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Convinha

Convinha, a bem de todos, do país e da reconfiguração que temos pela frente, saber algumas coisas, por forma a não falarmos só pelo lado do governo, substituindo-se à legitimidade do accionista Estado, mas borrifando-se para tudo o resto.

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O PRACE é uma suposta reestruturação do modelo de Estado. E digo suposta reestruturação porque se trata, para já, de uma reestruturação de papel. E como todas as reestruturações de papel, de lápis e folha em branco, ainda não enfrentou os percalços do terreno, os boicotes da massa inerte do Estado, a ascensão das tensões sociais, o desespero dos caminhos de mudança.  

O PRACE procura uma nova racionalidade organizacional, ou uma nova orgânica, alegadamente para devolver o Estado ao seu bom estado. Mas todo o programa foi apresentado de forma demasiado aprazível e redonda, como se o desenho organizacional obedecesse apenas à lógica da arrumação das caixinhas, da extinção de órgãos consultivos (em staff), de serviços desconcentrados, correspondendo tudo isto a uma certa ideia mecanicista da própria organização, tudo o resto esquecido.

Dir-se-ia que foram lidos, e desenterrados, alguns fundamentos organizacionais de Taylor, de Weber, de Fayol, de Gulick, de Moovey, de Raily, de Scott e Mitchell, entre tantos outros sucedâneos. Dir-se-ia que foram descobertas questões polémicas sobre as quais nunca tínhamos pensado antes, dir-se-ia que era mais outro Ovo de Colombo, dir-se-ia que o génio de Sócrates e do governo estavam ao rubro. Mas?nada disso.

Todos podemos fazer alguma formulação onde englobamos a reestruturação das coisas, onde propomos novos modelos, onde fazemos bonecos interessantes para inglês ver. No entanto, qualquer aluno meu de gestão que apresentasse um trabalho de projecto deste teor, onde não figurasse o tempo de implementação, um programa de trabalhos para essa implementação, o encadeamento das actividades e o objectivo de cada uma delas, onde não fossem nomeados os responsáveis e intérpretes para as actividades, onde não houvesse um exaustivo descritivo funcional, onde não pudéssemos ver as métricas para avaliação aos vários níveis e ao longo do tempo, onde não pudéssemos, enfim, perguntar o custo e saber o que fazer em caso de desvio para o objectivo, estaria chumbado. E bem chumbado.

Convinha, a bem de todos, do país e da reconfiguração que temos pela frente, saber algumas coisas, por forma a não falarmos só pelo lado do governo, substituindo-se à legitimidade do accionista Estado, mas borrifando-se para tudo o resto.

Assim, o accionista fica satisfeito - paga menos? Quanto menos? Se há obrigação que o governo tem é a de dizer quanto custa? Quanto se poupa? Quanto menos se vai pagar, quanto se vai investir e quais os custos previsíveis da transição? Nada se sabe mas, como se vê, convinha.

A organização interna fica mais acometida, mais empenhada, mas participativa em construir um melhor Estado? Quanto maior for a sangria organizacional, mandam os livros e o bom-senso, que maiores tenham que ser os rituais de compensação e de remuneração dos que ficam. Está previsto algum trade-off para quem fica na Administração Pública no durante e no pós-implementação? Está previsto algum tipo de ritual vivificador e rejuvenescedor da capacidade de resposta da organização Estatal remanescente? Nada se sabe mas, como se vê, convinha.

Foi inquirido o mercado, todos nós contribuintes, ou pelo menos foi visto o ponto de vista dos contribuintes sobre como encaravam a reformulação? Foi perguntada alguma coisa aos clientes do Estado? Não me lembro e, no entanto, em qualquer projecto deste teor seria fundamental. Mais uma vez, nada se sabe mas, como se vê, convinha.

E, no final, o que se ganha em sustentação, qual o efeito de aprendizagem previsível e acumulado no pós-mudança? Mais uma vez, nada se sabe mas, como se vê, convinha.

Resumindo, convinha a todos mudar. Mas convinha mais ainda perceber que, antes de mudar é preciso trabalhar mais essa mesma mudança. Convinha.

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