Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
25 de Julho de 2002 às 18:39

Aldeamentos e loteamentos para fins turísticos

A recente alteração do regime jurídico da instalação e do funcionamento dos empreendimentos turísticos, aprovada pelo Decreto-Lei nº 55/2002, de 11 de Março, não alcançou o objectivo que se propôs,...

  • ...
A recente alteração do regime jurídico da instalação e do funcionamento dos empreendimentos turísticos, aprovada pelo Decreto-Lei nº 55/2002, de 11 de Março, não alcançou o objectivo que se propôs, de compatibilizar a legislação turística com o regime jurídico da urbanização e da edificação. Para além de questões burocráticas, relacionadas com a inserção do parecer da Direcção-Geral do Turismo no procedimento de licenciamento de operações urbanísticas, estão também em causa questões de fundo relacionadas com a natureza jurídica dos aldeamentos turísticos.

Tradicionalmente a instalação de um aldeamento turístico não está sujeita à prévia realização de uma operação de loteamento urbano, mas apenas ao licenciamento de obras de urbanização. É que apesar de se proceder à construção várias edificações num único terreno, nomeadamente moradias ou blocos de apartamentos, não é indispensável proceder à sua divisão jurídica.

Nos termos do citado regime jurídico da instalação e do funcionamento dos empreendimentos turísticos, aprovado inicialmente pelo Decreto-Lei nº 167/97, de 4 de Julho, e sucessivamente alterado pelos Decreto-Lei nºs 305/99, de 6 de Agosto, e 55/2002, de 11 de Março, os aldeamentos turísticos constituem-se num regime de condomínio fechado equivalente ao da propriedade horizontal, em que as moradias e os apartamentos constituem «fracções imobiliárias» em tudo idênticas às fracções autónomas, e os espaços verdes e de utilização colectiva, as infraestruturas viárias e os demais equipamentos conservam a sua natureza privada como «partes comuns» do empreendimento.

Esta opção do legislador, que aliás já vem de trás, tem-se revelado particularmente adequada às características e às funções específicas deste tipo de empreendimentos turísticos. A inexistência de lotes de terreno no interior do empreendimento impede que o mesmo se descaracterize, mediante o isolamento das sua moradias e blocos de apartamentos e a sua afectação a fins exclusivamente residenciais, além de facilitar a livre circulação e acesso de todos os seus utentes aos equipamentos e serviços de utilização comum.

De facto, ideia de um aldeamento turístico é a de um empreendimento fechado ao exterior mas sem barreiras no seu interior, em que tendencialmente não existem muros nem áreas de uso exclusivo dos «condóminos» além das próprias unidades de alojamento.

O novo regime jurídico da urbanização e da edificação, que rege o licenciamento das operações de loteamento urbano e de obras particulares veio, no entanto, prever expressamente no seu artigo 38º a possibilidade de os empreendimentos turísticos, designadamente os aldeamentos turísticos, poderem ser sujeitos prévia realização de uma operação de loteamento urbano.

A solução adoptada é ambígua, dado que deixa ao critério dos promotores a opção de efectuar ou não a divisão jurídica do terreno em lotes, e além disso é geradora de inúmeros problemas de natureza burocrática.

Entre esses problemas destaca-se o facto de, não obstante o regime jurídico da urbanização e da edificação permitir a sua realização para fins turísticos, os loteamentos urbanos continuam a ser ignorados pela legislação respeitante à instalação e ao funcionamento dos empreendimentos turísticos.

Com efeito, apesar das alterações introduzidas no Decreto-Lei nº 167/97 pelo citado Decreto-Lei nº 55/2002, aquele diploma continua a não prever a emissão do parecer da Direcção-Geral de Turismo no âmbito dos processos de licenciamento de operações de loteamento urbano, regulando exclusivamente a emissão daquele parecer no âmbito do licenciamento ou autorização para a realização de obras de edificação, ou obras particulares.

Ora, não se compreende como é que aquele parecer possa ser dispensado tendo em conta as finalidades da sua emissão, nomeadamente no que se refere à apreciação da localização do empreendimento quando este não se situar em área que, no termos de plano de urbanização ou de pormenor em vigor, esteja expressamente afecta ao uso turístico (art. 12º/2/c) do DL nº 167/97).

É certo que o diploma legal em questão prevê a emissão do parecer da Direcção-Geral de Turismo no âmbito do pedido de informação prévia sobre a possibilidade de instalar um empreendimento turística e respectivos condicionamentos urbanísticos (arts. 12º e segs. Do DL nº 167/97), e que aquele pedido tanto pode ser feito nos casos de licenciamento de loteamento urbano como nos de licenciamento de obras de edificação, mas a verdade que o pedido de informação prévia é meramente facultativo e pode não ser concretamente requerido.

É certo também que se pode suprir a omissão do legislador fazendo aplicar por analogia o regime previsto para a consulta no âmbito do licenciamento de obras de edificação (arts. 15º e segs. Do DL nº 167/97), mas nesse caso o parecer dificilmente se poderá pronunciar sobre o «cumprimento das normas estabelecidas no presente diploma e nos seus regulamentos» (art. 15º/3/b), pelo menos na parte que diga respeito aos aspectos construtivos do empreendimento e que só o respectivo projecto de edificação possa revelar.

Acresce, por outro lado, que sendo realizada uma operação de loteamento urbano para a instalação de um empreendimento turístico, fica a dúvida sobre o procedimento a adoptar na aprovação dos projectos de construção das respectivas moradias e blocos de apartamentos.

Por um lado, porque tradicionalmente nos aldeamentos turísticos apenas há lugar à aprovação de um projecto de arquitectura tipo, e neste caso seriam necessárias tantas licenças de construção quantas as moradias ou blocos de apartamentos existentes no empreendimento.

Por outro lado, porque uma vez mais o legislador não cuidou das consequências da adopção para o empreendimento da forma de loteamento urbano na tramitação do procedimento de emissão do parecer da Direcção Geral do Turismo.

É que, nos termos do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 177/2001, de 4 de Junho, as obras de edificação em área abrangida por alvará de loteamento urbano não estão sujeitas a licenciamento mas a mera autorização (art. 4º/2/c), e no âmbito dos procedimentos de mera autorização não estão previstas consultas a entidades estranhas ao município (art. 28º/2).

Mesmo reconhecendo que, por força dos artigos 37º/1 e 38º daquele diploma legal, a consulta à Direcção-Geral de Turismo pode ser feita também nos procedimentos de mera autorização de obras de edificação, isso não resolve o problemas das restantes entidades a consultar, incluindo o Serviço Nacional de Bombeiros e a própria Direcção Regional de Ambiente e Ordenamento do Território.

Ou seja, o regime dos empreendimentos turísticos não prevê a emissão dos pareceres no âmbito do licenciamento de uma operação de loteamento urbano, e o regime jurídico da urbanização e da edificação também não prevê a emissão daqueles pareceres no âmbito da autorização das respectivas obras de edificação se o empreendimento turístico for efectivamente aprovado sob a forma de uma operação de loteamento urbano...

Temos de admitir que são problemas a mais para um diploma que se propôs expressamente proceder à compatibilização daqueles dois regimes legais.

Claudio Monteiro

Advogado

Barrocas & Alves Pereira

Comentários para autor e editor para negocios&estrategia@mediafin.pt

Artigo publicado no Jornal de Negócios – suplemento Negócios & Estratégia

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio