Opinião
Bush no insondável vespeiro iraquiano
George W. Bush, como a maioria democrata e os seus correligionários republicanos, espera da comissão Baker - Hamilton uma solução milagrosa para conseguir uma retirada digna do Iraque, após meses sem fim de afirmações e promessas de vitória. O Iraque espe
George W. Bush, como a maioria democrata e os seus correligionários republicanos, espera da comissão Baker - Hamilton uma solução milagrosa para conseguir uma retirada digna do Iraque, após meses sem fim de afirmações e promessas de vitória. O Iraque espera uma solução e o seu Governo receia a retirada americana. As milícias exultam talvez por serem as únicas a terem realizado que o território é seu e as regras são suas.
A comissão coordenada pelo antigo secretário de Estado de George Bush (pai) e pelo senador democrata Lee Hamilton é olhada com exagerada expectativa por muitos americanos desejosos de uma saída para o imbróglio iraquiano. Ao longo de alguns meses de trabalho a comissão ouviu quem entendeu e até o PM britânico Tony Blair foi consultado em vídeo-conferência.
Para Blair, a solução passa por encontrar um compromisso estável no conflito israelo-palestiniano e um consenso com a Síria e o Irão sobre a situação no Iraque. Isto é, garantias de que ambos se irão manter fora do conflito e influenciarão as milícias que lhes são próximas. James Baker por seu turno levantou um pouco o véu falando em estabilizar o regime iraquiano mas abstendo-se de referir uma retirada imediata das tropas americanas.
Os democratas moderados, para exaspero da ala liberal, não falam em retirada imediata mas em preparar a retirada sem excluírem um reforço dos 140 mil efectivos existentes.
Os republicanos receberam a mensagem do eleitorado e afinam pelo mesmo diapasão, pese embora algumas vozes influentes que continuam a apostar na linha dura.
O Presidente tem consciência que a comissão Baker - Hamilton irá propor uma retirada no final de muitas análises e recomendações - que poderão até passar por uma utilização diferente das tropas americanas em apoio do exército iraquiano que assumiria o papel preponderante, que até agora tem sido incapaz de desenvolver. Especula-se num reforço de consultores militares americanos para ajudar a treinar e tornar operacional o exército nacional, especula-se mesmo em conseguir apoio dos amigos que empenharam tropas no Iraque. Certezas por enquanto uma única: a retirada vai ser inevitável. Desejos: um essencial, retirar de forma ordenada num aparente final de missão cumprida. Outra certeza parece desenhar-se, não haverá partilha do Iraque ao longo de linhas sectárias.
George W. Bush começou uma guerra para derrubar Saddam Hussein, sob aquilo que agora se tem a certeza serem falsos pretextos. Começou essa guerra aconselhado por Rumsfeld, já demitido, e Dick Cheney, o sei vice-presidente, e Condoleezza Rice, na altura conselheira nacional de segurança, hoje secretária do Departamento de Estado, na altura chefiado pelo general Colin Powell, o antigo chefe do Estado Maior General que não via a operação com o optimismo de Bush e dos seus amigos mais próximos.
George W. Bush avançou com uma certeza que Powell, militar experiente e que na presidência de Bush (pai) comandou a primeira Guerra do Golfo, enquanto CEMGFA, não partilhava. Colin Powell saiu de "Foggy Bottom" para dar lugar à tão ambiciosa quanto ignorante Condoleezza Rice. As responsabilidades do que tem acontecido no Iraque e da má condução da política naquela zona do Globo têm recaído e vão continuar a recair sobre George W. Bush, especialmente agora que a "bête noire" Donald Rumsfeld partiu. A verdade porém é que os outros são tão responsáveis quanto o Presidente. Porque o aconselharam, porque o encorajaram, porque não lhe fizeram frente, mas sobretudo porque nunca lhe disseram o óbvio: começar uma guerra é extremamente facial, acabá-la é um processo complicadíssimo. Especialmente porque os americanos e aqueles que seguiram os trilhos parece nunca terem previsto a necessidade de uma retirada forçada por esta mudança na maioria parlamentar americana. Um erro crasso e não totalmente imprevisível.
As forças invasoras, depois de derrubado Saddam Hussein, e de um aparente período de graça viram-se envolvidas numa guerra sectária, religiosa e onde um dos mais importantes protagonistas ainda não entrou em cena: o povo curdo. Uma guerra civil cuja resolução não se esgota na vitória de um dos lados sobre o outro. Muito especialmente numa zona em conflito aberto ou latente onde os aliados do chamado Ocidente se encontram entre os opressores, seja no Kuwait, na Arábia Saudita ou outro país. O Irão e a Síria, que podem deter alguma influência, fazem parte do eixo do mal definido por George W. Bush. Mas até essa influência se torna extremamente relativa dada a pulverização que as milícias tanto xiitas como sunitas estão a sofrer e que as torna mais imprevisíveis e perigosas.
James Baker e Lee Hamilton são conhecidos pela sua habilidade e inteligência política.
O problema está no terreno e os protagonistas não são Governos nem partidos ou grupos religiosos organizados (essa fase já passou sem ser aproveitada, em nome de uma vitória ilusória). Resta esperar que a inspiração divina que Bush reivindica ter impeça um novo Vietname ou uma retirada como no Sudeste asiático, com as consequências que teve no Vietname mas especialmente no Cambodja. Talvez a comissão Baker - Hamilton tenha conhecido melhor inspiração. De momento é tudo quanto existe: uma expectativa.
Jornalista
Assina esta coluna semanalmente à sexta-feira