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28 de Outubro de 2004 às 23:48

Direito de Resposta

Após mastigar o artigo de Luís Nazaré na vossa edição de 28.10.2004, intitulado «Nada de Novo na Frente Mediática», e de recorrer ao alka-seltzer para aliviar o estômago que admito não ter quando se celebra de forma tão cabotina a ignorância de princípios

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Para início de conversa, deve lembrar-se que o autor do referido artigo, ex-presidente da Anacom-ICP, move-se profissionalmente na área das telecomunicações, cuja lógica de funcionamento é no essencial bastante diversa da que legitima o especial tratamento que a nossa Constituição consagra à comunicação social – o que, por algum motivo, não sucede com o sector sobre o qual Luís Nazaré pode, com legitimidade, pronunciar-se. E pela simples razão de que os valores que referi, sustentáculo de uma opinião pública livre e esclarecida, constituem a única forma de permitir o escrutínio permanente da actuação das instituições políticas, económicas e, latu sensu, sociais, viabilizando em última instância o sentido das escolhas eleitorais dos cidadãos, assim assegurando a legitimidade do exercício do poder político e das opções sectoriais que lhe estejam subjacentes.

Ora esta aparente evidência, elementar em todos os seus contornos, é frequentemente esgarçada por uma considerável prol de «neo-pragmáticos», que julgam poder elevar-se acima das regras do sistema democrático onde por acaso se exercem. É bom que se lembre, no que à independência e pluralismo dos meios de comunicação social respeita, que não estamos sequer em presença de uma originalidade portuguesa, vestígio excrementício de recuadas eras... Desde pelo menos 1990 que o Parlamento Europeu se debruça sobre a matéria, quer adoptando Resoluções sugerindo à Comissão a adopção de medidas uniformizadoras visando a afirmação a nível comunitário de tais princípios, quer através de Relatórios, o último dos quais em Abril de 2004 a propósito da anómala situação dos media em Itália, onde reafirma a necessidade de encontrar soluções, no quadro da União Europeia, para a efectiva salvaguarda da independência e do pluralismo. Aliás, o «Tratado Constitucional» da UE, integrando a Carta dos Direitos Fundamentais pela qual se deve pautar futura e inequivocamente a acção comunitária, incorpora já, de igual modo, as mesmas preocupações.

Também o Conselho da Europa, através das suas Recomendações, vem exortando os Estados a incorporar no seu direito interno as medidas de promoção do pluralismo nelas contidas e a avaliar regularmente a sua eficácia, no quadro dos desenvolvimentos tecnológicos e económicos na área da comunicação social. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em diversos casos envolvendo empresas de comunicação social, afirmou a necessidade de os Estados garantirem a independência e pluralismo nos media como forma de preservar a sua própria estrutura democrática. Por seu turno, a Declaração de Princípios da Cimeira Mundial sobre a Sociedade da Informação em curso, promovida pela ONU, claramente reafirma o empenho desta Organização na salvaguarda dos princípios da liberdade, independência, diversidade e pluralismo dos media, e a consequente pertinência da introdução de medidas de combate à concentração da propriedade de tais meios, além das que regem em matéria de concorrência (inadequadas, só por si, para garantir aqueles valores), e de defesa da liberdade editorial dos profissionais da comunicação social.

A nível interno, o Presidente da República, que não é tonto, várias vezes manifestou apreensão quanto à concentração e instrumentalização dos meios de comunicação social, considerando a urgência de adoptar medidas que restaurem o necessário equilíbrio dos interesses, públicos e privados, que o sector convoca.

Perante isto e face aos acontecimentos recentes, Luís Nazaré postula de forma gaiteira a irreversibilidade de uma situação normalíssima, a da intromissão das administrações dos órgãos de comunicação social nos respectivos conteúdos editoriais, considerando que reagir contra essa «realidade óbvia é lutar contra moinhos de vento». «É a vida», como diz, mas será a sua vida: como confessa, já se habituou a tais práticas terceiro mundistas, julgando como muitos «neo-pragmáticos», profundamente «neo-ignorantes» na sua tecnocracia limitada, que o mundo gira exclusivamente à volta dos interesses que pululam na sua esfera profissional.

E se a solução que consagra face ao desvirtuamento de «temas importantes para a qualidade da democracia, como a concentração empresarial e o pluralismo» – como começa por admitir -, é recorrer ao «zapping informativo»; se, aliás com desrespeito para o geral dos jornalistas, afirma que «nenhum, rigorosamente nenhum poderá afirmar sem mentir que nunca cedeu às pressões editoriais dos patrões, ou que nunca salpicou de água-benta certas notícias menos agradáveis a seu respeito»; que raio de informação é que Luís Nazaré espera, enquanto cidadão, obter pelo recurso àquele expediente, num terreno tão naturalmente minado como o dos media? Não estará implicitamente a admitir que à presente diversidade de canais de informação não corresponde afinal qualquer diversidade informativa? Que a concentração e as interferências editoriais generalizadas nos meios de comunicação inviabilizam qualquer efeito útil ao seu «zappingzinho»?

Sugiro por isso ao incongruente Luís Nazaré – muito piores são os que, colocando-se em pontas, aspiram mais do que a mandar «bitaites» -  que volte a fazer um «zapping» da área da comunicação social para a das telecomunicações, onde as suas qualidades são reconhecidas, e onde se pode resignar (ou deslumbrar) à vontade com o furor das novas tecnologias.

João Pedro Figueiredo

Jurista nas lides mediáticas

Lisboa

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