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15 de Novembro de 2006 às 13:59

As cidades e a inovação

Num estimulante artigo publicado no Público da passada segunda feira, 13 de Novembro, intitulado "O Desafio É Criar Uma Capital da Inovação", Catarina Selada e José Rui Felizardo, do Inteli, propõem-nos um debate público sobre este tema, interrogando-se(n

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Num estimulante artigo publicado no Público da passada segunda feira, 13 de Novembro, intitulado "O Desafio É Criar Uma Capital da Inovação", Catarina Selada e José Rui Felizardo, do Inteli, propõem-nos um debate público sobre este tema, interrogando-se(nos), "Com a Estratégia de Lisboa na lista das prioridades da próxima Presidência Portuguesa da União Europeia, porque não colocar na agenda política o lançamento da "Capital Europeia da Inovação"? Uma ideia para debate..."

Para lá da ideia estimulante, trata-se de desafiar a subjectividade com que o tema da "inovação" tem sido tratado entre nós, considerado predominantemente como uma característica do domínio psicológico e cultural e muito pouco como o fruto do trabalho e da organização.

Sobre este tema, comecemos por (re)visitar Peter Drucker, no seu livro de 1984, "Innovation and Entrepreneurship". Afirmava ele logo no início do Prefácio, "Enquanto muito da discussão actual trata o empreendorismo como qualquer coisa de misterioso, seja dom, talento, inspiração, ou "rasgo de génio", este livro apresenta a inovação e o empreendorismo como tarefas direccionadas que podem ser organizadas – de facto necessitam de ser organizadas – e como trabalho sistemático." E, mais adiante, "O empreendorismo não é nem uma ciência nem uma arte. É uma prática."

Num comentário de 1990 ao seu conhecido ensaio "The Rise of the West", o historiador W. H. McNeill escreveu "The Rise of the West assenta na ideia de que o principal factor promotor de mudanças sociais historicamente significativas é o contacto com estrangeiros possuidores de capacidade novas e desconhecidas".

As duas ideias fundamentais que ressaltam destes textos são, por um lado, a "inovação" como "processo produtivo", susceptível de ser organizado e gerido em direcção a objectivos definidos e, por outro, as "cidades" como lugar privilegiado do processo de "criação/difusão" da inovação.

As cidades, algumas cidades, são, simultaneamente, os pontos nodais em que se cruzam estas duas perspectivas da "Inovação", a perspectiva histórica e a perspectiva técnica. Ao longo da História, as redes comerciais ligando cidades afastadas foram fundamentais para a dinamização da economia e difusão da inovação e, nesta óptica, a Lisboa do sec. XVI constituiu, brevemente, um ponto fulcural da difusão da inovação entre o Ocidente e o Oriente. E foi, muito provavelmente, o "corte" já então existente entre Lisboa e o resto do país, que impediu que esse "momento único" se perpetuasse.

É esta difusão em rede da "inovação" que se pode dinamizar com o projecto da "Capital Europeia da Inovação", reconhecendo que quando se fala de "inovação" está a falar-se de "organizar" objectivamente o processo da "inovação" criando as infra-estruturas necessárias e as redes relacionais adequadas à consolidação duma "pulsão" inovadora através da Europa.

Estamos a falar de uma convergência entre o processo político – a gestão da cidade e das suas áreas de influência – e o processo económico – o reforço das condições de competitividade da região e das empresas nela localizadas.

Estamos a falar da organização e da renovação do espaço urbano, da articulação da cidade com a sua interland, da dupla articulação emprego/formação e investigação/negócios, da criação de instrumentos financeiros flexíveis e abrangentes mas trata-se, sobretudo, da criação de uma rede de contactos aberta ao exterior, de uma cultura de "risco", cosmopolita, disposta a trocar "parte das suas certezas" por "algum desconhecido com potencial interesse", isto é, centrada mais na criação (e menos no consumo) de valor económico e social.

È óbvio que uma boa ideia, por si só, não resolve um problema. Haja em vista o que se tem passado com a "Estratégia de Lisboa" unanimemente adoptada como "farol" do percurso da ascensão da Europa à liderança da economia mundial mas com as metas constantemente revistas e, sempre, quase à mesma distância no futuro.

A ideia de uma rede de "capitais da inovação" poderá, neste contexto, constituir um importante instrumento de aceleração nesta "never ending" caminhada da EU em direcção a uma liderança tecnológica que tarda em afirmar-se e que, por demais anunciada e nunca concretizada (nem sequer aproximada) se arrisca a "passar" como outras modas, constantemente abafada pelo peso de uma cultura" que coloca as suas preferências na "segurança do adquirido" e na "recusa do desconhecido".

De facto, uma rede de "Capitais da Inovação" pode constituir o "esqueleto" estrutural que reforça um conjunto de pontos esparsos de "modernização" num oceano de "conformidade" e lhe dá massa crítica para poder iniciar um processo de irreversível crescimento.

Venha, portanto, esse projecto de uma rede de "Capitais Europeias da Inovação". As presidências portuguesas da EU poderão ficar para a História, senão pelos problemas resolvidos, pelo menos pelas " boas ideias" geradas e que, muito à portuguesa, se não legam ao futuro boas soluções legam, certamente, grandes e estimulantes discussões.

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