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Armindo Monteiro amonteiro@anje.pt 11 de Dezembro de 2006 às 13:09

Altruísmo à custa das empresas

O salário mínimo nacional (SMN) vai aumentar 4,4% em Janeiro de 2007, fixando-se em 403 euros brutos. Posteriormente, crescerá a um ritmo que permitirá atingir o valor de 450 euros em 2009 e 500 euros em 2011.

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O salário mínimo nacional (SMN) vai aumentar 4,4% em Janeiro de 2007, fixando-se em 403 euros brutos. Posteriormente, crescerá a um ritmo que permitirá atingir o valor de 450 euros em 2009 e 500 euros em 2011.

O anúncio foi feito há poucos dias pelo Governo e, à primeira vista, devia ser motivo de contentamento geral, por se tratar de um aumento significativo do poder de compra dos trabalhadores com remunerações mais baixas. Contudo, as decisões aparentemente imbuídas da mais genuína generosidade podem, por vezes, ter efeitos perversos que anulam a sua natureza altruísta. Este parece-me ser, manifestamente, o caso.

Não vou procurar estabelecer qualquer relação entre o SMN e a competitividade da economia portuguesa. Nem abordar o risco que me parece moderado da subida em espiral nos patamares salariais seguintes. Também não quero abordar o problema na perspectiva das empresas que, não comportando um modelo de negócio compatível com este nível de remuneração mínima, me parecem obviamente condenadas. Apenas pretendo abordar a perspectiva da fixação de um valor abaixo do qual qualquer trabalhador está proibido de aceitar ser remunerado pelo factor trabalho.

Por decreto governamental, foi estabelecido que nenhum português merece menos que 403 euros pelo seu trabalho mensal. Neste contexto, eu gostaria que o SMN fosse estabelecido em 5.000 euros. Tenho, no entanto, as minhas dúvidas em relação à capacidade dos empresários para criar empresas que comportem esse nível de salários, bem como em relação ao nível de qualificação a adquirir pelos trabalhadores susceptível de merecer esse vencimento.

Apenas 5,5% dos trabalhadores portugueses recebe o SMN. Contudo, as fontes oficiais indicam que cerca de 28% dos desempregados são candidatos a um trabalho que teria uma remuneração mínima. Surge uma pergunta legítima, estes candidatos a um emprego teriam mais probabilidade de o encontrar se a remuneração mínima não fosse tão elevada? A sua dignidade humana estará melhor protegida pela fixação de uma remuneração mínima ou pela inexistência de qualquer remuneração?

Com o anúncio desta medida de grande notoriedade e impacto político, José Sócrates conseguiu amealhar créditos para o seu Governo sem qualquer dispêndio para as contas públicas, uma vez que a factura será integralmente paga pelas empresas. Algum tempo antes, os mais atentos já tinham desconfiado da medida governamental que desobriga as pensões de estarem indexadas ao salário mínimo. Com efeito, a partir do próximo ano, as pensões deixarão de estar indexadas ao valor do SMN, permitindo que este seja aumentado sem restrições orçamentais.

E aqui surge mais uma dúvida legítima. Se o novo salário mínimo foi definido para benefício do conjunto de trabalhadores que auferem retribuições mais baixas, com o intuito de melhorar as suas condições de vida, conforme refere o comunicado do Conselho de Ministros, então qual a razão para não continuar indexado às pensões e desta forma beneficiar o conjunto de pensionistas que auferem reformas mais baixas, visando igualmente o incremento do seu bem-estar?

A generalização é sempre perniciosa e injusta. Como em tudo na vida, convém separar o trigo do joio: os gestores e empresários que consideram não ter condições para pagar um salário acima de um determinado valor para o exercício de uma função laboral especifica daqueles outros que, movidos pela ambição do lucro ou da usura, não hesitam em pagar abaixo do valor do trabalho prestado, sem qualquer relação com a riqueza produzida pelo trabalho.

Naturalmente que os gestores e empresários têm a responsabilidade de encontrar modelos de negócio de valor acrescentado que permitam remunerar o trabalho a níveis salariais justos. No entanto, esta equação de "justiça" tem pelo menos mais duas variáveis: o esforço (ou empenho) e a capacidade (ou qualificação) individual do trabalhador. Quantos portugueses não possuem hoje qualificações susceptíveis de produzir, durante um mês, um trabalho que mereça um pagamento de 403 euros?

Neste sentido, compete a outros agentes, nomeadamente aos sindicatos, sensibilizar para a exigência de um nível de qualificação individual dos trabalhadores pelo menos idêntico ao valor mínimo da remuneração. Assim, a fixação de um SMN não deverá ser entendido como um ponto de chegada na negociação mas, sim, como um ponto de partida.

O revés da medalha é que o aumento do salário mínimo prejudica ainda mais todos os infortunados e comunidades que, por uma razão ou outra, têm dificuldade em produzir mais do que o valor estipulado para esse salário mínimo. Assim, as principais vítimas são os trabalhadores que a existência do SMN procura proteger: os indiferenciados. Que seriam empregados abaixo do salário mínimo e assim não são, porque esse estabelecido inviabiliza todos os postos de trabalho que poderiam existir abaixo dele.

Acresce que, ainda segundo a Comissão Europeia, Portugal é o país da zona euro onde os custos do trabalho suportados pelas empresas registam uma menor adaptação ao ciclo económico, sendo esta uma das principais justificações para a divergência da economia nacional face às suas congéneres.

Mas o pior de tudo isto é que, para alimentar o discurso "politicamente correcto" da redução das desigualdades sociais, o Executivo de José Sócrates empurra para as empresas o ónus do aumento salarial, enquanto na Administração Pública, e muito bem, impõe contenção na actualização das remunerações. Ou seja, é muito fácil ser altruísta à custa dos outros, neste caso das empresas.

Sou por isso forçado a concluir que, apesar das auspiciosas declarações governamentais sobre o assunto, o Executivo não pretende, de facto, introduzir mais flexibilidade no mercado de trabalho. Às empresas continua a ser exigida uma permanente evolução salarial, sem atender aos acréscimos da produtividade e sem que, em contrapartida, o regime de despedimentos e contratações se torne mais flexível. Deste modo, a "flexisegurança" não passará de palavra vã na boca dos nossos governantes.

Presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários

amonteiro@anje.pt

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