Opinião
Wells Fargo: o faroeste da gestão
Para muitos portugueses o nome Wells Fargo ficou ligado aos velhos livros e filmes de "cowboys" como o da empresa de carruagens que transportava passageiros e valores por territórios repletos de perigos.
Trata-se, hoje, de uma das maiores instituições financeiras dos EUA e do mundo. E quem diria que os tempos poderiam ainda revelar-se perigosos para a velha empresa? Mas acontece que desta vez os bandidos estavam dentro e não fora do banco.
A história é fácil de contar. Uma das organizações do grupo, Community Bank, foi adotando políticas de gestão agressivas. Tão agressivas que se tornaram, em muitos casos, impossíveis. Já aqui se discutiu, noutra ocasião, a promessa, mas também o perigo dos objetivos impossíveis, uma técnica de gestão popularizada por Jack Welch.
No caso do Community Bank, os objetivos eram reconhecidos como de extraordinária dificuldade. O resultado foram os chamados planos 50/50, o que significava que os objetivos traçados seriam expectavelmente atingidos em apenas metade das regiões em que o banco operava. O problema é que, mesmo em algumas dessas regiões, os objetivos não seriam alcançáveis sem o recurso a vários tipos de expedientes desonestos. Eram abertas falsas contas e atribuídos cartões sem autorização dos clientes; alguns produtos eram "bundled" para servir objetivos e não necessidades. Enquanto as coisas correram bem, o banco foi adquirindo uma imagem positiva. A sua gestora, Carrie Tolstedt, foi em paralelo construindo uma superior reputação profissional. Os clientes, ignorantes da marosca, validavam o modelo com boas pontuações nos inquéritos de satisfação.
Uma investigação do Los Angeles Times começou a revelar o lado escuro do Wells Fargo. Com a tolerância dos seus chefes de topo, a sra. Tolstedt criou uma organização monstruosa. Aqueles que não alinhavam eram humilhados ou mesmo despedidos. Os números eram apresentados à administração de uma forma conveniente - via manipulação. Cerca de 5.300 pessoas foram despedidas por más práticas entre 2011 e 2016. Estes números anormais eram enquadrados como normais, pois o banco apresentava-se a si mesmo como uma empresa de retalho. Logo, o nível elevado de "turnover" seria justificável e até expectável.
Um relatório do Independent Directors of the Board of Wells Fargo & Company (2017) conta a história toda. Trata-se de um documento impressionante, cuja leitura se recomenda a quem tem funções de gestão. Mostra como pessoas com inúmeras qualidades pessoais e profissionais podem criar organizações que as ultrapassam e destroem. Pelo caminho ficaram numerosas vítimas. No final, concluímos, é realmente difícil aprender com os erros dos outros, mesmo ao fim de tantos anos e de tantos casos.
Para continuar a explorar este assunto:
"Independent Directors of the Board of Wells Fargo & Company (2017). Sales practices investigation report." Publicado a 10 de abril de 2017 e acessível online.
Professor na Nova School of Business and Economics
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico