para recuperar o Alviela, o Ave e a Ria de Aveiro pela selvajaria predadora de alguns? E, o que vale a foz do Tejo e do Douro se soubermos explorar a sua beleza única, no potencial imobiliário e de lazer que encerram, de indústrias de equipamentos ligados ao mar, de serviços turísticos, da própria pesca e aquacultura?

Mesmo sectores tradicionais como a metalomecânica, tem hoje mais mercado nos equipamentos para estações de tratamento de águas, tratamento de resíduos, torres eólicas, centrais para aproveitamento da biomassa ou fabrico de reservatórios para sistemas solares, do que na construção naval pesada ou caldeiraria.

O grande empresário nacional, Engº Belmiro de Azevedo, «penou» para licenciar Tróia, embora, o sítio exclusivo de craveira internacional em que a Península se está a tornar, marque a diferença pelas características únicas do estuário do Sado, do cordão dunar e das águas do Atlântico. Também ali o ambiente é a marca para criar mais emprego e riqueza para o país.

Muitos, muitos outros exemplos podiam ser invocados.

Quero com isto dizer que líderes responsáveis não podem repor o diálogo sensível, logo, necessariamente inteligente, entre empresa e ambiente, no registo do guarda Abel do senhor Pinto da Costa, deitando ao lixo a inteligência que Scolari trouxe ao nosso futebol?

Além de prestarem um mau serviço ao país, estão a perder tempo: na direcção correcta, embora passível de reparos, a Europa e as suas instituições estão comprometidas com valorização do seu património natural e cultural, respondendo não mais que ao apelo dos cidadãos e razão pela qual o Velho Continente ainda é alvo de prestígio e cobiça do mundo.

Mas, sem por em causa o princípio dos elevados «standards» de exigência e qualidade ambiental, é claro que existem razões para chamar à atenção e contribuir para que as políticas do ambiente se tornem mais efectivas, sem pedradas, nem vozes grossas?

Há que dar mais atenção à qualidade, transparências, proliferação, redundância da legislação. É lamentável que os advogados não saibam economia, mesmo de economia das palavras, nos textos que produzem. Mesmo um mainfraim da IBM ficará entupido ao tentar digerir todos os Planos, o regional cruzado com o costeiro, mais o municipal, a que acresce o de pormenor, sem esquecer a REN, a RAN, etc., etc.

Urge um trabalho de optimização, simplificação e transparência legislativa, que torne claro para os agentes económicos e cidadãos as «regras do jogo», que custam tempo e dinheiro, para além de abrirem as alas aos casuísmos e fulanismos?

A transparência, optimização e economia passam ainda por os organismos públicos responsáveis colocarem na «net», mapas, exemplos e «jurisprudência» que permitam aos agentes económicos perceberem o que podem e não podem fazer. Poupa-se tempo, dinheiro, chatices e tentações?

Por último, mal geral, há que mudar a atitude daquela administração pública que joga na irresponsabilidade do pingue-pongue da responsabilidade, ou que não atribui o «benefício da dúvida» a quem quer promover projectos e iniciativas lícitas.

O funcionário tem de actuar com a abertura de espírito de ajudar e orientar pelo melhor caminho o promotor/cidadão, resistindo à tradição de ligar o «complicómetro de cátedra».

Com os nossos recursos, se os empresários perceberem o potencial que a eco eficiência encerra, se afinarmos a atitude da administração pública e transparência e pragmatismo legislativos, no próximo campeonato, estaremos já na final.

Trabalha-se neste plano e não se reavivem guerras anacrónicas de Alecrim e Manjerona.

Já não há tempo, nem paciência, para aturar claques cubisticas, primárias e populistas.

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