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Opinião
17 de Agosto de 2006 às 13:59

As finanças públicas e os ataques cardíacos

Tal como as artérias que transportam o sangue ao longo do corpo, também os canais que distribuem o dinheiro pelo país podem ficar doentes: com gorduras.

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E deste modo provocar um acréscimo de esforço no coração, ou no caso dos fluxos financeiros, nos cofres centrais do Estado. Por isso sempre que surgem os primeiros sinais de enfermidade o melhor é mesmo alterar os hábitos e cortar com os excessos. Ora há muito que Portugal se anda a queixar do mal. Mas até agora ainda não decidiu mudar de vida.

1. A terceira mentira mais contada

É provavelmente a terceira mentira mais contada pelos políticos – logo após a do «para o ano não vai haver incêndios» e «quando a economia recuperar baixamos os impostos» -, quando chegam ao poder. Por todos: da esquerda à direita e da oposição ao Governo. O Estado não tem dinheiro e a culpa é do Governo (s) anterior (es). E por isso, em virtude dessa situação, há que cortar. Anuncia-se então uma reforma da administração pública, convidam-se os jornalistas para uma apresentação e despejam-se algumas medidas. Aqui surge a diferença. Se o partido segue uma política considerada mais à direita revela um corte na administração e em alguns benefícios, se se situa mais à esquerda olha com mais interesse para um novo aumento da carga fiscal. Mas a verdade é que este problema não foi criado pelo anterior Governo, nem pelo precedente. Simplesmente não só não foi resolvido nunca, desde 1974, como foi agravado.

Se focarmos agora a nossa atenção no actual Governo, verificamos que também não resistiu à tentação e anunciou a tal reforma da Administração do Estado. A missão tem nome: Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado. E o objectivo é claro e ambicioso: renovar os serviços prestados pelo Estado, com o objectivo de reforçar a consolidação orçamental e a maior eficiência dos serviços.

Quando foi anunciado este Programa era detalhado nos propósitos. Referia-se que visava concretizar formas de obter economias de gastos e ganhos de eficiência pela simplificação, racionalização de estruturas e modernização da Administração Pública, através da reavaliação organizacional dos vários Ministérios e da análise das respectivas funções, orgânica, de dimensão, de recursos afectos e de procedimentos. Está tudo lá. Para não haver enganos.

Registe-se todavia que pela primeira vez há um comprometimento relativamente à redução do número de efectivos da função pública. A equipa de José Sócrates comprometeu-se a «reduzir em 75 mil o número de efectivos da função pública durante a legislatura». Sejamos justos, pela primeira vez algum Executivo se «atravessa» com uma promessa relativamente a este ponto, de forma quantificada.

Feitas agora as contas, quando já caminhamos rapidamente para o final do ano e o próximo Orçamento de Estado está prestes a ser apresentado, verificamos que para já os sinais de mudança são ainda frágeis. É certo que quando foi apresentado o Orçamento de Estado para 2006 tinha como pretensão reduzir o peso do Estado na economia. Na altura prometia-se fazer cair o peso da despesa pública no PIB em apenas 0,5 pontos percentuais para 48,8%. Mas por enquanto mantém-se as dúvidas sobre se a execução orçamental deste ano vai permitir reduzir nem que sejam esses 0,5 pontos percentuais.

2. O Estado não tem dinheiro... e ainda bem!

O que já se percebeu há muito é que Portugal tem um problema crónico de falta de dinheiro. Ou dito de outro modo tem registado despesas sempre em montante superior às receitas. Viver com um défice público claramente acima de 6% do Produto Interno Bruto (PIB) representa para o país o mesmo que para um ser humano significa acumular gordura nas artérias. É uma pressão constante, um acréscimo de esforço para produzir o mesmo, um peso que se vai sentido sempre mais e mais. Dirão os médicos que uma obstrução das artérias pode dar mau resultado: um enfarte do miocárdio, mais conhecido por ataque cardíaco. E por isso recomendam aos pacientes, quando surgem os primeiros sinais da maleita, uma mudança de hábitos.

Curiosamente e apesar de há muito as finanças públicas portuguesas se queixarem com uma «dorzita» aqui ou um cansaço acolá ainda não mudou de forma consistente os tais hábitos. Mantém-se os sinais de alerta. Não há por exemplo margem para fazer face aos mais que prováveis aumentos da despesa nas transferências sociais, sector da saúde, poder local e fundos autónomos. Só restam portanto cortes adicionais na despesa pública que podem ter de ultrapassar os 750 milhões de euros ainda durante este ano. Já que do lado da receita não se pode «puxar» mais. Aliás foi pelo lado da receita que a maior parte da redução do défice aconteceu até agora.

Em suma se do lado da receita se torna inviável aumentar ainda mais a carga fiscal (penalizando ainda mais as empresas e os cidadãos) e a recuperação económica continua comprometida não resta outro caminho senão acelerar esse fecho inevitável da torneira. Cortar mais e mais depressa. Definir prioridades. Se não pode faltar dinheiro para a saúde e prestações sociais tem de deixar de ser gasto com piscinas municipais, rotundas e obras megalómanas de futuro incerto e necessidade duvidosa.

Os sinais de alerta, as gorduras no sangue, a pressão e a vida sedentária, devem ser levados a sério. Sem dramatismos. Mas como estímulo para o se mude. Se o Estado está perante esta situação de não ter dinheiro para tudo, ainda bem. É preciso focar a atenção apenas no mais importante.

3. Talvez o melhor seja mesmo... trabalhar

Perante este cenário o melhor mesmo é deixar de contar com o Estado. Os cidadãos têm de assumir para si novas funções e novas responsabilidades (mais ainda) que até então não lhe competiam: pensar na reforma, poupar para pagar a educação dos filhos, esquecer o tal emprego garantido na estrutura do Estado. Às empresas pede-se agora novo arrojo, iniciativa, capacidade de identificar oportunidades e audácia de arriscar em novas ideias.

Ao Governo pede-se que leve a cabo de forma determinada e sem hesitações a limpeza das contas públicas. Que corrija injustiças e elimine os despesismos. Que reduza a presença do Estado onde este não só não faz falta como é um elemento de desequilibro do próprio mercado. Aliene a posição que tem na Galp, abandone definitivamente o sector da pasta e do papel e coloque a TAP no mercado. E já agora não se esqueça de abdicar da Golden Share que detém na Portugal Telecom. Mas também se pede ao Estado que seja pessoa de bem nas relações económicas com os outros intervenientes. Se manda publicar a lista dos maiores devedores ao fisco, que tenha a coragem de revelar qual é o prazo médio de pagamentos aos fornecedores.

Ou como diria Thomas Atkinson, «vencer a preguiça é a primeira coisa que o homem deve procurar, se quiser ser dono do seu destino».

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