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Opinião
04 de Junho de 2007 às 13:59

Desemprego e verdades (in)convenientes

Não obstante o recente dinamismo político no intuito de atrair mais investimento e promover o crescimento económico, o desemprego permanece o maior problema social do país. Sem ser uma preocupação exclusivamente nacional – nem mesmo europeia, pois, ...

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Sem ser uma preocupação exclusivamente nacional – nem mesmo europeia, pois, de acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2006 o desemprego atingiu, a nível mundial, o seu auge –, a questão é particularmente séria em Portugal.

Desde 1974 que o mercado de trabalho português tem revelado enormes fragilidades, enfrentando ciclicamente oscilações acentuadas de desemprego. E se, com a adesão à Comunidade Económica Europeia, o país pôde alcançar, conjunturalmente, taxas de desemprego inferiores aos níveis dos seus parceiros europeus, o certo é que estas se apresentavam mascaradas pela precariedade laboral. Daí que, para os investigadores sociais, a divulgação das estatísticas sobre desemprego seja, por si só, cada vez menos relevante. Numa perspectiva preventiva – e de análise tendencial – torna-se imprescindível medir também a precariedade no mercado de trabalho.

A verdade é que, considerada na sua ampla dimensão subjectiva e objectiva, os elevados níveis de precariedade condicionaram sempre o mercado laboral português, tornando-o estruturalmente frágil.

Na vertente subjectiva, através de um conjunto de percursos instáveis que afectam não só a população empregada por conta de outrem com vínculos não permanentes, mas também a população que exerce uma actividade independente e que, recorde-se, no nosso país há muito ronda os 25% da população activa. Na vertente objectiva, através da fraca robustez do tecido empresarial nacional. A taxa de mortalidade das PME – maioritariamente responsáveis pelo volume de emprego em Portugal – é elevada, facto que contribui para reforçar a dimensão da precariedade do mercado de trabalho.

Depois há o problema – que também já parece estrutural – da pobreza. Portugal mantém há anos cerca de um quinto da sua população na pobreza. Muitos portugueses, trabalhadores clandestinos, eternos trabalhadores à procura de primeiro emprego, desempregados de longa duração e excluídos incluem-se no grupo daqueles que pouco ou nada têm e para quem as medidas destinadas a promover o emprego não se têm mostrado eficazes. Sem perspectivas, se uns desencorajam ao nível da procura de emprego, acomodando-se à dependência social, outros, sem qualquer fonte de rendimento, desesperam, mergulhando em situações de angústia.

Durante demasiado tempo silenciaram-se estes problemas. Ignoraram-se os alertas vindos de prestigiados economistas e cientistas sociais, assim como a necessidade de se traçar – de forma contínua e planeada – uma estratégia de âmbito nacional e sectorial que pudesse minimizar choques no plano socioeconómico.

Estruturalmente, o mercado laboral manteve-se vulnerável e só apreciações superficiais dos dados estatísticos sobre o emprego permitiam concluir, em determinados momentos, por bons resultados.

Com a adesão à União Monetária Europeia, e sem o mecanismo da desvalorização cambial, a vulnerabilidade do mercado de trabalho aumentou consideravelmente. Mas, por excesso de optimismo e/ou por uma deficiente avaliação das tendências no cenário internacional, a susceptibilidade de ocorrerem choques assimétricos – perturbações que atingem a economia de uma maneira desproporcionada e cujos custos se agravam quando já não existe o instrumento cambial susceptível de os amortecer – foi subestimada.

A par deste acontecimento, o movimento da globalização e a intensificação da concorrência internacional acabaram por evidenciar aquilo que se temia: Portugal encontra-se fortemente enfraquecido nos meios de defesa a estes choques.

Recentemente, a fragilidade estrutural do mercado revelou-se nas primeiras contrariedades. Primeiro, em 2003-2004, quando afectado por um discurso institucional de rigor orçamental, mas fatalmente pessimista para a economia, o emprego recuou; depois, em 2005, aquando do alargamento da União aos países de leste e da eliminação de barreiras ao comércio têxtil decidida pela Comissão Europeia.

Acresce que a estes problemas advêm outros dois inéditos ao nível da análise: um primeiro respeita ao facto de se poder vir assistir a uma alteração da tradicional expectativa de que "a uma melhoria do crescimento económico se segue a criação de emprego"; um segundo concerne ao movimento das deslocalizações.

Começo pelo primeiro. No actual contexto socioeconómico, alguns investigadores sociais temem que, tendencialmente, "o crescimento económico deixe de significar criação de emprego". De facto, hodiernamente muita da prosperidade económica resulta de processos de aquisição, fusão e/ou reestruturação que – para serem bem sucedidos – implicam, em geral, a supressão de postos de trabalho. E como recentemente atestou a OIT, o crescimento económico mundial da última década não se fez acompanhar, proporcionalmente, de criação de emprego.

No que respeita às deslocalizações, o problema parece assumir particular dimensão no caso português. Num país periférico, com um mercado de consumo relativamente pequeno e dotado de um fraco poder de compra, muitas empresas internacionais optam por transferir as suas unidades de produção para junto de mercados de consumo mais amplos e mais propensos ao desenvolvimento. Concomitantemente, transferem também a criação de emprego. Seguindo esta lógica, Portugal arrisca tornar-se num case study do movimento das deslocalizações.

Por tudo isto, e também porque a génese da construção da União Europeia foi (é, e será) a partilha do interesse comum entre os Estados, urge reconhecer que a única resposta eficaz a todos estes desafios – e reveladora da sua coesão – passa pela concepção de uma "Política Laboral e de Emprego Europeia", una e transversal ao conjunto dos Estados-membros, capaz de assegurar emprego e bem-estar a todos os europeus.

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