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Opinião
29 de Setembro de 2009 às 11:50

Deitar o bebé fora com a água do banho

A campanha eleitoral para as eleições de 27 de Setembro trouxe ainda mais à atenção de todos a conjuntura económica. Ouvimos falar, com enfâse maior do que a habitual, na variação trimestral do Produto Interno Bruto, no "início do fim da crise", e da...

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A campanha eleitoral para as eleições de 27 de Setembro trouxe ainda mais à atenção de todos a conjuntura económica. Ouvimos falar, com enfâse maior do que a habitual, na variação trimestral do Produto Interno Bruto, no "início do fim da crise", e da forma como tal desejado evento radicava, ou não, na política económica do Governo. Fomos brindados, em renhidos debates televisivos diários, com descrições mais ou menos claras das diferentes políticas económicas defendidas pelos partidos com representação parlamentar. Diferenças à parte (mais ou menos investimento público, mais ou menos concentração nessa mítica entidade que é a "pequena e média empresa", subida, manutenção ou descida dos impostos), os partidos - da Esquerda à dita Direita - convergiram num aspecto: todos parecem estar convencidos de que a mão visível do Estado é indispensável para pôr a economia nos trilhos. Todos, mesmo os que defendem um Estado mais pequeno do que o temos, querem intervir, e parecem achar indispensável explicar aos eleitores como exactamente o vão fazer. Os partidos mais à Esquerda, cavalgando a onda do "fim do capitalismo" alegadamente anunciado pela "crise mais grave dos últimos oitenta anos", defenderam com a agressividade habitual nacionalizações generalizadas, algo impensável, por exemplo, na campanha para as legislativas anteriores. Em suma, assistimos a um debate em que, como sempre, uns advogam mais Estado do que outros, mas com uma deslocação da origem da escala no sentido de todos, sem excepção, quererem mais Estado do que queriam em campanhas anteriores. Ouvimos falar com um vigor invulgar de John Maynard Keynes e de Karl Marx, frequentemente de forma a deixar claro que o orador não fazia a menor ideia do que estes respeitabilíssimos economistas escreveram. Alusões a Adam Smith e Milton Friedman estiveram ausentes, talvez por se entender que não contribuiriam para a angariação de votos que é a razão das campanhas eleitorais. Na melhor tradição do "dirigisme" francês, ouvimos, no intervalo dos debates nacionais, o Presidente da República francesa Nicolas Sarkozy afirmar pujantemente que a França não contrataria bancos que pagassem bónus "excessivos", seja lá o que isso for, aos seus "traders".

Concluída a campanha, e distribuídos os votos, afigura-se útil olhar para o outro lado da história no que à governação das empresas diz respeito. Ficámos a saber que uma boa parte dos políticos portugueses advoga hoje às claras - no seu íntimo, sempre terá sido assim - a nacionalização pura e dura de tudo o que mexe, leia-se gera lucros. Não será, certamente, por causa do magnífico desempenho da República enquanto foi dona da maioria das empresas portuguesas, mas a ideologia tem razões que a razão desconhece. Os restantes estão preocupados com o que a professora da UCLA Naomi Lamoreaux, em excelente e recente artigo no número da Primavera da Business History Review ("Scylla or Charybdis? Historical Reflections on Two Basic Problems of Corporate Governance") designa o problema "tipo I" de governação societária: a expropriação de gente boa e incauta (pequenos accionistas, trabalhadores, o erário público forçado a intervir para reparar danos) por pouco escrupulosos gestores movidos pela ganância (de que o arquétipo é o Gordon Gekko que Michael Douglas tão bem interpretou quando Oliver Stone ainda se não dedicava a filmar vociferantes políticos sul-americanos). A preocupação com estes malefícios é tão grande no discurso que obscurece totalmente o problema que Lamoreaux designa "tipo II": a expropriação da mesma gente boa e incauta por burocratas e gestores públicos, digamos, não irrepreensíveis (exemplos ainda não disponíveis em "Hollywood motion picture", ainda que se possa talvez encontrar bom material exemplificativo no arquivo da RTP de 1975 até ao princípio dos anos noventa). Os dois tipos de problemas são insusceptíveis de resolução simultânea: quando mais os capitalistas (ou seja, aqueles que investem capital - a parte da riqueza que é destinada pelos seus detentores a reproduzir-se, e assim fazendo a provocar o tão almejado crescimento do PIB) conseguirem proteger as suas empresas da confiscatória mão visível do Estado, menos vão poder esperar que o Estado os proteja de gestores à la Gekko. Um problema conceptualmente idêntico ao do agricultor que sabe que não pode pedir sol na eira e chuva no nabal. Ora o clima económico, na Europa Continental, é caracterizado historicamente por um envolvimento profundo dos Estados nos negócios e nas empresas. A conjuntura económica que atravessamos exarcebou esta característica, mesmo no discurso dos políticos ditos de "direita" e "liberais" ou, mais subtilmente, "neoliberais". Esperemos que a ideia não seja deitar o bebé fora com a água do banho.


Professor Auxiliar, IBS - Instituto Universitário de Lisboa
Coluna à terça-feira
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