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30 de Maio de 2001 às 12:23

«BVLP: uma nova jangada de pedra?»

Depois de terem atingido os mínimos do ano perto do fim de Março, a maioria dos mercados de acções europeus registou uma forte recuperação à medida que os piores receios sobre os resultados do...

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Depois de terem atingido os mínimos do ano perto do fim de Março, a maioria dos mercados de acções europeus registou uma forte recuperação à medida que os piores receios sobre os resultados do primeiro trimestre não se confirmavam e o Fed continuava a descer as suas taxas de juro. Como exemplo, refira-se que desde 22 de Março o índice Eurostoxx 50 (que congrega as principais empresas europeias) subiu 18% e o Ibex35 da bolsa de Madrid – um índice mais comparável com o PSI20 - registou um ganho de 13%. No entanto, o índice PSI20 registou uma queda de 2% no mesmo período.

Com uma tão grande diferença de performances, é natural que muitos investidores se questionem sobre o que terá acontecido e se esta divergência face aos restantes mercados europeus será o início de uma tendência de longo prazo ou apenas um efeito temporário.

Várias hipóteses têm sido apontadas para esta divergência, como por exemplo a elevada exposição da maioria das empresas não financeiras do PSI20 ao Brasil, que é actualmente vista como de alto risco, em face dos problemas económicos e políticos do Brasil e da Argentina. Outra teoria aponta para uma simples coincidência, com problemas de diversas origens a afectar empresas de diferentes sectores simultaneamente.

No entanto – e não pondo de lado a hipótese de uma coincidência de factores negativos que parece, de facto, ter ocorrido e que explicaria a má earnings season em Portugal -, as razões de fundo para esta divergência tão grande entre o PSI20 e os restantes índices europeus parecem ser outras, como alguma falta de interesse dos investidores, que se reflecte em menor liquidez, e uma menos boa gestão da comunicação com o mercado por parte das empresas cotadas.

Começando pela gestão do fluxo de informação para o mercado das empresas portuguesas, constata-se que, na maioria dos casos, esta não parece ser uma prioridade para as empresas, pelo que a qualidade das informações e o timing da sua divulgação nem sempre são os mais apropriados. Esta situação contrasta com a postura das grandes empresas europeias, que se preocupam bastante com essa gestão, fornecendo ao mercado as informações necessárias para este gerir as suas expectativas do modo mais racional. Este maior cuidado permitiu às maiores empresas europeias apresentarem resultados trimestrais em média 1% acima das expectativas do mercado, apesar da conjuntura bastante negativa enfrentada por algumas delas, especialmente as TMTs. Enquanto isso, as empresas portuguesas ficaram 10% abaixo do esperado pelo mercado. Poderá então residir nesta falha em cumprir as expectativas do mercado uma parte da explicação para performances tão díspares entre o PSI20 e os restantes índices europeus? Em nossa opinião, sim.

Quanto à falta de liquidez, a sua primeira causa é a reduzida dimensão do mercado português, que o torna mais sensível às entradas e saídas de capital motivadas por mudanças no sentimento dos mercados. Como ainda estamos num ciclo negativo dos mercados accionistas, a praça lisboeta sofre mais neste momento que os restantes mercados europeus, de dimensão superior.

Perante este quadro negativo, torna-se mais fácil de compreender o porquê das diferenças e performance entre o PSI20 e os restantes índices europeus, mas também fica claro que existem soluções para estas questões. Para entender melhor os problemas, torna-se necessário distinguir entre factores endógenos, como a elevada exposição ao Brasil ou a menor dimensão e diversidade das empresas cotadas em Lisboa - que não são necessariamente negativos - e factores exógenos, como a já referida deficiente comunicação entre as empresas e o mercado ou a redução na liquidez. E é para estes últimos que se torna necessário encontrar soluções.

Se o problema da comunicação poderia ser resolvido com uma mudança da atitude das empresas, que será natural à medida que elas se vão apercebendo das vantagens que têm em comunicar melhor com o mercado, nomeadamente na formação das expectativas, o problema da liquidez é mais complexo já que a sua resolução envolve a revisão de alguma fiscalidade adversa e, sobretudo, o regresso dos grandes investidores internacionais, paralelamente a uma renovação do interesse dos investidores particulares, à praça lisboeta. A oferta de mais instrumentos derivativos, nomeadamente a possibilidade de short-selling, poderia contrabalançar a tradicional redução de liquidez em fases descendentes de mercado.

Em conclusão, podemos dizer que o mercado de acções em Portugal enfrenta neste momento algumas questões importantes, que deverão ser resolvidas convenientemente e num prazo relativamente curto. De outro modo, arriscamo-nos a que a divergência entre a BVLP e as restantes praças europeias passe simplesmente de conjuntural a estrutural...

Jorge Guimarães

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