Opinião
Barafundas europeias
Onde o autor, impressionado pela quantidade de peritos e "peritos" europeístas que emergem como cogumelos, debitando soluções para todos os gosto e desgostos, numa impressionante manifestação de desnorte, mas sempre com uma segurança impressionante quanto ao mérito do que dizem, decide invocar o princípio da igualdade e deixar para a posteridade mais um momento excelso de pensamento iluminado, lembrando aos federalistas algumas coisas sobre os Estados Unidos, muitas vezes sugeridos.
Que a Europa se encontra metida em grandes alhadas é o raro género de afirmações que suscita unanimidade. Mas aí acabam os acordos e consensos, a seguir entramos no reino do "cada cabeça, cada sentença", e é aqui que aparece a minha humilde contribuição para a confusão geral. Convirá esclarecer, desde logo, que sou um europeísta convicto com inclinações federalistas, em resumo, pelas óbvias razões que os projectos agregadores, voluntaristas ou não, afastaram os ventos de guerra, criaram uma onda de prosperidade, estimularam a cooperação, tudo a um ponto tal que só se pode dizer, como Lula, que a União Europeia já não é só uma questão dos europeus, porque se trata de património da Humanidade. É também uma aventura, uma história de homens individualmente considerados e de povos próximos, alguns com penosas heranças de sangue, que podemos ver seguindo desde o tratado de Paris e a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, já lá vai meio século, até Maastricht e a criação da moeda única, Nice e Lisboa e o projecto político mais aprofundado.
Mas o que é relativamente simples a seis, económica e politicamente, passou a ser profundamente complexo a 27, evocando a história de Babel e a confusão linguística figurativa da Bíblia, que é, afinal, a de interesses, vontades e idiossincrasias. Entre maior democracia global para definir destinos, uma autêntica quimera que paralisa tudo, até o directório a dois, que sofre de ilegitimidade e incapacidade dos protagonistas, algures a meio há-de estar o adequado leme e cartografia para levar a nave a bom porto. Um caminho mais federal parece ser a resposta evidente, tão óbvia que eu próprio a descobri, com uma governação económica mais coesiva e um comando menos aleatório e conjuntural. Os poderes do banco central e do governo comum vêm permanentemente à superfície, mas, curiosamente, sob propostas que pura e simplesmente ignoram a letra e o espírito dos tratados em vigor e os pressupostos fundamentais de coesão. No final, na Zona Euro, invoca-se a união monetária e fiscal e olha-se para os Estados Unidos, o modelo potencial para algum tipo de Estados Unidos da Europa. Como discordo, dentro do meu federalismo, passo a argumentar nos termos que alguns americanos apontam, no sentido de quem diz, "se essa é a solução, olhem para nós, e a situação dos estados e jurisdições locais".
Cá, como lá, houve decisões, políticas e situações económicas tão más que os mercados decidiram, racionalmente, apostar contra, e o caminho não é, por exemplo, unificar sistemas fiscais ou transferir fundos para as zonas mais necessitadas, mas arrumar as casas e as salas dentro de cada uma, com métodos rigorosos e exigentes (por muito que os políticos vociferem em contrário, escondendo a sua incompetência, os mercados, em geral, é que sabem, porque só ganha quem investe sensatamente de acordo com os fundamentais da economia). Má disciplina orçamental e laxismo político-eleitoral são o inimigo, de ambos os lados do Atlântico, e penosos ajustamentos são o remédio cá, mas lá também.
Um interessante artigo do "Wall Street Journal" da semana passada dá curiosas perspectivas históricas, suportando a ideia de que não há salvação para os Estados americanos sem rigorosas medidas que o sistema federal impõe. Se a gastadora Califórnia ou o pequeno Jefferson County criam dívidas insuportáveis, défices impossíveis e desemprego invulgar, então não é o poder central que traz a ambulância de fundos salvadores, a não ser por via de penoso processo de insolvência e de recuperação de confiança dos credores. Ao fim e ao cabo, é a "competição federal", com grande liberdade fiscal e económica, o sistema que vigora nos Estados Unidos, e esse não é muito diferente do que se passa com os Estados da união monetária europeia. O problema seria antes baseado no "acquis comunautaire" e a forçada harmonização, muito mais nominal do que real, tendo-se avançado demasiado depressa e com voluntarismo displicente a mais. E com um Banco Central de estatutos desajustados para a situação, acrescento eu, humildemente.
Advogado, autor de "Ganhar em Bolsa"
(ed. D. Quixote), "Bolsa para Iniciados" e "Crónicas Politicamente Incorrectas" (ed. Presença). fbmatos1943@gmail.com
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Mas o que é relativamente simples a seis, económica e politicamente, passou a ser profundamente complexo a 27, evocando a história de Babel e a confusão linguística figurativa da Bíblia, que é, afinal, a de interesses, vontades e idiossincrasias. Entre maior democracia global para definir destinos, uma autêntica quimera que paralisa tudo, até o directório a dois, que sofre de ilegitimidade e incapacidade dos protagonistas, algures a meio há-de estar o adequado leme e cartografia para levar a nave a bom porto. Um caminho mais federal parece ser a resposta evidente, tão óbvia que eu próprio a descobri, com uma governação económica mais coesiva e um comando menos aleatório e conjuntural. Os poderes do banco central e do governo comum vêm permanentemente à superfície, mas, curiosamente, sob propostas que pura e simplesmente ignoram a letra e o espírito dos tratados em vigor e os pressupostos fundamentais de coesão. No final, na Zona Euro, invoca-se a união monetária e fiscal e olha-se para os Estados Unidos, o modelo potencial para algum tipo de Estados Unidos da Europa. Como discordo, dentro do meu federalismo, passo a argumentar nos termos que alguns americanos apontam, no sentido de quem diz, "se essa é a solução, olhem para nós, e a situação dos estados e jurisdições locais".
Um interessante artigo do "Wall Street Journal" da semana passada dá curiosas perspectivas históricas, suportando a ideia de que não há salvação para os Estados americanos sem rigorosas medidas que o sistema federal impõe. Se a gastadora Califórnia ou o pequeno Jefferson County criam dívidas insuportáveis, défices impossíveis e desemprego invulgar, então não é o poder central que traz a ambulância de fundos salvadores, a não ser por via de penoso processo de insolvência e de recuperação de confiança dos credores. Ao fim e ao cabo, é a "competição federal", com grande liberdade fiscal e económica, o sistema que vigora nos Estados Unidos, e esse não é muito diferente do que se passa com os Estados da união monetária europeia. O problema seria antes baseado no "acquis comunautaire" e a forçada harmonização, muito mais nominal do que real, tendo-se avançado demasiado depressa e com voluntarismo displicente a mais. E com um Banco Central de estatutos desajustados para a situação, acrescento eu, humildemente.
Advogado, autor de "Ganhar em Bolsa"
(ed. D. Quixote), "Bolsa para Iniciados" e "Crónicas Politicamente Incorrectas" (ed. Presença). fbmatos1943@gmail.com
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