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Miguel Pina e Cunha - Professor 13 de Agosto de 2010 às 11:52

BP, ou a crónica de um desastre anunciado

A BP tem sido um dos mais interessantes case studies de gestão da última década.

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E não pelas melhores razões. Depois da saída de um CEO imperial, Lord Browne, envolvido num caso amoroso que deu que falar, a empresa passou a ser liderada por um geólogo estrela, Tony Hayward. A entrada de Hayward levou a uma reorientação de algumas práticas da empresa que não têm dado bom resultado. A recente crise é, digamos, a gota de petróleo que fez transbordar o copo.

Apostada em evoluir do negócio do petróleo para um portefólio mais diversificado no campo das energias, a BP tinha lançado em Julho de 2000, uma nova identidade centrada no mote beyond petroleum. Em 2009, o novo CEO veio repor a identidade original, afirmando que o petróleo e o gás estão no ADN da empresa. Afirmou Tony Hayward que a identidade tentada anteriormente fez com que muitos empregados andassem "a trabalhar para salvar o mundo". Talvez a BP tenha descoberto que estava imersa numa espécie de "tragédia dos baldios" e que, sem a actuação concertada de todos os agentes, a empresa acabaria prejudicada.

Acontece que se Hayward fugiu do ambiente, o ambiente correu atrás de Hayward. O desastre da plataforma Deepwater Horizon, no golfo do México a 20 de Abril, perto da costa do estado americano da Luisiana, colocou a empresa debaixo de fogo. Onze pessoas morreram e pelo menos 20 mil a 30 mil barris de petróleo foram despejados diariamente no mar durante meses.
O caso revelou a impreparação das empresas em relação a desastres com plataformas de exploração em águas profundas. E claro, dos seus CEO: além do jorro petrolífero, "outra torrente" ameaça a BP, escreveu o New York Times em notícia de capa: a torrente de gafes do seu CEO. Hayward descreveu o desastre como "muito, muito modesto". Apesar destas declarações, a crise gerou não apenas sérios danos reputacionais, mas também o que foi descrito como uma "crise existencial" na companhia. A crise de 2010 pode no entanto ser entendida como a continuação de uma série de desastres anteriores no Texas (onde uma explosão numa refinaria matou 15 pessoas em 2005) e no Alaska (outro derrame petrolífero em 2006). Por esta razão Henry Mintzberg, num texto de 2006, colocou a BP na companhia de empresas como a Enron, AT&T, AOL-Time Warner e outras que na sua perspectiva, têm vindo a destruir a competitividade dos EUA. Para agravar o sentimento de que a empresa dava menos atenção do que devia às matérias da segurança, o seu parceiro Anadarko Petroleum, dona de um quarto do poço onde funcionava a Deepwater Horizon, veio acusar a BP de "negligência grosseira" do ponto de vista da segurança.

No auge da crise, o presidente Obama manifestou-se contra o pagamento de dividendos aos accionistas. Todo este episódio ajuda a pensar os modelos de governança e a responsabilidade dos gestores. Devem os executivos considerar o interesse dos accionistas acima do resto? Este episódio sugere que não, que o foco nos interesses de curto prazo dos accionistas pode ser contrário aos seus interesses a longo prazo. As acções da BP atingiram o seu mínimo desde 1997 e a própria viabilidade da empresa como firma independente tem vindo a ser questionada. Como referiu ao Negócios Jeff Rubin, autor de "Por que é que o seu mundo vai ficar muito mais pequeno", este desastre pode significar que a BP vai "deixar de existir". Estima-se que os custos da limpeza possam atingir os 15 mil milhões de dólares. Os lucros de 2009, de 17 mil milhões de dólares servirão para pagar a limpeza do mar. O nome e a reputação da BP, esses ficarão manchados por muito tempo. British Pollution e Black Petroleum são apenas dois dos mimos dados à empresa na sequência do desastre.

O caso BP vem ilustrar, uma vez mais, a necessidade de as empresas se entenderem como responsáveis pelas suas acções perante uma constelação de partes interessadas. Como sugerido num artigo recentemente publicado, tomar o accionista, sempre, como o principal stakeholder pode ser um erro. Proteger o interesse do accionista no longo prazo, significa que o interesse primeiro deve ser colocado na própria empresa e na sua sobrevivência e saúde a longo prazo. Ela é o principal stakeholder.

Para desenvolver o tema:
Lan, L.L. & Heracleous, L. (2010). Rethinking agency theory: The view from law. Academy of Management Review, 35(2), 294-314.
Mintzberg, H. (2006) How productivity killed American enterprises. Acessível em www.mintzberg.org

Professor catedrático, Faculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa
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